




02 A traição de Tomas
Na nossa matilha, o Alfa e sua família eram intocáveis, posicionados no topo da pirâmide social, sua riqueza e influência formando uma barreira impenetrável entre eles e o resto de nós. Para as famílias mais altas, a classe mais baixa não passava de ruído de fundo, insignificante e descartável. Fomos criados para ser submissos, para nos curvar sem questionar, e a maioria de nós vivia em medo silencioso, tomando cuidado para nunca sair da linha. Minha mãe costumava dizer: "Um líder não é nada sem seus seguidores." Ela acreditava, talvez ingenuamente, que um dia as raças superiores perceberiam o quanto dependiam de nós. Eu não compartilhava seu otimismo.
A divisão entre as classes não era apenas social; era sistêmica. O cruzamento entre as raças superiores e inferiores era um tabu, um escândalo a ser evitado a todo custo. No entanto, acontecia—silenciosamente, discretamente, contra as regras. Essa era a única razão pela qual meu relacionamento com Tomas, o filho mais velho da família beta, não era uma completa impossibilidade. Ainda havia uma chance, por menor que fosse, de que poderíamos vencer as probabilidades.
Para muitas famílias de raça inferior, o único caminho para a relevância era o dinheiro. A riqueza podia elevar o status de uma família, até mesmo conceder-lhes influência, mas o sistema era manipulado. As famílias superiores mantinham as melhores oportunidades—os empregos mais bem pagos, as posições mais poderosas—dentro de seus círculos fechados. Não existia algo como um alto escalão pobre. Eles sempre tinham recursos, ou pelo menos, alguém para levantá-los se tropeçassem.
Famílias inferiores, como a minha, não tinham essa rede de segurança. Nós éramos deixados para sobreviver como podíamos. Alguns recorriam ao crime, juntando-se à máfia em desespero. Outros se agarravam à falsa esperança dos cassinos, apostando tudo o que tinham por aquela grande vitória que poderia tirar suas famílias da pobreza. Meu pai era uma dessas pessoas. Ele havia jogado fora tudo—nosso dinheiro, nossa casa, nossa estabilidade. Costumávamos ser confortáveis, não ricos, mas estáveis. Agora, estávamos à beira da miséria, graças ao vício dele.
Se Tomas se casasse comigo, tudo poderia mudar. O dinheiro e a influência da família dele nos tirariam dessa miséria. Era por isso que as pessoas assumiam que eu estava com ele por razões egoístas.
Elas sussurravam pelas minhas costas, chamando-me de interesseira. Mas esses sussurros não eram desculpa para a forma como Tomas vinha me tratando. Há semanas ele estava distante, indiferente. Decidi que iria confrontá-lo, dar-lhe um ultimato: ou avançávamos, ou acabava tudo.
Depois do meu banho, me concentrei em me preparar para o dia. Tinha uma entrevista naquela tarde, mas era difícil sentir esperança. A maioria das empresas não queria contratar alguém de uma família baixa para posições importantes. Diziam que nos faltava confiança e autoridade para tais funções, como se a pobreza de alguma forma nos tornasse menos capazes.
Isso me deixava furiosa. Como poderíamos escapar desse ciclo se nem sequer nos davam uma chance? Eu odiava meu pai pelo que ele havia feito conosco, pelo buraco que ele cavou e do qual não conseguíamos sair. Mas eu continuava tentando, porque alguém tinha que tentar. Meus irmãos mereciam melhor, e se eu algum dia tivesse uma chance, jurava que a aproveitaria ao máximo.
O sistema de matilha era brutal. Um Alfa governava cada matilha, e acima deles estavam as famílias da máfia, controlando tudo das sombras. Eu tinha recorrido a candidatar-me a um emprego fora do território do nosso Alfa, uma medida arriscada, mas minha única opção real. Se eu fosse pega, haveria consequências, mas o desespero há muito superara meu medo.
Enquanto me vestia, ouvi vozes elevadas vindo do outro cômodo. Meus irmãos estavam discutindo. Saí do meu quarto rapidamente, preocupada com o que poderia estar acontecendo. Assim que entrei na sala, eles ficaram em silêncio, seus olhos se voltaram para mim como se tivessem sido pegos no meio de algo que não queriam que eu soubesse.
“O que está acontecendo?” perguntei, olhando para Kyle, o mais novo dos quatro. Ele olhou nervosamente para Tevin, o mais velho, que suspirou pesadamente, seus ombros caindo como se o peso do mundo estivesse sobre eles.
“Emma,” Tevin começou, sua voz instável. Ele estava segurando um envelope nas mãos, seus dedos tremendo. “Emma, eu sei que você é forte, e sempre conseguiu lidar com as coisas, mas…” Ele parou, sua relutância apenas aumentando minha ansiedade.
“Só me diga,” eu insisti, minha paciência se esgotando.
Tevin me olhou com uma expressão que eu não conseguia identificar—pena, raiva, tristeza, tudo misturado. “Tomas vai se casar,” ele disse finalmente, sua voz baixa mas firme. “Com a filha do Alfa.”
As palavras me atingiram como um golpe físico. Por um momento, eu não conseguia respirar. Minha mente corria, tentando encontrar alguma forma de fazer sentido do que eu acabara de ouvir. “Isso não é possível,” eu disse, balançando a cabeça. “Eu falei com ele esta manhã. Ele disse que me veria mais tarde.”
Tevin não respondeu. Ele simplesmente estendeu o envelope, sua mão tremendo ligeiramente. “Eles foram cruéis o suficiente para nos enviar um convite,” ele disse amargamente.
Eu arranquei o envelope de sua mão e o rasguei, minhas mãos tremendo. Lá estava, preto no branco: um convite de casamento. O nome de Tomas estava lá, impresso cuidadosamente ao lado do dela. Eu olhei para ele, minha visão embaçando com lágrimas. A raiva borbulhou dentro de mim, quente e amarga. Como ele pôde? Como ele pôde mentir para mim, me enganar, e então casar com outra pessoa?
Eu me senti humilhada, traída e tola. Apenas horas atrás, eu estava pensando em dar um ultimato a ele, em lutar pelo nosso futuro. Agora, esse futuro havia sido arrancado, deixando-me apenas com as cinzas de um relacionamento em que eu acreditava. Tomas não apenas quebrou meu coração—ele destruiu minha confiança.
O sistema de matilha era cruel, mas isso… isso parecia pessoal.
O convite escorregou das minhas mãos trêmulas, caindo de cabeça para baixo no chão. Tomas estava se casando com a filha do Alfa. Meu pulso rugia nos meus ouvidos, o quarto girando ao meu redor—e em algum lugar profundo dentro de mim, uma voz quieta e perigosa sussurrou: Você não pode deixar isso passar.