Capítulo 7
Senti o medo na súbita quietude da sala, a falta de ar e a tensão que fizeram os pelos do meu braço se arrepiarem. O medo era espesso o suficiente para cortar, fazendo meu coração saltar para a garganta, me sufocando. Apesar do medo silencioso, não pude conter meu gemido diante da dor aguda e ardente que acompanhou a água fervente derramada na minha cabeça.
"Estamos no território de outro," ouvi uma voz tensa perto de mim. "Acalme-se." Três pares de pés estavam perto de mim enquanto eu lutava para me sentar, apesar da dor no rosto e nos ombros escaldados.
Se existisse algo como o inferno, imaginei que não poderia ser pior do que isso. A pele do lado esquerdo do meu rosto e da minha testa descascava devido ao tratamento com água quente. Engoli um gemido, aterrorizada pelo homem que estava a poucos metros de mim. Nada me faria mover um centímetro por medo de agravar o homem cuja raiva congelou a sala inteira.
"Saia do caminho." Uma voz fria. Calma e mortal. Carregava a força de um Alfa, alguém acostumado a conseguir o que queria.
"Somos visitantes. Se você machucar ela –" O outro homem estava dizendo. Seu tom estava carregado de ansiedade. Eu podia sentir as ondas nervosas emanando de todos na sala, especialmente do outro homem.
"Aristo, saia do caminho." A voz vibrante de poder soava persuasiva, mas carregava um tom perigoso que se solidificou quando ele latiu. "Agora." Vi o movimento dos pés, ouvi um guincho, mas não pude mais conter minha dor.
Gritei de dor fervente e a tensão no ar estalou com meu grito alto. O homem que sugava o ar da sala se virou e então ele se ajoelhou ao meu lado. Minha respiração ficou presa na garganta enquanto ele me levantava do chão.
"Nossa companheira é gentil!" Asena comemorou, mas eu não conseguia respirar, sua aura me sufocava.
"Alfa, você não precisa carregá-la!" Beta Grace parecia escandalizada quando meu companheiro me levantou como uma noiva. "Ela pode ir ao médico sozinha. A cerimônia está pela metade, Alfa Cahir, e será ruim para sua imagem se você faltar."
"Eu me preocupo com minha reputação. Preocupe-se em manter sua cabeça." Seu peito vibrava apesar das palavras frias que ele falou. "Vai me levar ao médico ou tenho que te obrigar?" A ameaça fez Beta Grace se mover com rapidez.
"Alfa –" Seu Beta o seguiu nervosamente um passo atrás. "Seu comportamento vai fazer as pessoas falarem."
"Aristo, descubra quem é essa garota e todos os relacionados a ela," meu companheiro disse e o Beta desapareceu para cumprir suas ordens.
Aristo. Alfa Cahir. Esses nomes eram terrivelmente familiares – meu sangue gelou quando tudo se encaixou na minha cabeça. Alfa Cahir Armani, o Alfa implacável, o homem que virou a sociedade dos lobisomens de cabeça para baixo sete anos atrás. Por dois anos, ele e alguns outros homens travaram uma guerra contra o maior, mais renomado e reverenciado Alfa do mundo e venceram. Venceram pela pura loucura assassina de Cahir.
Sete anos atrás, a dinâmica do mundo mudou por causa desse homem. Alfas de grandes matilhas que sempre se sentiram seguros por causa de seus números e guerreiros viram o que um homem com cem lobos não treinados podia fazer contra um homem com um exército composto por milhares de homens altamente qualificados. O pânico que tomou conta do mundo por dois anos enquanto as pessoas se perguntavam se ele pararia. Se ele poderia tomar o controle da matilha Alpha Blood, que permaneceu invicta em batalha desde sua criação há quinhentos anos, então não havia como prever o que ele faria a seguir.
Após um massacre calculado de dois anos, ele se tornou o líder da matilha mais poderosa do mundo, e então desapareceu da existência. Ninguém via seu rosto, ninguém ouvia sua voz e ninguém sabia de seus movimentos. As pessoas começaram a espalhar todo tipo de rumores sobre ele – que a guerra o desfigurou a ponto de ele não poder se mostrar sem vergonha, enquanto poucos cantavam sobre sua beleza etérea que cegava os outros, mas ninguém podia jurar de verdade que suas palavras eram verdadeiras.
Alfa Cahir.
O homem cujos braços me seguravam inclinava-se mais para a beleza etérea do que para a desfiguração. Pelo que eu podia ver, ele tinha olhos escuros impressionantes que pareciam orbes encantadores, um nariz esguio e lábios vermelhos cheios, completos com um queixo forte e afiado.
“A – Alfa C– Cahir!” Ouvi uma voz familiar. Meu pai. “Desculpe pela confusão que minha filha causou.” Cahir parou de se mover.
A dor no meu rosto e em algumas partes dos meus ombros começou a diminuir na curta viagem até o hospital, antes que meu pai bloqueasse nosso caminho.
“Quem é você?” A voz fria demonstrava desprezo e impaciência.
“Sou o Beta Markus, pai dela.” Meu pai nunca escondeu sua vergonha por ter gerado uma ômega inútil como eu, mas apesar de me ver nos braços de um homem tão aterrorizante, apesar de notar meu rosto escaldado, ele não se preocupou em mostrar nem um pouco de cuidado pelo meu bem-estar. Apenas decepção e vergonha soavam em seu tom enquanto falava com meu companheiro.
“Markus, você disse? O Beta deste bando?” Não senti um pingo de impressão em seu tom seco e frio.
“Sim, se a deusa permitir –“
“Uma ruiva fez isso com sua filha. Você ajudará meu Beta a encontrá-la e todos os relacionados a ela. Eu decidirei a punição deles.” Seu tom não deixava espaço para discussão. Outro Alfa vindo a um bando estrangeiro não deveria dar ordens como se fosse o Alfa deles, mas ele não se importava.
“Com todo o respeito –“ Meu pai começou com uma voz afiada.
“Por que ainda está no meu caminho?” Meu pai não se mexeu, mas se remexeu nos pés. “Estou me sentindo particularmente assassino agora e se você não sair –“ Meu pai saiu do caminho.
“Você vai ficar bem.” Ele disse para mim com uma voz suave, afastando meu cabelo do rosto enquanto me deitava na cama do hospital.
Eu sabia que meu rosto devia estar vermelho brilhante e feio por causa do líquido escaldante, mas não havia como ele saber que poucos minutos atrás, minha pele estava descascando. Quando ele me pegou do chão, senti minhas habilidades de cura ativarem como um cobertor quente e macio sendo colocado ao meu redor, então senti a área do ferimento começar a fechar, e a sensação quente e ardida da água quente começou a diminuir e a vontade de me encolher em uma bola e desaparecer gradualmente desapareceu.
Cura.
O mundo não me deu tempo para entender esse estranho poder. Apenas as pessoas mais amadas pela deusa recebiam habilidades e eram principalmente Alfas que viviam para seu bando. Eu não era ninguém.
“Alfa, a cerimônia está prestes a terminar. Se você sair agora, deve pegar o resto do discurso do Alfa Kade antes do encerramento da cerimônia.” Beta Grace ainda pairava na porta.
“Diga ao seu Alfa para me ver e avise o médico que estou esperando.” Ele dispensou Grace com um aceno de mão, mas ela não foi. “Há algum problema?” Ele se virou parcialmente para ela.
“A questão é –“ Ela começou, mordendo o lábio inferior.
“A resposta correta é não,” ele aconselhou em um tom que não deixava espaço para argumentos. Beta Grace assentiu e saiu correndo da sala.
Como eu era uma ômega inútil em vez de uma Beta, não poderia suceder meu pai auxiliando o próximo Alfa como seu Beta. Minha família forneceu os últimos cinco betas deste bando, mas essa linhagem terminaria com meu pai.
Beta Grace e Beta Adam eram as duas pessoas mais prováveis de assumir a posição de beta do bando. Era dever de Kade escolher seu Beta e eu sentia pena de Grace. Ela era mais competente que Adam, mas o que Adam faltava em eficiência e zelo, ele compensava em lealdade. Ele mataria por Kade, mas a moralidade de Grace não a deixaria agir como Beta do Alfa sem culpa moral, então ele era menos provável de escolhê-la como sua Beta.
“Você é uma curandeira.” Cahir entrelaçou nossos dedos. Arrepios explodiram por toda minha pele e um calor se espalhou por dentro de mim.
“N- Não –“ Meu primeiro instinto foi negar, então eu o fiz.
Pessoas beijadas pela deusa, como eram chamados aqueles que recebiam um ou mais poderes sobrenaturais da deusa, eram raras. Tão raras quanto um em um milhão de lobos. Nem preciso dizer que quando uma era encontrada, ou era reverenciada ou explorada. Como membro do bando Lua Prateada, eu já tinha passado por exploração suficiente para uma vida inteira. Eu não queria ser explorada mais.
“Belle, posso sentir sua essência,” ele disse com uma voz rouca, “e vi seus ferimentos se fecharem diante dos meus olhos.”
“Eu –“ Não sabia o que dizer.
“Você vai aprender a ser uma boa companheira, amor, e boas companheiras não mentem.”