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Um

Eu me lembro de um tempo em que o café da manhã, o almoço e o jantar eram meus momentos favoritos do dia. Uma época em que todos nos reuníamos ao redor da mesa luxuosa, conversando, rindo e discutindo sobre o nosso dia enquanto nos deliciávamos com a refeição preparada por minha mãe.

Mas agora, enquanto eu estava sentada na sala de jantar da mansão da minha família, com várias opções de comida espalhadas à minha frente, não conseguia deixar de pensar nesses momentos como memórias distantes.

Memórias que eu percebia que estavam lentamente desaparecendo, sendo substituídas pelas coisas mais duras da vida, enquanto eu ficava distraída, brincando com a comida pela qual já tinha perdido o apetite há muito tempo.

À minha frente, Alecia estava em sua forma habitual—vivaz, vibrante e absolutamente cativante. Ela era o tipo de pessoa que podia comandar uma sala sem dizer uma palavra, sua presença era tão marcante e cativante que, na maioria das vezes, era impossível desviar o olhar. Eu frequentemente me perguntava como era possível que compartilhássemos o mesmo rosto, os mesmos traços, mas fôssemos tão fundamentalmente diferentes.

Talvez eu devesse culpar o universo por isso, porque, se eu fosse mais parecida com ela, então talvez, só talvez, meu pai não-

“Valentina, você está me ouvindo?” O tom agudo do meu pai cortou meus pensamentos, me trazendo de volta ao presente. Olhei para cima e encontrei seus olhos frios e penetrantes fixos em mim, esperando uma resposta.

“Sim, Papai,” respondi baixinho, embora, na verdade, eu não fizesse ideia do que ele estava dizendo. Embora, não importasse.

Em nossa casa, desde muito jovem, meu papel havia sido definido para mim. Era ouvir, acenar e permanecer discreta, como uma marionete. Alecia, no entanto, era a estrela, brilhando intensamente e se destacando em coisas nas quais nem mesmo se dedicava. Ela era a melhor gêmea, enquanto eu, não passava de uma sombra—sempre presente, mas nunca o foco.

“Bom,” disse meu pai, mal reconhecendo minha resposta antes de voltar sua atenção para Alecia. “Como eu estava dizendo, fiz os arranjos, Alecia, você encontrará seu futuro depois de amanhã.”

A confusão tomou conta de mim em segundos e meus olhos se arregalaram.

'O que diabos eu perdi?' pensei, olhando entre meu pai e Alecia, mas ela parecia tão confusa quanto eu.

Eventualmente, uma risada escapou de sua garganta. “Boa piada, papai. Infelizmente, o dia da mentira foi há dois meses.”

Dizendo isso, ela estava prestes a voltar a comer, mas o olhar no rosto do nosso pai nos disse que ele não estava brincando.

“Você o encontrará depois de amanhã,” repetiu meu pai, olhando nos olhos de Alecia com um olhar severo. “Sem falta.”

Demorou alguns segundos, mas no momento em que Alecia entendeu que isso não era uma piada, suas sobrancelhas se franziram. “O quê? Quem?”

Eu estava igualmente curioso e olhei para o meu pai. Por um segundo, pude ver a hesitação em seu rosto, mas ela desapareceu tão rápido quanto apareceu.

“Luca Caruso,” ele respondeu, com um tom que não admitia discussão.

Por um momento, houve silêncio. Alecia piscou, como se o nome não tivesse registrado completamente. Então, quando a compreensão surgiu, seus olhos se arregalaram de choque e descrença, espelhando a expressão no meu rosto.

“Luca Caruso? O chefe da máfia?” A voz de Alecia era uma mistura de incredulidade e indignação. “Você não pode estar falando sério, papai!”

“Estou falando muito sério,” nosso pai respondeu com uma frieza final que me fez arrepiar.

Ele estava realmente planejando casar Alecia com o homem mais perigoso da Itália? E por quê?

“Papai-“ tentei falar, mas um olhar dele, me lembrando do meu lugar, foi o suficiente para silenciar o que eu tinha a dizer.

Voltando sua atenção para Alecia, ele acrescentou: “Isso não está em debate, Alecia. Você vai se casar com Luca Caruso, e isso é o fim da história.”

A reação de Alecia foi imediata e explosiva. “Casar com ele? Você está louco? Eu não vou me casar com algum—algum criminoso!”

A expressão do meu pai endureceu, seus olhos se estreitando perigosamente. “Você fará o que eu mandar, Alecia. Este casamento é necessário para o futuro da nossa família.”

“E o meu futuro?” Alecia retrucou, sua voz aumentando. “Você se importa com o que eu quero?”

“O que você quer é irrelevante quando o melhor interesse da nossa família está em risco,” ele retrucou, sua paciência se esgotando.

Eu não pude deixar de me sentir um pouco inquieto com a situação. Papai nunca falava assim com Alecia. Ela era sua filha favorita.

“Isso é sobre garantir nossos negócios, nosso legado. Luca Caruso prometeu nos ajudar a estender as dívidas que devemos e até nos conceder mais para crescer a empresa.”

As mãos de Alecia se fecharam em punhos, seus nós dos dedos brancos de raiva. Ela estava mais focada no assunto do casamento, do que na dívida que nosso pai acabara de mencionar.

“Eu não vou fazer isso, papai. Eu me recuso,” ela disse.

“E o que você vai fazer em vez disso?” ele exigiu, sua voz carregada de sarcasmo. “Fugir com aquele garoto inútil que você tem visto? Você acha que ele pode te oferecer algo próximo ao que Luca pode?”

Os olhos de Alecia brilharam com desafio. “Eu prefiro estar com alguém que amo do que ser vendida como uma peça de propriedade!”

Meus olhos se arregalaram com as palavras de Alecia. Durante o último ano, todos nós estávamos cientes do relacionamento dela, mas ela se recusou a nos apresentá-lo, então todos pensávamos que ele não era importante, mas, ouvi-la dizer isso...

Esta não era a primeira vez que Alecia se rebelava contra os planos do nosso pai, mas era a primeira vez que eu a via tão determinada, tão resoluta. Havia uma parte de mim que a admirava por isso, embora eu soubesse que só acabaria em desastre se eu seguisse seus passos.

O rosto do meu pai escureceu, e por um momento, temi que ele pudesse agredi-la. Mas, em vez disso, ele se recostou na cadeira, sua expressão fria e calculista.

"Se você acha que pode me desafiar, está muito enganada," disse ele em um tom baixo e perigoso. "Este casamento vai acontecer, Alecia. Quer você goste ou não."

O olhar de Alecia se voltou para mim, seus olhos suplicantes. "Papai, por favor, deve haver outra maneira. Talvez Valentina pudesse—"

"Não!" A voz do nosso pai cortou o ar como uma faca, silenciando-a instantaneamente. Ele se virou para mim, sua expressão inexpressiva. "Valentina não faz parte desta discussão."

Suas palavras doeram, embora eu soubesse que era melhor não deixar transparecer. Não era segredo que Alecia era sua favorita, a filha na qual ele sempre depositou suas esperanças. Eu, por outro lado, era pouco mais que um pensamento secundário—uma sombra obediente, destinada a viver no brilho da minha irmã.

Algo a que eu já tinha me acostumado. Ou assim eu dizia a mim mesma.

"Papai," Alecia começou novamente, seu tom mais suave agora, quase suplicante. "Valentina é tão capaz quanto eu. Ela poderia—"

"Não," ele repetiu, mais firmemente desta vez. "Alecia, você é o rosto desta família. Você é quem vai se casar com Luca Caruso, e isso é final."

O rosto de Alecia se contorceu de frustração, e eu podia ver o desespero em seus olhos. Ela estava encurralada, presa em uma situação da qual não queria fazer parte. E, no entanto, apesar da tensão, eu podia sentir um estranho alívio tomando conta de mim. Pela primeira vez, eu não era a que tinha que sacrificar algo pela família.

Mas esse alívio foi de curta duração.

"Está bem," Alecia disse de repente, sua voz baixa e fervendo de raiva. "Se você acha que Valentina é tão inútil, por que não a coloca no meu lugar? Ela está morrendo de vontade de provar seu valor para você, não está?"

As palavras pairaram no ar como uma lâmina de guilhotina, e senti meu estômago afundar. Abri a boca para protestar, mas nenhum som saiu. O olhar de Alecia estava fixo em nosso pai, seu desafio claro.

A reação do nosso pai foi imediata. Ele bateu a mão na mesa, fazendo os talheres chacoalharem. "Já chega, Alecia!" ele trovejou, seu rosto ficando vermelho de fúria. "Valentina não tem utilidade para esta família!"

Uma risada amarga escapou dos lábios de Alecia. "Ah, mas eu tenho? É isso que é, não é? Você está me trocando como se eu fosse uma peça de barganha porque é fraco demais para lidar com a confusão em que se meteu, certo?!"

O rosto do meu pai escureceu ainda mais, e por um momento, temi que a discussão escalasse para algo muito pior. Mas então, ele respirou fundo, controlando seu temperamento.

"Isso não é uma discussão," disse ele em um tom que não admitia argumentos. "Você vai se casar com Luca Caruso, Alecia. Você vai garantir o futuro da nossa família."

Alecia empurrou sua cadeira abruptamente, levantando-se. "Eu não vou fazer isso," ela declarou, sua voz tremendo de fúria. "Eu não vou deixar você controlar minha vida!"

Antes que alguém pudesse reagir, ela deu meia-volta e saiu furiosa da sala de jantar, deixando um silêncio atordoado em seu rastro. Meu pai permaneceu imóvel, seus olhos fixos no espaço onde Alecia havia estado. Eu podia ver as engrenagens girando em sua mente, sua expressão uma mistura de raiva e frustração.

Por um longo momento, nenhum de nós falou. Eu não sabia o que dizer, não sabia se havia algo que eu pudesse dizer que faria diferença. Tudo o que eu sentia era uma tristeza profunda, uma sensação de desgraça iminente que eu não conseguia afastar.

Finalmente, meu pai suspirou pesadamente, seus ombros caindo como se estivessem sob um grande peso. “Ela não entende,” murmurou, mais para si mesmo do que para mim. “Ela não entende o que está em jogo.”

Eu permaneci em silêncio, sem saber como responder. O olhar do meu pai se voltou para mim, seus olhos preenchidos com uma mistura de resignação e algo mais—algo que eu não conseguia identificar.

“Você deveria tê-la impedido,” ele disse baixinho, seu tom carregado de uma leve acusação.

“Eu—” comecei, mas as palavras morreram na minha garganta. Eu queria dizer a ele que não havia nada que eu pudesse ter feito, que Alecia sempre foi teimosa e impossível de controlar. Mas eu sabia que ele não ouviria. Ele nunca ouvia.

Em vez disso, eu assenti, aceitando a culpa como sempre fazia. Era mais fácil assim, mais fácil do que tentar explicar as complexidades da rebeldia da minha irmã e minha própria impotência.

Meu pai suspirou novamente, esfregando as têmporas como se afastasse uma dor de cabeça. “Não era assim que as coisas deveriam acontecer,” murmurou. “Alecia deveria garantir nosso futuro. Agora…”

Sua voz sumiu, deixando o resto não dito. Mas eu sabia o que ele estava pensando. Sem o casamento de Alecia com Luca Caruso, o futuro da nossa família estava em perigo. A dívida que devíamos era grande demais, os riscos altos demais. E com Alecia fora, restava apenas uma opção.

O pensamento me deu um calafrio, mas eu o afastei, recusando-me a entreter essa possibilidade. Como meu pai havia dito, eu não era de muita utilidade para esta família, e Alecia acabaria percebendo que estava fazendo isso pela família. Ela tinha que perceber.

Mas à medida que a noite avançava e o silêncio na casa ficava mais pesado, uma dúvida incômoda começou a surgir na minha mente. E se ela não voltasse à razão? E se ela permanecesse teimosa como daquela vez que nosso pai queria que ela fosse a oradora da turma e ela se recusou?

E se tudo isso terminasse em uma grande confusão?

Com um suspiro, afastei os pensamentos perturbadores e me concentrei em limpar a mesa. Mas mesmo enquanto eu realizava as tarefas, aquela semente de dúvida permanecia, se enraizando mais fundo a cada minuto que passava.

E quando me retirei para o meu quarto naquela noite, não conseguia me livrar da sensação de que tudo estava prestes a mudar.

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