Read with BonusRead with Bonus

Capítulo 6: As pinturas

Angela olhou para Leonardo com frustração, incapaz de compreender sua teimosia. Ela não podia deixar de lembrar suas experiências passadas com pacientes que haviam perdido a esperança, como Alice Robin, que perdeu as duas pernas em um acidente e não conseguia andar. Angela trabalhou incansavelmente para fornecer apoio emocional a Alice, absorvendo a dor que sentia toda vez que Alice chorava. Mas Leonardo não era como Alice - ele era seu adversário.

"Você é incrivelmente obstinado," Angela disparou, sua voz carregada de irritação enquanto empurrava a pequena mesa em direção a Leonardo. "A comida está bem na sua frente. Não há cabeça de algodão."

A resposta de Leonardo foi enlouquecedora. "Envenene a comida," ele exigiu.

A frustração de Angela transbordou. "Eu não posso envenenar a comida, senão serei presa," ela retrucou asperamente. "Se você morrer envenenado, a polícia virá atrás de mim, e eu serei presa. Você quer que eu passe o resto da minha vida na miséria?"

O silêncio de Leonardo era ensurdecedor, como se ele estivesse perdido em pensamentos. "Você quer que eu morra de irritação?" ele perguntou.

"Seria melhor você morrer de aborrecimento do que de veneno," Angela resmungou. Ela deu alguns passos em direção a Leonardo, seu tom se tornando mais argumentativo. "Ouça-me. Eu sei muito bem do que uma pessoa cega é capaz. Use sua imaginação como pintor, como você costumava ser."

A tentativa de Leonardo de agarrar Angela a deixou atordoada, mas ela conseguiu escapar de seu alcance. "Eu avisei para não me lembrar de quem eu sou!" ele gritou, sua raiva palpável.

Angela sentiu seu coração disparar enquanto lutava para recuperar o fôlego. Ela queria nada mais do que dar um tapa na cara dele, mas sabia que precisava manter a compostura. Apesar da raiva fervendo dentro dela, ela sabia o que precisava ser feito com seu adversário. Leonardo estava certo - ele precisava morrer de depressão, assim como sua irmã.

"Está bem," ela disse, sua voz firme enquanto recuperava a compostura. "Coma a comida que está na sua frente. O pão está à direita, o prato está à esquerda, e a água está no centro. Também há um copo de leite à esquerda. Você me ouviu?"

"Onde está o garfo?" Leonardo perguntou.

"Você não pode usar um garfo porque pode usá-lo para me matar," Angela explicou, seu tom factual. "Então lave as mãos e coma. Há uma pequena bacia com água à sua direita."

Leonardo permaneceu em silêncio, como se estivesse apenas ouvindo suas instruções.

"Você gostaria de me ouvir cantar?" Angela perguntou, tentando aliviar o clima.

"Não cante; vou comer," Leonardo resmungou. "Sua voz vai me fazer vomitar."

Depois de alguns momentos de hesitação, Leonardo alcançou a comida à sua frente, como se estivesse verificando as descrições de Angela.

Angela não pôde deixar de notar as unhas longas e sujas de Leonardo. "Vamos cortar suas unhas depois que você comer," ela sugeriu.

"Não mexa nas minhas unhas," ele rosnou enquanto pegava água da bacia para lavar as mãos. "E não quero ninguém me olhando enquanto eu como."

"Você não me vê," Angela resmungou.

"Mesmo assim, saia," ele insistiu.

"Está bem, vou te deixar sozinho até você terminar seu leite," Angela respondeu, tentando manter seu profissionalismo. "E não desperdice sua comida; muitas pessoas estão passando fome agora. Pense nisso." Com isso, ela saiu do quarto, encostando-se na porta fechada para respirar fundo.

Enquanto recuperava a compostura, Leonardo começou a comer com um senso de alívio, como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros. Apesar das dificuldades de lidar com um paciente tão desafiador, a dedicação de Angela como enfermeira continuava. Ela saiu para tomar um pouco de ar fresco, pronta para continuar suas tarefas com determinação inabalável.

A casa era grandiosa, mas faltava calor e vitalidade. A pintura branca do exterior estava descascando, dando-lhe uma aparência negligenciada. As árvores frutíferas no quintal estavam descuidadas, e seus frutos apodreciam no chão. Até mesmo a vista para o mar, que deveria ser deslumbrante, parecia sem vida e sem brilho. Angela não podia deixar de sentir que a casa refletia o vazio de seu dono, Leonardo Vera.

Era como se a casa fosse apenas uma peça de exibição para mostrar sua riqueza e poder, mas desprovida de qualquer propósito ou significado real. Angela se perguntava se Vera era realmente feliz com sua vida, vivendo nessa casa enorme, sozinho, sem nenhuma companhia real ou conexão humana.

Enquanto continuava a passear pela propriedade, Angela não conseguia se livrar da sensação de desconforto que pairava no ar. A grandiosidade da casa só servia para destacar seu vazio, e o silêncio assustador a fazia sentir como se estivesse em uma mansão assombrada. Era um lembrete claro de que dinheiro e posses materiais não podiam preencher o vazio de uma alma solitária e infeliz.

A porta da frente era do tamanho de uma porta de igreja e tinha um design em arco. A escada de pedra à esquerda descia para os fundos da casa, passando pelas árvores frutíferas, até o estúdio de Leonardo Vera. O segundo portão ficava à direita.

Havia três portões na casa. O primeiro ficava na frente, um na casa principal e um nos fundos, que servia como atalho para o estúdio de Leonardo.

Mas, ao olhar ao redor da casa, Angela podia sentir o vazio. Parecia não haver vida ali.

"Como está meu filho?" Dona Vera se juntou a ela no balanço.

"Ele estava comendo quando saí do quarto. Tenho que dar espaço a ele. Ele não quer ninguém olhando enquanto come."

"Muito obrigada novamente," Dona Vera disse, suspirando e se virando. "Leonardo era uma pessoa alegre. Ele costumava dar festas aqui em todas as ocasiões," ela sorriu ao relembrar.

Angela acenou educadamente, mas não pôde deixar de se sentir cética. Ela tinha visto de perto como Leonardo podia ser frio e cruel, e não conseguia imaginá-lo como um anfitrião alegre de festas. Ainda assim, não queria dizer nada que pudesse chatear Dona Vera.

"Isso parece adorável," Angela disse com um sorriso. "Esta casa deve ter visto muitos momentos felizes ao longo dos anos."

"Sim, viu," Dona Vera concordou com uma expressão nostálgica no rosto. "Mas as coisas mudam, as pessoas mudam. Eu só queria poder voltar no tempo e fazer tudo certo de novo."

Angela podia sentir a tristeza na voz de Dona Vera e decidiu mudar de assunto. "Dona Vera, você já pensou em procurar ajuda profissional para seu filho? Eu poderia recomendar alguns excelentes terapeutas."

Dona Vera balançou a cabeça. "Já tentei isso antes, mas não funcionou. Leonardo se recusou a ver qualquer um. Ele está convencido de que não precisa de ajuda e que está perfeitamente bem do jeito que está."

Angela podia entender como devia ser difícil para Dona Vera lidar com a teimosia do filho, mas sabia que Leonardo precisava da ajuda necessária.

"A propósito, como você conseguiu fazer Leonardo comer?" Dona Vera perguntou, seus olhos brilhando de curiosidade.

"É simples. Eu apenas cantei, e isso o assustou," Angela respondeu, um sorriso travesso se espalhando pelo rosto.

"O quê?" Dona Vera riu de surpresa. "Você está brincando! Nunca ouvi falar de algo assim."

Angela balançou a cabeça. "Não, é verdade. E funcionou como um encanto."

Dona Vera sorriu para ela. "Obrigada, Angela. Você fez o meu dia. Eu estava tão preocupada com Leonardo."

Nesse momento, um carro esportivo preto elegante parou, e Lara e Frederick saíram.

"Como vai, Dona Vera?" Lara perguntou, dando-lhe um abraço caloroso.

"Melhor agora que Leonardo está comendo," Dona Vera respondeu, sua empolgação crescendo. "E adivinhe? Angela aqui tem uma arma secreta."

Lara levantou uma sobrancelha. "Ah é? Conte-nos."

Angela contou a história de como fez Leonardo comer, e Frederick ouviu com espanto.

"Brilhante," exclamou Frederick. "Brilhante."

Lara Chavez não se incomodou com a presença de Angela, sua atenção completamente focada na discussão em questão. "Frederick e eu estamos aqui para discutir as pinturas de Leonardo. Concordamos em continuar a exposição com suas peças. Você estava ciente disso?" Lara perguntou, virando-se para Dona Vera.

Dona Vera ficou surpresa com a notícia inesperada. Ela olhou para Angela, que estava sentada quieta ao lado. "Eu não fazia ideia," Dona Vera respondeu, sua confusão evidente.

Frederick, no entanto, parecia indiferente à surpresa de Dona Vera. "Queremos surpreender Leonardo. Suas pinturas merecem ser exibidas, e queremos garantir que sejam vendidas para os compradores certos," ele explicou.

A empolgação de Lara era palpável. "Esta exposição será um segredo, e vai ser um grande sucesso. A publicidade sozinha atrairá muitos colecionadores, especialmente quando souberem que o artista é cego," ela exclamou.

A expressão de Dona Vera se transformou em preocupação. "Mas não seria melhor que Leonardo soubesse o que está acontecendo? Ele merece ter uma palavra sobre como suas pinturas são vendidas," ela sugeriu.

Lara balançou a cabeça. "Não, não, não. É melhor assim. Pense no valor das pinturas. A cegueira de Leonardo só adiciona ao mistério e à intriga de sua arte. É o que fará com que elas sejam vendidas por mais," ela explicou.

Frederick concordou com um aceno. "Há um certo fascínio por artistas com deficiências. É o que os diferencia de outros artistas e torna seu trabalho mais valioso," ele acrescentou.

Enquanto Angela permanecia em silêncio, seu desconforto com a situação era evidente. Estava claro que esses dois estavam apenas preocupados em lucrar, e o bem-estar de Leonardo não era sequer uma consideração.

Dona Vera olhou para Angela em busca de sua opinião sobre o assunto. "O que você acha, Angela?" ela perguntou.

Angela tomou um momento para se recompor antes de falar. "Há um grande problema com o plano de vocês," ela começou.

Lara foi rápida em interromper. "Que problema? Estamos simplesmente tentando mostrar o talento de Leonardo," ela protestou.

"O problema é que Leonardo não quer ser definido por sua deficiência ou por sua arte," Angela explicou. "Até mesmo a mera menção da palavra 'pintor' pode desencadear uma resposta negativa nele. Isso o deixará louco."

Previous ChapterNext Chapter