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7: Homem Gorila (Flashback)

A música de abertura da Vila Sésamo explodiu no sistema de som da sala e acordou metade da vizinhança. Aqueles que estavam mais próximos levaram um momento para verificar se ainda estavam ouvindo bem. Mike correu para a sala de estar, com as mãos fortemente pressionadas contra os ouvidos. Ele viu o pequeno Jack tentando desesperadamente encontrar o botão de volume no controle remoto, mas falhando miseravelmente. As pilhas tinham caído no momento em que ele ligou a TV. A vila vazia ecoava com a música alegre. Mike mal conseguia ouvir sua esposa, que gritava a plenos pulmões atrás dele.

"Desliga a energia!", ele ouviu ela gritar. Ele correu para o quadro de luz e puxou o plugue. O silêncio repentino doeu quase tanto quanto o barulho. Todos os três podiam ouvir seus corações batendo. O pequeno Jack estava ofegante. Eram cinco da manhã. O casal decidiu que não havia motivo para tentar voltar a dormir. O barulho tinha colocado seus cérebros a todo vapor. Mike ainda sentia a adrenalina correndo pelo corpo.

"Eu te disse, mas você tinha que comprar o mais barulhento", Grace disparou contra ele. Ela não estava errada, mas ele tinha uma queda por esse tipo de coisa. Ele desabou no sofá e Grace decidiu preparar algo para o café da manhã. Ele soltou um grande suspiro. Uma das vantagens de ser o cara mais rico da cidade era a falta de chances de algum vizinho reclamar do barulho. Todos o conheciam há anos. Ele tinha convencido seus pais a saírem da fazenda assim que começou a fazer fortuna. Seu pai hesitou, mas teve que ceder porque a fazenda não estava rendendo muito e os novos impostos tinham comido tudo o que ele economizava no final do ano. Os pais adoraram a vila e os vizinhos. A maioria dos vizinhos reconhecia o pai de Mike do mercado de agricultores, então fizeram amigos instantaneamente. Era uma pena que os avós de Jack não puderam ficar por muito tempo. Ambos faleceram no mesmo ano em que ele nasceu. O pequeno Jack, de quatro anos, estava alheio aos olhares dos pais e estava ocupado procurando as pilhas que tinham sumido.

"Você não deveria estar fora do seu quarto, amigão!", Mike chamou seu filho enquanto estendia a mão, convidando-o a sentar ao seu lado no sofá. Jack veio correndo. Ainda faltavam duas horas para a hora de se preparar para a escola. Mike se perguntou o que faria nesse tempo. Jack pulou no sofá ao lado dele e, depois de alguns saltos, se acomodou. Mike colocou o braço em volta de Jack assim que ele ficou imóvel. "Pesadelos?", ele perguntou ao pequeno bola de energia, penteando seu cabelo com os dedos. Um aceno silencioso foi oferecido em resposta.

"Monstro?"

"É", desta vez mais audível. Mike apertou o abraço e descansou a bochecha na cabeça de Jack. "Você se lembra quem é o papai, né?", ele perguntou esperando uma resposta rápida. Jack manteve os olhos no chão. Não havia precedentes de broncas ou palmadas na casa, então não era por medo. Mike percebeu que a resposta não viria, então acrescentou: "Eu sou o homem gorila e eu...". "...expulso todos os monstros só com um sopro!", o pequeno Jack terminou a frase e toda a tristeza em seu rosto desapareceu. Eles bateram as mãos. Grace voltou da cozinha.

"Vamos! Hora de se vestir para a escola", ela ordenou suavemente. A ordem foi recebida com um longo e preguiçoso gemido. "Mas...", Jack protestou, mas a mãe interveio, "Eu sei! Eu sei! Você pode assistir TV até a hora de ir se se arrumar agora". O protesto foi abandonado e Jack correu para o quarto. Mike estava cochilando no sofá.

"Você não tem um voo hoje?", Grace perguntou. Mike assentiu sem abrir os olhos. Ela não estava preocupada. Mike sempre foi o mais rápido para se arrumar para as ocasiões. Ela sabia que ele levaria apenas cinco minutos para sair parecendo um nobre.

Na mesa, eles pareciam um time perfeito de desajustados. Jack estava comendo uma tigela de cereal de chocolate com os olhos grudados na tela da TV. Ele estava pronto para a escola, vestindo um par de shorts brancos segurados por suspensórios e uma camisa vermelha abotoada. Mike estava a um passo de parecer um chefe de máfia estereotipado. Uma camisa branca desabotoada, uma gravata vermelha solta ao redor do colarinho, com o cabelo parecendo que ele tinha bebido duas garrafas. Ele estava ocupado com o jornal e comia de vez em quando. Grace tinha terminado o café da manhã e lia sua revista de moda favorita. Houve uma batida na porta. Era o motorista deles, Antonio. Ele estava com eles desde que se mudaram para lá. Era hora de Jack ir para a escola. Ele rapidamente engoliu o cereal. Sua mãe correu até ele com um guardanapo. Ele pegou sua mochila com a cabeça verde de um dinossauro saindo das costas. Isso tinha sido motivo de chacota, mas Jack gostava e não deixava isso afetá-lo. Sua mãe o beijou, o que ele limpou do rosto com nojo, e correu para Antonio. "É o T-rex! Corre!", Antonio fingiu estar assustado e Jack rugiu de volta. Ele levou Jack até o sedã preto extravagante e partiu. Mike tomou isso como um sinal para ficar sério. Ele engoliu o café e abotoou a camisa enquanto lia as últimas notícias no jornal.

Seu escritório parecia ter sido alvo de uma busca policial minuciosa. Os papéis mais essenciais tinham sido os mais difíceis de encontrar, como de costume. Mas o trabalho tinha sido feito à noite para evitar atrasos pela manhã. Uma maleta, uma pasta de arquivo e um terno, era tudo o que ele levaria. Ele tinha aberto uma filial da Red Stallion Fertilizantes em DC, então foi solicitado por sua equipe para inaugurá-la. Ele estava programado para voltar na manhã seguinte. O telefone tocou. Ele atendeu e sua assistente pessoal estava do outro lado. "Estamos a caminho da sua casa", ela informou. Mike recebeu um pequeno briefing. Ele desligou quando ficou sem perguntas.

Minutos depois, um carro branco que era quase uma limusine chegou à porta deles. Ele sempre usava os carros do escritório para ir ao aeroporto e em viagens longas de trabalho. Ele beijou sua esposa de despedida, sentou-se no carro e partiu para o aeroporto. Sua jovem assistente pessoal sentou-se ao lado dele, vestindo um terno preto, parecendo formal como sempre. No caminho, ele verificou novamente tudo o que deveria estar na maleta. Sua assistente continuava falando sobre quem mais estaria na inauguração, o acordo anual com a companhia aérea, a renúncia do CFO por motivos pessoais e muitos outros assuntos que ele não se importava. Ele sentiu a voz da assistente desaparecer e seus pensamentos se voltaram para imaginar o que o pequeno Jack estava fazendo na escola. Provavelmente fazendo seus professores arrancarem os cabelos, ele pensou. Ele sorriu com a imagem. Foi tirado de seu devaneio pelo toque monofônico penetrante de seu celular flip. Ele tirou o telefone do bolso do casaco. Estava escrito "Casa". "O que diabos eu esqueci desta vez?", ele pensou. Ele atendeu. Houve silêncio. "Amor?", ele tentou quebrar o silêncio. Ele ouviu uma respiração pesada do outro lado. Mike estava ficando ansioso agora. A respiração pesada se transformou em um choro fraco. "Meu Deus, Grace!", ele exclamou, claramente perdendo a paciência. O som do choro ganhou força. Ele estava prestes a falar novamente, mas parou ao sentir que palavras estavam se formando do outro lado. Cada segundo passava como uma eternidade. Ele reconheceu sua esposa. Finalmente, ela falou. Sua assistente não conseguia ouvir as palavras, mas o conhecia bem o suficiente para saber que eram graves. Ela podia ver ele mudar de cor.

"Vire o carro!", ele ordenou, e o carro parou com um guincho antes de ir na outra direção.

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