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5: Violação

O café da manhã foi trazido para a suíte. Mike deveria ficar em casa o dia todo, mas o constante toque do telefone o mantinha ocupado. Ele raramente assistia TV. Não que ele não gostasse, era como se ele e os meios de entretenimento fossem dois polos iguais de ímãs. Ambos de alguma forma acabavam se repelindo. A rotina de noite de cinema uma vez por semana, estritamente observada por Grace, era mais para ele do que para ela. Ela sabia como o amor de sua vida costumava ser antes que as intermináveis buscas por dinheiro tomassem suas horas. Ela fazia o melhor para manter intacta qualquer sanidade que restasse nele. Sophie foi convidada a compartilhar as refeições como faziam em casa. Ela não se importava. Estava assistindo ao noticiário. Grace estava ocupada assistindo compulsivamente a todos os episódios de um canal de culinária que havia encontrado no YouTube. Fones de ouvido não eram a praia dela, então ela enchia a suíte inteira com a música instrumental de fundo dos vídeos. Se houvesse espaço para mais poluição sonora, os gritos de Mike no telefone certamente o ocupavam. Sua secretária estava de licença e havia indicado outro cara para assumir sua posição durante sua ausência. Mike sempre confiou no julgamento de sua secretária, mas esse conseguiu lhe dar uma bela dor de cabeça. O novo cara estava apavorado. Ele não fazia nada sem ligar para Mike para pedir aprovação. Mike gostava de dar instruções detalhadas sempre que podia, mas trabalhar com esse cara dava um novo significado à micromanagement. Levou uma hora para Mike programar uma série de possíveis cenários e suas respostas adequadas na cabeça de seu substituto. Ele desligou, jogou o telefone no sofá e desabou ao lado dele, soltando um longo suspiro. Sophie tentava se concentrar no que passava na TV. Ela continuava trocando de canal. Seu pai gostava daqueles canais relacionados a negócios que ficam falando sobre ações e participações com algum especialista super velho, quase sem fôlego, prevendo as tendências futuras para novos investidores. Mike não estava na lista de investidores, mas estava na outra lista. Ele sintonizava para ouvir as notícias sobre as ações de suas próprias empresas. Não que ele precisasse, pois tinha os dados mais recentes no bolso e o cara do noticiário mostrava alegremente os números antigos. Ele só gostava de ouvir isso nas notícias. Sophie não estava no clima, então não se importava. O próximo canal estava exibindo um documentário sobre avanços tecnológicos. Ela não dava mais que alguns segundos para cada canal. Outro canal de documentários apareceu. Esse tinha algum tipo de especialista em história mitológica, que ele afirmava ser real, mas perdida no tempo. O que o cara dizia poderia ser levado a sério se ele não parecesse tanto com um teórico da conspiração. “Quando os orcs atacaram os elfos superiores, o tratado foi quebrado. A rainha elfa Mirabel não aceitou a traição de bom grado e reuniu seus magos e feiticeiros para o contra-ataque. Assim que os orcs começaram a recuar, os diabretes…”, o homem agitava os braços, imitando o movimento das asas de um morcego e continuava, “…os diabretes apareceram do nada para honrar seu tratado com os orcs”. Mike olhou para Sophie e eles compartilharam um olhar de simpatia pelo cara.

O telefone de Sophie tocou. Mike estava surpreendentemente mais interessado no programa do que gostaria de admitir. Seus olhos estavam grudados na tela quando Sophie saiu do quarto com o telefone. Era um número desconhecido. Ela atendeu quando estava sozinha. Era da Bjorn Services Inc., a empresa que a havia entrevistado. Uma jovem excessivamente formal no telefone, provavelmente do departamento de RH, a cumprimentou. Alguns segundos de conversa e não era segredo que os corações estavam na garganta de ambos os lados. A moça do RH parecia estar em sua primeira vez e sendo observada por seus superiores. Sophie, claro, tinha todo o direito de estar nervosa. A moça informou que a empresa estava pronta para fazer uma oferta. “O conselho achou você superqualificada para o cargo ao qual se candidatou, então o Sr. Lawson pessoalmente garantiu que você fosse oferecida uma posição de supervisora sênior”, a voz no telefone informou formalmente, pronunciando cada palavra com exagero. Sophie lutou contra a vontade de correr pela suíte dançando. Ela se imaginou dando ordens a uma equipe de novatos e salvando a empresa de um possível cenário de falência enquanto Lawson a observava pelas persianas de seu escritório, dando-lhe um olhar de apreciação. Ela imaginou seus colegas cantando slogans com seu nome enquanto confetes voavam ao seu redor em câmera lenta. “Senhorita Rosenberg?”, a voz a tirou de seu devaneio, “Hã”, foi tudo o que Sophie conseguiu dizer para convencer a pessoa do outro lado que ainda estava de pé. “Você está convidada pelo Sr. Lawson para um almoço para falar formalmente sobre a oferta da empresa. O Sr. Lawson está ansioso para conhecê-la”, a voz continuou e aguardou uma resposta de Sophie, que foi outro “Hã”.

"Segunda-feira é adequado para você?", perguntou a garota. Sophie conseguiu outro "Hã", mas soando um pouco afirmativa.

"Até logo. Cuide-se!", disse a garota do outro lado. A ligação foi concluída. Sophie estava tremendo de excitação. Ela tentou se acalmar, mas não estava conseguindo. Ela mandou uma mensagem para sua amiga: "Recebi a ligação!!!". A resposta imediata foi: "Não, é uma mensagem". Sophie sabia o que estava acontecendo, então enviou: "Você está chapada?".

"Pra caramba", foi a resposta de Chloe. Clássica Chloe. Ela não estava em condições de conversar, então Sophie decidiu esperar até que ela estivesse pensando direito novamente. Um minuto depois, sua própria euforia havia passado e ela começou a se preocupar sobre como iria contar isso para sua família. Ela voltou para o quarto onde seus pais estavam e se sentou no sofá. Eles imediatamente perceberam que havia algo errado. Mike decidiu guardar as perguntas para si mesmo porque a maioria das brigas recentes entre ele e sua filha tinham começado dessa forma. Grace, no entanto, tinha uma química diferente com Sophie, então acabou perguntando.

"Quem era?"

Sophie sabia que era melhor contar a eles através dessa conversa. "O escritório que me entrevistou", respondeu, evitando o contato visual com seu pai. Mike estava confuso. Tudo isso estava muito longe da versão do boletim diário que ele estava recebendo. Ele apenas a encarou, tentando entender a notícia. Grace, por outro lado, parecia animada como se já soubesse de tudo.

"Você conseguiu o emprego!?", Grace perguntou quase pulando. "Melhor. Eles estão me oferecendo uma posição de líder de equipe sênior", Sophie disse à mãe, esperando que isso amenizasse a desaprovação de Mike. Mike era inteligente e, em alguns casos, até astuto. Não era fácil mantê-lo no escuro, mas ele havia escolhido confiar em Grace e esse era o ponto cego. Assim, Grace foi o alvo do olhar de desgosto dele e sua animação desapareceu quando ela percebeu. Ele não precisava dizer as palavras porque seus olhos falavam o suficiente.

"Ah, pelo amor de Deus!", Mike sussurrou, esfregando os olhos. "Grace? Você também?", ele acrescentou, desta vez mais audivelmente. O cara na TV continuava falando sobre criaturas mitológicas e alienígenas, mas agora estava sendo ignorado por todos na sala.

"Precisamos deixá-la sair algum dia, Michael. Qual o problema com agora?", Grace tentou defender. Sophie estava dependendo de sua mãe para fazer isso por ela. "Eu só queria manter você segura", Mike implorou, desta vez para Sophie.

Ele acrescentou enquanto olhava para Grace, "Eu pensei que você queria passar um tempo de qualidade em família e é por isso que você a trouxe e a si mesma para esta viagem".

"Estou cansada dos guardas armados me escoltando para todo lugar. Ninguém nunca me respeitou por causa disso. Eu quero ganhar meu nome, como você fez, e o que há de errado nisso?!", Sophie finalmente pulou em defesa de sua mãe. Ela percebeu depois que havia gritado. "Eu tenho todo o direito de decidir", acrescentou. O pai decidiu impor sua autoridade. Palavras duras chegaram aos seus lábios, mas nunca saíram. Quando estavam prestes a sair, ele viu um menino de quatro anos com uma mochila nas costas, acenando para ele e correndo entusiasticamente. Ele sentiu seu coração subir à garganta. O olhar de raiva e desgosto no rosto de Mike se transformou em um de pura tristeza. Ele sabia que o dia havia chegado e, como temia, ele não estava pronto para isso. Adolescentes da idade de Sophie estavam se mudando e vivendo suas vidas ao máximo. Mas Sophie não conseguia entender que essa vida não era para ela. Ele havia visto muitos filhos de seus amigos, na idade de Sophie, se rebelando contra seus pais e nutrindo amargura contra eles pelo resto de suas vidas. Ele temia que pudesse iniciar uma resposta semelhante se contestasse demais. A maneira como ela havia gritado, isso era um indicativo de que a amargura já havia começado a se acumular. Mike balançou a cabeça em desespero, levantou-se abruptamente e saiu do quarto. Enquanto ele fazia isso, Grace viu lágrimas em seus olhos. Ela sentiu um espinho no coração. Grace nunca havia visto seu homem tão quebrado, exceto naquela vez em que seu mundo havia se despedaçado além de qualquer reparo. O silêncio dominava a sala. Mesmo as mulheres que estavam do mesmo lado não gostaram da maneira como as coisas aconteceram. Sophie saiu correndo da suíte. Tinha sido uma vitória bagunçada, mas vitória mesmo assim. Grace começou a duvidar se havia tomado a decisão certa ao ficar do lado de sua filha contra seu marido.

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