




3: O lamento
"Você não vale nada, sabia disso, né?", Chloe estava furiosa. Clássica Chloe. A primeira frase da conversa. Sophie já estava acostumada. O celular barato crocitava alto.
"Não, não sabia. Obrigada por me lembrar", ela respondeu. A conversa acontecia na escuridão de ambos os lados. Sophie estava cansada demais para manter os olhos abertos por mais de uma hora, então tinha apagado as luzes, planejando dormir em alguns minutos. Enquanto isso, Chloe não tinha escolha, sua mãe estereotípica afro-americana a mataria, independentemente da idade, se encontrasse as luzes do quarto acesas depois da meia-noite.
"Você manda uma mensagem de duas palavras e ainda por cima depois de quatro horas. Podia muito bem mandar um 'K' para me irritar ainda mais."
"Vamos lá, desculpa. Eu estava muito ocupada. Mandei a mensagem assim que consegui respirar", Sophie queria que o ataque terminasse e sua amiga percebeu isso.
"Sua mãe?", Chloe conhecia a família há tempo suficiente para saber o tipo de personagens que ela tinha a oferecer. "Sim. Graças a Deus eu lembrei de colocar no silencioso, senão ela teria feito o celular explodir", Sophie disse em sua defesa. Chloe não precisava de mais nada para se convencer.
"Encontrou algum bonitão ainda?", Chloe perguntou enquanto estalava a língua. Sophie lutou contra a vontade de atravessar as linhas telefônicas e dar um soco no estômago dela. "É só isso que você tem na cabeça?! É melhor limpar toda essa porcaria antes que eu vá aí com um desentupidor!", Sophie sabia que isso não faria sua amiga mudar nem um pouco, mas ainda assim fez a tentativa inútil de recuperar algum fragmento de dignidade em Chloe. Houve silêncio de ambos os lados. Sophie esperava uma gargalhada alta.
"Então, você realmente conseguiu?!", Chloe voltou ao seu humor sempre animado. Sophie ficou aliviada ao ver sua amiga deixar isso para trás e seguir em frente.
"Não oficialmente, mas disseram que vão me chamar."
"E você acreditou nisso?"
"Esse foi diferente. Eles quase soaram como se estivessem falando sério", Sophie começou a duvidar de seu julgamento e as dúvidas cresciam toda vez que ela o defendia.
"Isso é ótimo!", Chloe exclamou e o telefone latiu com um grito agudo ensurdecedor de felicidade. Ela fez o melhor para abafar sua tristeza por sua única amiga estar se afastando, mas Sophie detectou um tom de tristeza em sua voz. Sophie estava pensando no que dizer quando ouviu um soluço do outro lado.
"Eu não vou me transformar em uma garota da cidade de repente e esquecer minha parceira no crime. Vamos continuar saindo como sempre fizemos, se não mais do que o usual", Sophie confortou sua amiga. Ainda havia silêncio do lado de Chloe. Houve mais alguns soluços. "Se você começar a chorar, juro por Deus...", Sophie foi interrompida por um choro alto que se assemelhava fortemente a uma sirene de ambulância. Os lamentos durariam toda a força possível dos pulmões humanos. Sophie continuava tentando tirá-la disso, mas mal conseguia ouvir seus próprios pensamentos por causa do barulho.
"Chloe!!", Sophie gritava repetidamente, mas sem sucesso. Chloe finalmente se cansou e o alarme de incêndio se transformou em soluços. Sophie a deixou por um tempo antes de intervir.
"Terminou?", Sophie finalmente perguntou. Um gemido patético veio do outro lado. "Pelo amor de Deus, aja de acordo com sua idade! Vou ter dinheiro suficiente e férias pagas para nós nos divertirmos de verdade em Kentucky", ela acrescentou. Chloe parecia entender a mensagem. Os gemidos diminuíram até desaparecer.
"Todos dizem isso!", Chloe falou com uma voz fraca. "Toda a nossa turma saiu da cidade e nunca mais voltou. Eu não posso fazer nada além de virar hambúrgueres para viver, mas eu estava feliz de ter amigos ao meu lado quando tirava o avental no final do dia", ela continuou. Sophie sentiu um espinho no coração. Ela amava sua amiga até a morte. Chloe sempre demonstrou indiferença sempre que o assunto era emprego. Ela nunca tinha se aberto sobre isso. Agora que o fez, Sophie ficou devastada ao ver sua melhor amiga em um estado tão lamentável. Ambas ficaram sem palavras.
"Você poderia ter considerado a oferta do seu pai", Chloe soltou entre os soluços. Sophie fechou os olhos e suspirou. Era a última coisa que ela precisava ouvir. "Desculpa! Desculpa! Eu não queria dizer isso!", Chloe se arrependeu instantaneamente de ter dito aquilo.
"Vamos conversar amanhã, tá? Dorme um pouco. Vamos continuar saindo. Você tem minha palavra", Sophie disse e encerrou a ligação em meio às desculpas incessantes do outro lado. A declaração a tinha deixado furiosa, mas ela conhecia sua amiga. Chloe nunca diria algo assim estando cem por cento. Demorou um momento para se acalmar e ela se arrependeu de ter desligado daquele jeito. Decidiu fazer as pazes na próxima vez que conversassem. Colocou o telefone na mesa de cabeceira e tentou pegar no sono.
O sono a evitava. Ela não conseguia identificar se era por causa da antecipação e excitação pelo emprego ou pelo medo da reação de seu pai se ele descobrisse. Michael Rosenberg, fundador e CEO do grupo de empresas Red Stallion, estava entre os homens mais ricos do estado. Ele havia nascido em uma família de agricultores desfavorecidos em Kentucky e subiu ao topo. Tinha um doutorado em tecnologia agrícola e vendeu suas ideias com sucesso para vários governos que colheram os frutos de suas inovações revolucionárias. Mike se casou com sua namorada do ensino médio, Grace, que o amava da mesma forma, se não mais. O dinheiro atrai inimigos como moscas no lixo. Mike ficou extremamente paranoico com a segurança de sua família. Ele contratou várias empresas de segurança para proteger sua família das sombras sem se mostrarem. Até a polícia e o FBI se encarregaram de fornecer segurança extra aos Rosenberg, mas Mike não confiava neles e se recusava a cooperar. Sophie estava presa na paranoia do pai, que a sufocava desde a infância. Ela estava ansiosa para se libertar. Não queria ser uma filhinha de papai vivendo da fortuna dele. Queria subir na vida como seu pai fez e ganhar seu respeito. Mike não aprovava isso e pediu que ela assumisse uma posição em uma de suas empresas. Nesse caminho, Mike queria que ela herdasse os papéis de liderança e a fortuna. Ele até a levou a algumas de suas reuniões de diretoria e a apresentou a todos. Nessas reuniões, ela era incentivada a expressar sua opinião, já que estudou administração de empresas. Mas toda vez que ela contribuía para a conversa, sentia que os participantes só a ouviam porque ela era a filha do chefão. Ela não gostava da ideia de herdar a empresa e recusou. O pai e a filha estavam em uma guerra fria desde então.
Sophie sentia falta dos tempos em que a família se divertia junta e não tinha segredos, mas agora, sempre que seu pai iniciava uma conversa com ela, não conseguia deixar de sentir aquela pergunta por trás de cada sorriso e escondida entre as frases. Sua posição superprotegida, no entanto, sempre foi a mesma, mesmo antes de terem a discordância. Até o próprio Mike raramente deixava Kentucky e manobrava todas as reuniões para os hotéis locais. A mansão em que viviam não era nada menos que um palácio e tinha tudo o que se poderia pedir. Mas uma gaiola continua sendo uma gaiola, mesmo que seja feita de ouro. Ela passou a vida inteira na mansão e agora estava determinada a abrir suas asas, mesmo que seu pai não aprovasse. Ela estava destinada a se afastar deles em algum momento de sua vida e Mike deveria entender isso, uma vez que fosse esclarecido sobre os planos que ela e Grace mantinham em segredo dele.