




4. De volta ao passado
Brenda está em um quarto ao lado do seu quarto, com as mãos espalmadas sobre uma mesa redonda de madeira branca onde repousa a estrela do destino e ao redor dela velas pretas dão aquele aspecto sombrio.
Brenda mantém sua posição e, com os olhos fechados, começa um cântico ritualístico em uma língua incompreensível. Do nada, as chamas das velas começam a se mover, mas não há vento no quarto, e então todas se apagam de repente e a fumaça que sobe no ar se torna densa e se assenta sobre a mesa.
-O que você quer de nós, sacerdotisa? -perguntam muitas vozes ao mesmo tempo, tanto masculinas quanto femininas.
-Quero ver a possessão de Raquel sobre Lais.
Risos finos e assobios ásperos ecoam no ar enquanto dizem -seu pedido é uma ordem, sacerdotisa- enquanto a fumaça sobe da mesa e atravessa o corpo de Brenda, mantendo seus olhos fechados, e num piscar de olhos entra em seus olhos e boca, levando-a para onde queria ir, no exato momento em que Raquel é exposta ao sol e consumida por ele. O que ninguém mais viu, nem mesmo Júlio César, foi que sua alma evaporou de suas cinzas e entrou no corpo de Lais, transformando-a em um ser duplo.
Brenda abriu os olhos e gritou -desgraçada!
No mesmo momento, no quarto, Lais também abriu os olhos de repente, como se a alma de Raquel a estivesse avisando que algo estava prestes a acontecer.
Um morcego vindo pelas copas das árvores também parecia pressentir algo e estava se acomodando e se transformando em Marcus, que murmurou um palavrão.
Indo além da cidade, através de uma floresta de caules secos, chegamos ao acampamento dos lobos ciganos, onde ainda não se sabia onde, em uma tenda, uma conversa tensa acontecia.
-Já era esperado que Soraia não acreditasse -disse Augusto, de pé, com o cabelo ainda molhado e grudado na testa após o banho de cachoeira que havia tomado para se acalmar, com as mãos na cintura andando de um lado para o outro em frente a Miranda, que disse:
-Senti que mexi com os sentimentos dela, e posso te dizer que ao primeiro deslize de Júlio César ela vai cair em si.
-Esperamos que não seja tarde demais quando isso acontecer- isso era o que todos esperavam, até mesmo a mulher com os mesmos olhos de Augusto, que ele ainda nem conhecia.
O nome dela: Sheila.
A posição dela ali: além de ser mãe de Augusto, ela era a antiga loba cigana.
Explicações: Sheila nasceu loba, mas preferiu trocar seu sangue puro de matriarca para ser apenas uma cigana com poderes muito especiais, por sinal.
Sheila, apesar de seus quarenta e poucos anos, tinha a aparência singular e a beleza de uma mulher na casa dos trinta. Seu rosto tinha expressões suaves e seus olhos verde-claros davam um toque sexy à mistura de sombras pretas e azul-claras que ela usava nas pálpebras. Seu cabelo cheio e ondulado que chegava até a cintura era adornado com miçangas, contas e outros tipos de pendentes e, claro, muitos braceletes nos braços.
-O problema é quando esse deslize vai acontecer -preocupou-se Augusto, -afinal, ele tinha visto a determinação de Júlio César em admitir que Soraia era dele.
-Calma, meu filho, vamos tirá-lo daqui quantas vezes forem necessárias -murmurou Sheila, seus nervos à flor da pele ao ver seu filho naquele estado. E quando ela estava nervosa, geralmente sua língua nativa falava mais alto.
Miranda suspirou, -A culpa é minha.
-Do que você está falando? -inqueriu Augusto ao ver o quão triste ela estava, mas não havia razão, afinal, desde que sua mãe a trouxe de volta do mundo dos mortos-vivos, ele sempre soube que ela, assim como Soraia, era uma vítima de Júlio César.
-Eu estava tão desesperada para escapar das garras de Júlio César que não pensei em nada além de fugir -lágrimas não escorriam de seus olhos, mas a tristeza e a culpa estavam lá- Eu poderia ter evitado tudo o que aconteceu depois de nós.
Augusto foi até ela, que o olhou com remorso vívido e acariciou seus braços como um irmão.
-Não é sua culpa.
-Sim, é.
-Não, não é -Sheila riu enquanto pegava suas mãos e as apertava entre seus dedos, -e além do mais, já derrotamos vampiros muitas vezes, e Júlio César não será diferente.
-Mi abuela me dijo: mi nieto, siempre habrá perdón si hay arrepentimiento (minha avó me disse: meu neto, sempre haverá perdão se houver arrependimento) -lembrou Augusto das últimas palavras de sua avó em seu leito de morte.
Sheila sorriu ao lembrar de sua mãe com nostalgia.
-Gracias (obrigada) -sorriu Miranda.