




Seis
Na manhã seguinte, acordei com a voz da minha mãe gritando para eu sair da cama.
"Vai embora," murmurei sonolenta, puxando as cobertas sobre a cabeça. Recusei-me a abrir os olhos enquanto os gritos dela se tornavam frenéticos. Se ao menos ela me deixasse dormir mais alguns minutos.
"São sete e quarenta e cinco, Beth!" Ela estava gritando agora. "E eu acredito que você só tem vinte minutos para chegar à escola."
Saltei da cama e a encarei, "Por que você não me acordou?" Eu estava em pânico.
"Eu tentei."
"Eu não esperava que você estivesse inteira," olhei para ela dos pés à cabeça. "Não vou passar por isso de novo."
"Foi só um copo de uÃsque e algumas cervejas."
"É assim que sempre começa," abaixei a voz. "E então você abandona suas responsabilidades como mãe."
"Eu estava passando por um momento difÃcil," a voz dela estava fria como de costume, como se estivesse aproveitando um dia ensolarado na praia.
"Ele morreu nos meus braços," eu ainda estava surpreendentemente calma. "Não fica mais difÃcil do que isso."
Quando ela falou novamente, foi com os dentes cerrados e ela me olhou com olhos amargos, "Ele era minha vida!"
"Ele deixou de ser sua vida quando você escolheu ter filhos."
Ela balançou a cabeça teimosamente e respirou pelo nariz estreito. Quando olhou para mim novamente, seus olhos estavam nublados de ódio, e ao inalar, mordeu o canto do lábio superior e então, de repente, juntou os lábios, "Uma decisão que eu me arrependo todos os dias."
Eu tropecei para trás contra a cama e minha boca quase caiu no chão. Eu não tinha certeza se era apenas minha mente pregando peças em mim ou se ela realmente disse o que eu pensei que disse. Ela nunca tinha dito isso antes.
"Você nunca me amou," ela murmurou, aproveitando meu silêncio atordoado.
"Ah, poupe-me das inseguranças." Murmurei asperamente. "Eu te amava. Eu só não sabia que você era a sombra de Richard." Eu não conseguia ficar com raiva dela. Na verdade, eu sentia pena dela. Ela era uma mulher solitária. Não tinha amigos, nem dinheiro e estava tentando ser uma boa mãe, mas falhando miseravelmente.
Ela deu passos ameaçadores em minha direção. Seu rosto estava absolutamente calmo; seu cabelo parecia que um pássaro tinha voado nele e sua maquiagem parecia ter sido feita por uma criança de quatro anos. Ela realmente parecia melhor do que em outros dias.
"Se você me bater de novo, eu vou embora," sussurrei. Eu não era seu saco de pancadas. Era o álcool. Sempre que ela bebia um pouco demais, achava que era uma lutadora e seus filhos eram seus oponentes. Ela sempre pedia desculpas depois. "Vou levar o Zack comigo."
"Ele está morrendo!"
"Sua falta de fé vai te levar a um túmulo precoce," murmurei. Surpreendentemente, eu ainda estava MUITO calma. "Eu queria que você tivesse morrido em vez do papai."
Eu me arrependi das palavras no segundo em que saÃram da minha boca. "Mãe, eu não quis dizer isso."
Uma lágrima rolou pela bochecha dela, "Sim, você quis."
Eu não conseguia sentir a dor dela. "Não... Mãe, você não é tão ruim assim."
"Você é uma péssima mentirosa, Elizabeth," ela quase sorriu através da tristeza. "É cativante."
"Ok, eu quis dizer," eu disse. "Mas só um pouco. Eu sei que você está tentando. Eu deveria ser mais compreensiva."
"Eu vou melhorar," ela declarou. "A bebida. Eu vou parar."
"Tente."
"Eu só não sei como desempenhar os dois papéis."
"Seu trabalho é ser mãe, não pai." Murmurei. "Eu tenho que me arrumar para a escola."
Eu estava dentro e fora do chuveiro em um minuto. Meu estômago doÃa. Percebi que estava com fome e estava fisicamente exausta da briga com Janice, nós sempre brigávamos quando ela bebia. Peguei minha bolsa, mochila da escola e corri para a porta dos fundos. Minha mãe estava lá com minha lancheira. A maneira dela de se desculpar. Ah, ela era um anjo enviado do céu.
"Err... Obrigada, mãe," forcei um sorriso. Eu ainda estava muito zangada com ela, mas tentei não deixar minha raiva transparecer no rosto.
"De nada," ela sorriu. Foi o primeiro sorriso genuÃno que eu vi em anos. Mas eu não tinha tempo para admirá-la como gostaria. Notei que ela ainda estava de pijama.
"Sem trabalho hoje?"
Ela balançou a cabeça. "Quem dera. Eu começo mais tarde, à s nove. Meu novo chefe prefere que eu chegue quando eles já tiverem saÃdo para o trabalho."
Assenti. "Acho que te vejo mais tarde." Tropecei quando um pensamento cruzou minha mente. "O Bradley estava em casa ontem?" Eu estava olhando para baixo, envergonhada. Não sei por que me importava com o paradeiro dele.
Ela franziu a testa e balançou a cabeça. "Qual deles é o Brandon?"
"O mais novo... Bradley."
"Não," ela levantou uma sobrancelha. "Por que você pergunta?"
"Ele faltou à escola ontem."
Ela levantou uma sobrancelha espessa e fez uma espécie de sorriso. Era tão desajeitado que parecia uma careta. "E você percebeu?" ela estava desconfiada.
"Ele está na minha turma."
"Certo."
Ela precisava dormir. As olheiras não ficavam bem nela. "Tente descansar, tá?"
Ela assentiu e eu saà da garagem e caminhei pela rua. Cheguei bem na hora em que a escola começava. Decidi esperar no portão até o estacionamento esvaziar. Não queria ser empurrada pelas crianças correndo para suas aulas. Enquanto esperava, não conseguia parar de olhar para o carro ao meu lado. Sua cor escura e rica me lembrava de algo, mas eu não conseguia identificar exatamente o que era.
Eventualmente, o estacionamento ficou vazio e silencioso. Peguei minhas coisas e abri o portão quase ao mesmo tempo em que uma figura saiu da Ferrari. Fiquei surpresa ao ver Bradley. Ele estava de pé e olhava diretamente para o meu rosto; era como se ele estivesse me estudando, me absorvendo. Eu não conseguia desviar meus olhos dos dele, que me bebiam, cada curva do meu rosto.
Aqueles olhos me atraÃam, me hipnotizavam. Fiquei paralisada. Meus lábios de repente ficaram secos e passei a lÃngua sobre o lábio inferior e poderia jurar que ouvi um rosnado. Mas eu sabia que devia estar fora de mim. Não havia nenhum cachorro à vista e a ideia de lobos era simplesmente louca. Não me lembro como acabei presa ao carro dele, ou como ele chegou até mim tão rápido. Eu congelei. Estava mesmerizada. Maravilhada. O cheiro intoxicante dele me causava arrepios na espinha.
"Faça isso mais uma vez, eu te desafio." A voz dele era baixa, aveludada e sedutora.
A ameaça se perdeu no sotaque estrangeiro dele, senti asas de borboleta acariciarem meu estômago e então ele se foi.
Eu não tinha certeza se não tinha imaginado tudo. Como ele poderia desaparecer assim? Não era possÃvel. Eu devia estar louca. Essa é a única explicação lógica. Não conseguia normalizar minha respiração e minhas pernas pareciam esponjosas. O tamborilar do meu coração era alto demais até para meus ouvidos suportarem. Demorou alguns minutos até eu conseguir me recompor.
Caminhei rápido para minha sala e, por mais que tentasse, não conseguia me concentrar. Não conseguia me livrar do calor do corpo dele, não conseguia tirar da cabeça o maxilar tenso dele, e o cheiro intoxicante do hálito dele ainda pairava na minha boca.
Eu sabia então que tinha perdido a cabeça.
Era o último perÃodo do dia e eu mantinha meus olhos na mesa. Recusei-me a olhar para ele. Sentia-me culpada. Como se ele soubesse o que eu tinha imaginado naquela manhã, os pensamentos loucos que giravam na minha mente. Evitei o contato visual com ele da melhor maneira possÃvel enquanto folheava, sem ver, o livro à minha frente. Eu podia sentir o olhar dele em mim, podia sentir o calor do olhar dele e isso fazia meu interior arder.
Exalei aliviada quando o sinal final tocou. Ele foi o último a sair. Cometi o erro de olhar para cima quando ele se levantou. Aqueles olhos, segurei minha caneta com mais força para não esfaqueá-los com ela. Era ilegal alguém ter olhos tão hipnotizantes e perigosamente bonitos.
Ele riu então. Era um som exótico, algo musical. Era como se ele tivesse ouvido meus pensamentos. A diversão dançava nos olhos dele. A risada musical dele ecoou nos meus ouvidos muito depois de ele ter saÃdo da sala. Meus olhos vagaram para minha mão. As bolhas estavam mais visÃveis hoje, mas a dor tinha desaparecido. Franzi a testa. Era tudo estranho. Eu era alérgica a algo que ele tinha tocado? Eu estava imaginando as bolhas? Como alguém poderia fazer o que Bradley fez? Era só comigo ou ele podia fazer isso com todos que tocava? Ele estava doente? Talvez ele tivesse uma doença contagiosa.