




1. Julia está em um inferno de jogos.
Londres, Inglaterra. 1830
JULIA ESTAVA ANSIOSA, estava quase na hora de sair para a casa de jogos. Ela não tinha medo, nem um pouco, mas odiaria ser pega. Que escândalo causaria para sua família se a filha mais velha dos Cavendish fosse considerada uma mulher vil, com quem ninguém deveria se associar. Não que ela se importasse com o que a alta sociedade tinha a dizer sobre ela, mas estava preocupada que, se fosse pega, sua irmã Camila poderia perder as chances de fazer um bom casamento com um Duque ou um Conde. Considerando que sua mãe, Ophelia Cavendish, em breve daria um baile em homenagem à sua irmã para sua apresentação à sociedade, Julia odiaria ser a causa de um alvoroço no baile se seu passatempo fosse descoberto.
Além de sua irmã e de sua amiga que a acobertava, ninguém mais sabia o que ela vinha fazendo nos últimos três meses. Cansada da companhia de outras mulheres de sua convivência, que só falavam sobre os vestidos da última moda e sobre conseguir um bom casamento, Julia decidiu ir às casas de jogos em busca de um pouco de emoção.
Julia vestiu suas calças e escondeu sua vasta cabeleira ruiva sob um chapéu um pouco grande. Ela se olhou no espelho, satisfeita com o que viu.
Seu grande casaco marrom, que tinha quatro capas presas à gola alta e sobre os ombros, cobria-a até um pouco abaixo dos joelhos, deixando à mostra suas botas pretas que espiavam por baixo da bainha do casaco, volumoso o suficiente para esconder completamente suas calças de cor creme.
Ela enfiou as mãos nos bolsos fundos do casaco e virou-se para ver seu perfil do lado esquerdo. Seus olhos azuis claros se estreitaram e ela sorriu de lado. Nem um fio de seus cachos ruivos aparecia debaixo do chapéu. Ele escondia seu cabelo e sombreava seu rosto, destacando a plenitude de suas sobrancelhas grossas, o arco de seu nariz arrebitado, junto com seus penetrantes olhos azuis oceano, que a faziam parecer mais um jovem rapaz do que uma bela mulher, o que ela era.
Com um último olhar no espelho bordado com flores, Julia saiu da casa pela janela e desceu para o pequeno pátio abaixo. Em seguida, correu para as ruas para contratar uma carruagem que a levasse ao seu destino desejado. Os Anjos.
Sob o céu sem nuvens e a lua cheia, cercada por muitas estrelas e o ar frio da noite entrando pela janela aberta, Julia deixou-se ser conduzida pelas partes de Londres até que estivessem bem encaminhados para a notória St. James Street, onde a casa de jogos estava localizada.
Logo a carruagem parou em frente a um prédio branco de dois andares com janelas do chão ao teto. Julia desceu e pagou generosamente o cocheiro. Em seguida, abaixou o chapéu e entrou no número 4 da St. James Street. Julia subiu os degraus dois de cada vez. Não por estar ansiosa para chegar rápido à casa de jogos, mas por hábito, seu grande casaco marrom esvoaçando nas escadas estreitas e longas até que ela alcançou o patamar iluminado apenas por uma única vela.
Ela abaixou a cabeça e empurrou a porta com o cotovelo. Fileiras e mais fileiras de mesas de veludo se estendiam pela longa casa de jogos, estrategicamente colocadas em diferentes ângulos. Algumas eram redondas, outras longas e retangulares, com o topo de veludo verde, vermelho ou azul profundo. As luzes das velas tremulavam sobre o rico chão de mogno, iluminando a sala.
Bolas de bilhar se chocavam umas contra as outras e as vozes dos homens se elevavam em uníssono enquanto torciam por uma vitória ou uma derrota. Julia manteve a cabeça baixa enquanto caminhava. Seus olhos azuis se moviam de uma mesa para outra enquanto ela se dirigia ao final da sala. Em um canto, um grupo jogava hazard. Um deles jogou os dados em uma mesa de veludo rico enquanto outro bateu com o punho na mesa e engoliu o conteúdo de seu copo de uma vez. As vozes dos homens se elevavam enquanto celebravam o vencedor, pegando um copo de conhaque de um servo que passava.
Nos três meses em que frequentava a casa de jogos, Julia havia se tornado uma sensação. Por causa de sua sorte nas vitórias ou principalmente porque tinha um talento para isso, Julia não sabia. Agora ela estava jogando com Cole Fletcher, o conde de Tonfield.
Normalmente, Julia não jogaria com um Lorde, mas isso se tornou comum porque, desde que começou a frequentar os Anjos, ela sempre voltava para casa com ganhos, e se tornou conhecimento comum para os jovens tentar superá-la ou recuperar o dinheiro que haviam perdido anteriormente. Além disso, a casa de jogos não fazia discriminação. Atendia tanto às necessidades dos Lordes quanto do povo comum. Um fato que ela considerou cuidadosamente antes de se tornar uma frequentadora assídua.
SEBASTIAN, O DUQUE DE HANTON, sentou-se e tomou um gole de sua bebida. Ele não queria ter vindo, mas seu amigo de infância havia exigido isso dele.
Droga, onde diabos estava Cole? Sebastian só tinha visto o homem quando chegou, mas, além desse breve encontro, não teve a chance de vê-lo novamente.
"Droga, Cole!" Sebastian amaldiçoou baixinho. "Não é assim que se trata um amigo que esteve fora por três anos."
Três anos atrás, Sebastian deixou Londres e foi para Paris ficar com os primos de seu pai. A vida em Londres estava cansativa para ele, com tantos bailes e mães ansiosas procurando um bom partido para suas filhas. Ele ganhou uma reputação em Paris como um libertino incorrigível, em apenas três anos.
Sebastian não queria voltar, mas seu pai teve uma morte prematura. A responsabilidade total da propriedade e até a tutela de sua irmã recaiu sobre ele. Isso resumiu todas as razões pelas quais ele estava de volta agora. Havia questões urgentes que precisavam de atenção, e ele era o homem para o trabalho. Sebastian engoliu o resto de sua bebida e dispensou a cortesã ao seu lado. Ele precisava encontrar seu amigo. O desgraçado nem se importou em fazer-lhe companhia.
Na sala escura, visível apenas pela luz das lâmpadas nas paredes, Sebastian passou por mesa após mesa, lotadas de homens que bebiam rum e jogavam cartas.
O murmúrio baixo das vozes vindo de cada lado da sala e as risadas estrondosas que preenchiam o ambiente. Muitos dos homens já estavam bêbados, e se não tomassem cuidado, eram esses tipos que geralmente causavam tumultos e brigas quando não conseguiam ganhar após várias rodadas de jogo, e depois de perder uma ou duas propriedades.
Sebastian suspirou ao chegar à porta no final e entrou no outro lado da sala, normalmente reservado para os bons jogadores, aqueles que sabiam jogar e podiam facilmente pegar dinheiro emprestado do banco se ficassem sem dinheiro.
Não era difícil identificar Cole, de costas para Sebastian, ele podia dizer que era Cole. No entanto, Sebastian ficou surpreso ao vê-lo jogando. Cole não era do tipo que jogava, ele preferia sentar perto e observar os outros jogarem, mas o que surpreendeu ainda mais Sebastian foi o rapaz com quem Cole estava jogando. Havia algo familiar nele.
Ele estudou o rapaz de perto. Alguém poderia pensar que ele era jovem, com aparência juvenil. Ele parecia mais um belo rapaz. Usava um casaco consideravelmente grande, que o protegia e tornava impossível discernir a roupa que usava por baixo do casaco.
O rapaz tinha mãos delicadas, notou Sebastian. Mãos que não deveriam estar associadas a nenhum homem. Ele sempre acreditou que as mãos de um homem deveriam ser calejadas e ásperas, não delicadas. Esse atributo deveria ser deixado para as mulheres. Os olhos de Sebastian rapidamente se moveram para o pescoço do rapaz, fino e delicado, e depois para o rosto, quando colidiu com os olhos do rapaz, Sebastian jurou que sabia quem era.
Se Sebastian estivesse certo, diria que aquela era na verdade a amiga de sua irmã, lady Julia Cavendish, e se tivesse bebido mais de dois copos de conhaque, pensaria que estava bêbado.
Maldição! O que ela estava fazendo aqui? Ela entendia as implicações do que estava fazendo? O escândalo que isso causaria. Sem dúvida, sua irmã herdaria sua própria parte disso. Sua irmã quieta. Sebastian estava cheio de uma raiva silenciosa por ela. Ele queria ir até lá e causar-lhe algum dano físico, mas se conteve porque isso só atrairia atenção desnecessária para si mesmo. Exatamente o que ele não queria. De qualquer forma, ele estava furioso.
A pequena tola não pensou direito. Ao se sentir confortável em um lugar destinado a cavalheiros, era algo desaprovado pela sociedade. Julia poderia arruinar sua reputação, e a de sua irmã, apenas por se associar a ela. Sebastian estava com raiva. Ele queria nada mais do que jogar Julia sobre seus ombros, se desculpar dos Anjos e acabar com isso. Mas que desculpa ele teria para fazer isso? Ele não poderia simplesmente jogar um jovem rapaz sobre seus ombros e sair. Teria que se explicar, e isso ele não queria fazer. Sebastian engoliu outro copo de conhaque de uma vez só ao chegar à conclusão repentina de que esperaria até que ela terminasse.