Read with BonusRead with Bonus

Eu?

Voltando de mais uma entrevista, Paulina entrou no quarto exausta, jogou a pasta de couro na cama e caminhou até o espelho da penteadeira. Ela se afastou um pouco para poder analisar seu reflexo de cima a baixo, procurando qualquer imperfeição em sua roupa. Não era sofisticada, apenas uma camisa branca de mangas compridas, uma saia longa e um terno discreto azul escuro. Ela queria parecer responsável e mais velha do que realmente era, e a roupa teoricamente proporcionava essa imagem, mas na prática, obviamente, não alcançava o efeito desejado.

O dia começou bem, mas ficou nublado quando o selecionador do hotel, onde ela queria trabalhar como governanta, a olhou de cima a baixo e torceu o nariz. Bastaram alguns minutos para ouvir o conhecido "você não se encaixa no perfil desejado". Foi a terceira entrevista só naquela semana em que teve que ouvir "não se encaixa no perfil", e ela começou a se perguntar qual era o maldito "perfil" que todos diziam que ela não possuía.

O problema só podia estar na sua aparência, porque, na sua opinião, seu currículo era impecável. Ela estava em contato com essa profissão desde a infância, acompanhando e ajudando sua mãe na administração da mansão Salvatore dia e noite. Quando Soraia Perez morreu, ela começou a acompanhar Núbia Santos, uma governanta que foi contratada para substituir sua mãe. Formou-se em governança hoteleira, fez vários cursos para se aperfeiçoar na profissão e, nos últimos dois anos, trabalhou e morou na casa de uma senhora que faleceu há três meses. Experiência não faltava.

Havia apenas uma mancha em seu currículo, uma que a obrigava a não colocar um contato de referência do seu antigo emprego, reduzindo as evidências de sua experiência. Infelizmente, junto com a casa e o dinheiro, o filho de sua antiga patroa achou que ela fazia parte da herança. Ela tremia ao pensar na proposta ousada dele e em como fugiu antes que ele pudesse tentar algo mais do que propostas nojentas.

Ela respirou fundo e afastou a lembrança daquele homem, focando novamente no que poderia estar atrasando sua contratação. Talvez fosse seu cabelo, imaginou analisando os fios na altura da cintura, parcialmente presos com uma fita. Deveria ter feito um penteado mais elaborado, sofisticado. Ela alcançou seu cabelo preto para fazer um coque improvisado, mas soltou logo depois de ouvir uma batida na porta.

Ela se apressou para abrir, sem se surpreender ao ver Mirela Salvatore - a dona da mansão onde Paulina voltou a morar com seu pai e irmã mais nova - parada na sua frente. A matriarca dos Salvatore tratava seus empregados e seus filhos como se fossem parte da família, especialmente ela e sua irmã. Sua mãe e Mirela eram melhores amigas desde a infância em um orfanato.

"Bom dia, querida. Como foi a entrevista?" perguntou Mirela, entrando sem cerimônia no pequeno quarto.

"Não foi muito boa," confessou, entristecida pela oportunidade de emprego perdida e comovida pela consideração da gentil Salvatore, até ouvir ela exclamar satisfeita:

"Ótimo!"

"Desculpe?"

"Me desculpe, querida, deixe-me explicar," Mirela segurou suas mãos nas dela. "Eu encontrei o emprego perfeito para você. Paga bem, e se você aceitar, considere-se contratada."

"Que tipo de emprego?" perguntou curiosa. Pelo que sabia, a mansão não precisava de uma governanta e ela não aceitaria menos do que isso.

"Simon está procurando uma governanta que possa trabalhar e dormir no apartamento dele. O salário é praticamente o mesmo que eu pago ao seu pai, e tem vários benefícios."

O alto salário e todos os possíveis benefícios desapareceram.

"Trabalhar no apartamento do Sr. Simon... Dormir lá... Eu?"

Não que Simon Salvatore, o filho mais novo de Mirela, fosse uma má pessoa - não totalmente - mas se havia alguém no mundo que representava tudo o que Paulina abominava, era ele. Simon era arrogante, presunçoso, e por muito tempo, zombou de sua vida sexual, ou como ele gostava de apontar, da falta dela. Além disso, há alguns dias, ele a chamou de ostra e sarcasticamente desejou-lhe sorte com quem a contratasse. A sorte que ele desejou só lhe trouxe infortúnios.

"Querida, será ótimo ter alguém em quem confio cuidando do meu bebê, zelando pelo bem-estar dele."

Bebê? Simon poderia ser chamado de muitas coisas, mas não de bebê.

"Eu não posso, Dona Mirela... O Simon não gosta de mim..." "Nem eu gosto dele," acrescentou em seus pensamentos. "Será um desastre."

"Oh, vocês eram amigos quando eram pequenos," Mirela riu suavemente. "Soraia e eu passávamos longas horas fazendo planos... Vocês podem reacender a velha amizade," disse com um sorriso cheio de esperança.

Paulina não se lembrava de ser amiga de Salvatore, e pelo que se lembrava, sua mãe lhe dizia para manter distância dos patrões. Não via razão para Mirela mentir sobre isso e até envolver sua mãe, mas supôs que era para convencê-la a aceitar o emprego. Não que o passado pudesse mudar o presente.

"Pelo menos tente, Lina," Mirela implorou, apertando suas mãos nas dela. "Se você não gostar, pode sair, não haverá multas ou algo assim. Por favor, tente por mim."

Às vezes, como naquele momento, Paulina se condenava por ter um coração mole e ser muito obediente. Ela era fácil de manipular.

"Tá bom, Dona Mirela, mas estou fazendo isso por você."

Mirela a envolveu em um abraço apertado.

"Obrigada, minha filha. Tenho certeza de que você não vai se arrepender."

Paulina duvidava disso, mas não disse nada, apenas aceitou o caloroso abraço de Salvatore, que, de certa forma, a lembrava do abraço de sua falecida mãe.

Previous ChapterNext Chapter