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Três A Vela

Não havia nada como doses de vodka para trazer a sensação certa depois de uma semana estressante. Lucille já podia sentir a tensão acumulada deixando seu corpo, mesmo depois de apenas três doses.

Espera. Tinham sido realmente só três doses? Talvez fossem cinco. Ou dez. Ou treze.

Ah, tanto faz. Lucille tinha parado de contar depois de três, e até agora não tinha arrependimentos.

Ela e Agnes já tinham saído do Brooklyn Boss, o bar sofisticado na 75th Street, Upper East Side, onde passaram a maior parte da noite tomando doses e flertando. Atualmente, estavam no banco de trás de um táxi, a caminho da suíte no Chateau Hotel. Ambas ainda estavam presas em ataques de risos, mas, quanto ao motivo, estavam muito bêbadas para saber.

"Talvez eu devesse ligar para ele," disse Agnes, tirando o telefone da bolsa e colocando-o ao lado do ouvido, mesmo com a bateria descarregada. "Alô? É a garota que você conheceu no Brooklyn Boss. Vamos almoçar amanhã."

"O quê? Nós deveríamos estar pesquisando sobre aquele canalha do Cade Linden," disse Lucille. "Você deveria se candidatar para aquela vaga de marketing que ele está procurando. Ou aquela de editora."

Agnes deu uma risada. "Moleza. Acho que consigo impressionar um cara que é burro o suficiente para brincar com estagiárias jovens."

As duas riram, e quase escorregaram dos assentos quando o táxi virou na 28th Street. A monstruosidade de trinta andares que era o Chateau Hotel surgiu à vista, uma grandiosa estrutura de vidro, tijolos e luzes elegantes. Em frente ao prédio havia um amplo espaço com ladrilhos de mármore e árvores bem aparadas, além de alguns carros estacionados.

As luzes quentes que se espalhavam pelas janelas do saguão foram suficientes para reduzir um pouco a embriaguez de Lucille. Ver o prédio onde morava era estranhamente reconfortante. Os lustres de cristal, os homens de terno, os carrinhos dourados—tudo isso a fazia querer admirar para sempre.

Ela se aproximou da janela enquanto o táxi se aproximava do hotel. Mal podia esperar para sair dali. No entanto, a silhueta familiar de um carro chamou sua atenção e interrompeu seus sentimentos nostálgicos.

Era uma limusine preta e elegante, e isso só podia significar uma coisa: a presença do Deus da Morte e do Deus do Destino.

"Ei, Srta. Lucille, eu só. . . ." Agnes parou de falar e seguiu a linha de visão dela. Sua mandíbula caiu. "Ah, merda."

Ah, merda mesmo. Uma raiva pura tomou conta do peito de Lucille. Como se estivesse em transe, ela abriu a porta do táxi enquanto ele ainda estava em movimento e colocou o pé para fora para sair.

"Não faça isso!" o motorista do táxi gritou para ela. "Eu vou—"

"Senhorita!" Agnes tentou segurar sua mão, mas já era tarde demais. "Espera!"

Lucille já tinha deslizado metade do corpo para fora enquanto o táxi contornava a paisagem. Antes que o motorista pudesse desacelerar e estacionar, ela saltou, aterrissou de pé e começou a marchar em direção à limusine. Suas mãos estavam cerradas em punhos, seus lábios vermelhos puxados em um rosnado. Ela queria gritar, e isso só se intensificou quando a porta do motorista da limusine se abriu.

De lá saiu o Deus da Morte, um homem alto e magro, com cabelos negros ondulados, pele bronzeada e olhos tristes cor de âmbar. Ele estava vestido com um terno de chofer preto, o que de alguma forma o fazia parecer mais imponente enquanto interceptava Lucille.

Mas ela não iria recuar.

"Sai da limusine, seu covarde de merda!" ela gritou, mirando um chute na porta da limusine. "Vamos, Destino! Você não pode se chamar de deus e se esconder aí para sempre!"

O Deus da Morte tentou afastá-la do carro. "Lucille—"

"Fique fora disso, Anúbis, Tânatos, Azrael, ou seja lá como você se chama nesta era!"

"Quantas vezes eu tenho que te dizer?" Ele suspirou. "Agora me chamo Dimitri. Chame-o de Keiran também. Estamos tentando nos misturar, então, por favor, mostre um pouco de respeito."

"Mostre um pouco de respeito, blá, blá," ela zombou. Então, começou a esmurrar a limusine, atraindo alguns olhares curiosos dos transeuntes. "Estou falando com você, Keiran! Me diga, por que diabos você acendeu a vela? Sua vida está ficando muito chata? Por que você não tenta sair daí uma vez na vida?"

E, claro, o Deus do Destino não respondeu, muito menos saiu para enfrentá-la.

Lucille soltou um grunhido de frustração, arrancou o guarda-chuva de uma mulher que passava e começou a bater no carro com ele.

As paredes de metal da limusine resistiram ao impacto do guarda-chuva frágil. Na verdade, o cabo do guarda-chuva estava agora dobrado, seu tecido começando a rasgar e se desfazer. A dona deu uma olhada nos olhos maníacos de Lucille e saiu correndo.

"Senhorita Lucille!" Agnes veio correndo em direção a elas. Seu rosto ficou pálido ao ver Dimitri, mas os transeuntes tirando seus celulares para capturar o momento desviaram sua atenção. Ela se colocou na frente deles, bloqueando a visão das câmeras com os braços estendidos e gritando por cima do ombro, "Senhorita, pare!"

"Me ajude a quebrar a janela!" Lucille gritou de volta.

Agnes parecia aflita. "Vou parar essas pessoas primeiro, depois quebro os faróis para você!"

E então o caos se instalou. Agnes continuava gritando para as pessoas irem embora, e Lucille fazia o seu melhor para abrir uma brecha no carro chique.

Dimitri olhou longamente para as duas mulheres. Suspirou novamente, decidindo que elas precisariam de um pouco mais de poder para serem controladas. Lucille e Agnes, apesar de serem meras humanas no sentido mais estrito, podiam causar grandes desastres se quisessem. Elas tinham sido a causa de sua dor de cabeça por quase dois mil anos.

Especialmente Lucille.

Fechando os olhos e exalando lentamente, ele deixou seus poderes tomarem conta de toda a rua. Instantaneamente, os carros pararam. As pessoas que estavam tentando gravar Lucille ficaram imóveis. Lucille e Agnes ainda estavam pulando como maníacas, mas pararam imediatamente quando perceberam que Dimitri havia congelado o tempo.

"Agora podemos conversar?" ele perguntou.

"Não," Lucille disse simplesmente antes de retomar seu ataque à limusine.

Momentos como esse nunca deixavam de fazê-lo se perguntar se essa mulher existia apenas para testar sua paciência.

Dimitri caminhou até ela e agarrou seu pulso. Num piscar de olhos, eles foram transportados de volta à cobertura, particularmente no quarto dela. Ela ainda segurava o guarda-chuva no meio do golpe. Como percebeu tarde demais que o cenário havia mudado, acabou acertando o vaso de orquídeas vermelhas em sua mesa de cabeceira.

Terra, vidro e orquídeas amassadas caíram no chão acarpetado. Lucille soltou o guarda-chuva e encarou Dimitri com raiva, posicionando o guarda-chuva para um golpe na virilha. Então, ela percebeu que estavam sozinhos.

Ela piscou. "Onde está Agnes?"

"Oh." Ele parecia particularmente despreocupado. "Eu esqueci."

Lucille soltou um grunhido curto e começou a se dirigir à porta para buscar Agnes, mas Dimitri a agarrou a tempo. Ela tentou tirar a mão dele de seu braço, mas seus dedos passaram pela carne dele.

Ok, ela odiava isso. Odiava ele e sua habilidade de estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Ele ser intangível significava que ela estava falando apenas com uma de suas projeções, o que era péssimo, porque ela adoraria nada mais do que socá-lo na cara. Claro, ela poderia queimá-lo com magia, mas mesmo um fragmento de sua presença era mais poderoso do que ela jamais poderia ser. Afinal, ele era um deus.

Sabendo muito bem que ele estava em vantagem, Dimitri agarrou seus dois pulsos com uma mão. "Comporte-se, Lucille."

Seu aperto era surpreendentemente gentil, quase carinhoso, então ela conseguiu se soltar com um puxão. "Só vou me comportar quando seu chefe me disser por que ele acendeu a vela."

"Ele não é meu chefe; é meu irmão," ele disse exasperado, então se concentrou. "Então ele acendeu a vela? Desde quando?"

"Desde a semana passada!" Apesar de sua raiva, sua voz murchou em pânico. Ela atravessou o quarto em direção à pintura pesada e a retirou da parede, revelando um cofre de metal. Ela digitou um código, e então ele se abriu. Dentro havia uma caixa dourada contendo uma vela vermelha-sangue com uma superfície esculpida.

E, com certeza, uma única chama branca dançava no pavio, exalando um leve cheiro de mirra, mesmo sem fumaça.

"Viu?" Lucille segurou a vela na altura dos olhos de Dimitri. "Keiran a acendeu. Se ele está tão entediado, por que não assiste reprises de Keeping Up with the Kardashians como um deus normal?"

Dimitri inclinou a cabeça. "Keeping up com o quê?"

"Esquece!" De repente, esgotada de toda a força e à beira das lágrimas, ela se sentou na beira da cama. "Keiran tem que parar. Ele já mexeu demais comigo. Minha vida não é algo com que ele possa brincar. . . ."

Ela parou, seu peito doendo.

Lucille sabia que devia parecer tão bobo ficar tão chateada por causa de uma vela, mas aquilo ali não era apenas um pedaço normal de cera. Aquilo guardava seus poderes, sua imortalidade e as memórias mais importantes de sua vida de milhares de anos atrás.

Todos aqueles séculos, quando ela era uma mulher diferente, quando era uma esposa leal que amava seu marido, quando era uma mártir desesperada que sofria por um homem que amava outra mulher.

Ela não conseguia se lembrar deles agora. Seus rostos, suas ações—nada. Apenas sua miséria permanecia, o conhecimento de que havia sido enganada. Tudo o que sabia era que quase morreu daquele casamento venenoso, e foi então que o Destino e a Morte apareceram para lhe dar uma chance.

A dor tinha sido demais para ela suportar naquela época, e foi o próprio Destino que lhe deu a opção de esquecer seu passado: o quem, o como e o porquê. Ela aceitou essa opção, pois não poderia viver com a dor, e em troca ele lhe deu a tarefa de punir os mesmos atos que causaram sua ruína, infidelidade e adultério e desgosto. Ele lhe deu essa vela como um recipiente de seu passado e seu presente, mas também como um lembrete de que esses dois ainda estavam conectados.

Quanto ao como, ela não sabia. Nenhum dos deuses lhe contou. Mas ambos deixaram claro que, uma vez que a vela fosse acesa, significava que seu passado e seu presente iriam colidir.

"Por que Keiran a acendeu?" Lucille perguntou fracamente. "Ele sabe que eu não estou pronta."

"O Destino não controla realmente suas ações," Dimitri disse, sentando-se ao lado dela. "Ele está apenas agindo de acordo com o chamado do universo, a atração da terra em que você está se movendo."

"O que tudo isso significa?"

Ele balançou a cabeça. "Não posso dizer." Quando ela o encarou, ele levantou as mãos em rendição. "Não posso dizer porque também não sei, não porque estou escondendo algo de você. Você sabe que sempre estive do seu lado."

Ela bufou. "Ah, claro."

"Estou mesmo." Dimitri colocou uma mão no joelho dela, mas rapidamente a retirou ao ver o brilho de aviso nos olhos azuis dela. "Claro, mal posso esperar para finalmente te levar para sua vida após a morte e não lidar mais com seus chiliques, mas também acredito que você foi tratada cruelmente pelo seu destino. Eu sinto pena de você."

"Não preciso da sua pena," ela cuspiu.

Dimitri franziu os lábios em exasperação. Essa mulher era simplesmente... ele não conseguia começar a explicar. "Lucille, eu só vim para te avisar. Seria bom se você confiasse em mim, depois de todos os séculos que passamos juntos. Se não conseguir fazer isso, um pouco de respeito já ajudaria. Não quero que você sofra mais do que deveria. Agora que a vela está acesa, algumas de suas antigas memórias podem começar a voltar."

O mundo dela ficou preto por um momento. "O quê?" Ela tentou inspirar para se recompor, mas sua garganta estava se contraindo. "Mas eu não posso lidar com elas—"

"Elas não virão em cores vivas, por assim dizer," Dimitri interrompeu. "Não serão memórias completas, mas sombras. Sensações. Aconselho você a ficar vigilante."

"E se eu simplesmente apagá-la?" Lucille exigiu, mas já havia tentado isso antes e foi inútil.

Ainda assim, não custava tentar novamente, certo?

Ela encheu as bochechas e tentou soprar a chama. Nada. Ela beliscou o pavio. Nada. Ela estendeu a mão para a mesa de cabeceira, pegou uma garrafa de Perriere e despejou tudo na vela. Nada. Apenas uma mancha molhada na cama. O fogo ainda dançava alegremente no pavio, criando uma poça de cera quente ao redor.

Lucille suspirou e entregou a vela a Dimitri. "Talvez você possa apagá-la."

"Não." Ele gentilmente empurrou a vela de volta para as mãos dela. "A chama só morrerá quando toda a vela derreter. Mas você pode estender isso com os anos que seus clientes te dão."

"Ah, é, eu esqueci." Ela pegou o sangue de Mia do cofre e sentou-se de volta na cama. Lentamente, ela despejou o líquido espesso no topo da vela, onde se solidificou ao redor do pavio e fez o processo de derretimento ficar consideravelmente mais lento. "Então eu preciso de mais sangue, certo? Mais clientes?"

"Talvez." Seu tom indiferente não era reconfortante. "Só não confie demais nisso, Lucille. Os caminhos do destino vão se cruzar em breve."

"O que isso significa? Me diga!"

"Eles sempre estiveram entrelaçados, lembre-se disso." Com isso, Dimitri se levantou e a encarou. "Tome cuidado, Lucille."

"Ei, não vá embora!" O coração de Lucille saltou em pânico. Ela se levantou e tentou segurá-lo, mas só conseguiu fazer sua forma piscar, transformando seu terno impecável em um quíton grego antigo e depois em um saiote egípcio. A vestimenta egípcia também transformou sua cabeça na de um chacal negro. "Não se transforme em um cachorro!"

Dimitri voltou à sua forma original, e parecia irritado. "Você é quem está me vendo nas minhas formas antigas! A Morte aparece como você a vê, lembra? Agora pare de mexer comigo!"

Ela agarrou o braço dele, mas suas mãos não encontraram apoio. "Mas você precisa me explicar por que—"

"Adeus," ele disse secamente, então desapareceu em um flash, deixando Lucille mais confusa do que nunca.

Ela estava prestes a gritar e colocar a vela de volta no cofre, mas Agnes de repente entrou no quarto, suada e ofegante.

"Tive que subir pelas escadas já que Dimitri parou o. . . ." Agnes hesitou, seus olhos varrendo todo o ambiente com uma expressão de confusão. "Onde está Dimitri?"

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