Um Ladino
Capítulo 1
Era uma noite infernal e tempestuosa quando chegou a notícia de que um homem quase se afogou no rio e foi salvo por um dos nossos guerreiros da alcateia. O tal homem não era da nossa alcateia, mas um forasteiro que se perdeu perto das fronteiras.
Ele foi isolado e impedido de sair, trancado em um dos quartos reservados para um membro da alcateia na casa da alcateia. Sua identidade era desconhecida e questionável.
Já fazia alguns dias desde que ele havia chegado, mas o impacto da tempestade o deixou em estado vegetativo. O mesmo aconteceu com o estado da nossa alcateia, destruída pela chuva e pelo vento fortes. Três guerreiros habilidosos da alcateia, dois de fora e um de dentro, estavam guardando o quarto, pois apenas pessoal autorizado podia verificar seu estado.
"Beta Faustina! Tenho notícias!"
Parei de instruir os guerreiros da alcateia para o próximo turno assim que Rowan chegou às fronteiras. Ele era um dos Gammas encarregados de treinar nossos membros recrutados.
"Espere," disse aos guerreiros da alcateia para aguardarem antes de me virar para Rowan. "O que houve? O Alpha Navarro chegou?"
Enquanto ele estava ausente durante a tempestade, sua presença era necessária no palácio real para a reunião anual dos Alphas de todas as alcateias. Como seu confiável segundo em comando, cabia a mim supervisionar as operações dentro da alcateia Moon Oriental e garantir que tudo continuasse funcionando sem problemas em sua ausência.
"Sim, Beta. Ele está te convocando para relatar," disse educadamente.
"Entendi." Olhei para o quadro antes de entregá-lo a ele. "Rondas dos guerreiros da alcateia hoje. Instrua-os." Dei um tapinha no ombro dele antes de me afastar.
Eu não deveria ser a Beta desta alcateia. Meu irmão, Jaromir, deveria estar na minha posição. No entanto, ele seguiu estudos na academia real e terminou seu programa lá antes de assumir minha posição como o verdadeiro Beta.
Eu realizava essas ações unicamente em nome do meu irmão adotivo mais velho, Jaromir, e do meu pai adotivo, Edison. Desde o falecimento da minha mãe adotiva, Samantha, devido a uma doença terminal, meu pai adotivo tem estado doente e infeliz, e era meu dever aliviar seus fardos.
Eu tive sorte de tê-los. Eles eram uma ótima família. Eu era uma órfã de um orfanato distante que era tratada mal. Eu só me chamava Faustina, pois era o nome que conhecia a vida toda, sem ideia de quem eram meus pais.
A única lembrança tangível da minha identidade era um colar com um medalhão adornado com meu retrato quando criança, tirado quando eu tinha cerca de três anos. Era a única relíquia que possuía de um tempo antes do orfanato se tornar meu lar. Tendo apenas cinco anos quando cheguei lá, minhas memórias anteriores a esse tempo eram completamente em branco.
Falando nisso, eu tinha mandado consertar meu colar com medalhão porque a dobradiça afrouxou quando estava sob a chuva forte alguns dias atrás, depois de ajudar alguns dos nossos membros da alcateia a evacuarem suas casas e transferi-los para a casa da alcateia que podia acomodar uma vila.
Era uma pena que eu não o tivesse usado de volta, pois ele tinha um encantamento para ocultar meu cheiro. Eu o tinha abençoado por uma sacerdotisa divina. Ele também podia domar meu lobo para que eu não tivesse dificuldades caso encontrasse meu companheiro, e meu lobo não me colocasse em perigo.
"Baius disse que o forasteiro está procurando por alguém, Alpha." Essa informação veio de um dos médicos habilidosos da nossa alcateia.
"Oh?" Seus olhos fixaram-se no relatório antes de olhar para mim. "Mas você me disse que ele ainda está inconsciente, correto?"
"De fato." Assenti. "No entanto, houve um momento em que ele recobrou a consciência e conseguiu comunicar a Baius que estava procurando por alguém. É possível que ele estivesse se referindo a você, Alpha, embora eu não possa afirmar com certeza."
Embora eu nunca tivesse tido a chance de conversar com ele, visitava frequentemente para me manter informada sobre seu estado. Aquele homem possuía um rosto encantador, capaz de fazer o coração de uma mulher disparar com apenas um olhar. Mesmo em seu estado vegetativo, ele exalava um charme inegável, realçado por seus cabelos castanhos sedosos que emolduravam suas feições. Havia uma aura de mistério ao seu redor, deixando-me tanto curiosa quanto cativada por sua presença.
Por isso as mulheres da nossa alcateia estavam curiosas sobre ele. Eu me perguntava o que teria acontecido se ele tivesse acordado. Tinha a sensação de que seria bombardeado por elas.
"É mesmo? Talvez—"
"Alpha Navarro! Beta Faustina!"
Ambos viramos a cabeça quando fomos interrompidos por batidas. Imediatamente atendi e vi Rowan novamente. "O que houve?" Perguntei, franzindo ligeiramente as sobrancelhas ao observar seu comportamento apressado.
Rowan fez uma reverência primeiro para o Alpha Navarro. "O forasteiro... Ele já está acordado, Alpha, Beta."
Alpha Navarro e eu trocamos olhares. Isso também indicava que ele estava mais intrigado, então marchamos para a casa da alcateia.
Por alguma razão inexplicável, meu coração se agitou. Eu não conseguia compreender a origem desse súbito surto de emoções. Instintivamente, alcancei meu colar, o talismã no qual sempre confiei para obter força. No entanto, fiquei momentaneamente surpresa ao perceber que recentemente o havia consertado, e ele não precisava mais do meu toque para me tranquilizar.
Assim que nos aproximamos da casa da alcateia, senti algo formigando na minha pele, o que foi a primeira vez que experimentei isso. Até meu lobo ficou agitado sem motivo aparente.
Quando estávamos diante da porta, a situação se intensificou. O desconforto tornou-se palpável, e minha ansiedade aumentou. Meus olhos fixaram-se na mão de Rowan, já segurando a maçaneta, e um pressentimento tomou conta de mim. A revelação iminente por trás daquela porta parecia ter uma imensa importância, e o peso do desconhecido pressionava fortemente sobre mim.
Buscar consolo no ato de segurar meu colar foi inútil, pois sua presença reconfortante estava ausente naquele momento. Pela primeira vez, senti vontade de recuar, assustada com o que estava acontecendo atrás daquela porta.
Estávamos apenas indo ver o forasteiro, certo? Então, por que isso estava acontecendo comigo?
Quando a porta se abriu lentamente, foi também o momento em que um sentimento de inquietação me envolveu, enquanto um cheiro misto de limão cítrico e tons terrosos de bergamota alcançava minhas narinas, fazendo meus olhos se arregalarem de horror no momento em que meus olhos se fixaram no homem que era considerado a pessoa mais deslumbrante e incrivelmente bela aqui na nossa alcateia.
Sua atenção voltou-se na nossa direção, me dando a chance de finalmente ver a cor de seus olhos. Eles pareciam a cor da floresta, e seus olhos se arregalaram assim que nossos olhares se encontraram.
Alpha Navarro ofegou imediatamente, fazendo-nos voltar nossa atenção para ele. "S-Sua Alteza Real, Príncipe Herdeiro Alucard? É você?!"
Ao mesmo tempo, meu lobo sussurrou algo na minha cabeça, fazendo minha mente enlouquecer enquanto eu ofegava de horror.
'Companheiro.'