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O COMEÇO

Madame Antonia desceu ao porão, esperando que esta noite fosse a noite em que ela conseguiria quebrar o espírito da criança. Depois de acender as luzes, encontrou a criança encolhida no chão frio e duro, chupando o dedo, com os olhos bem fechados. Para Madame Antonia, todas as crianças sob seus cuidados eram objetos que precisavam ser treinados. Aos seus olhos, elas eram sem gênero e sem mente, seu único propósito na vida era provar que Madame Antonia era boa. O lábio de Madame Antonia se curvou enquanto ela observava seu mais recente projeto. A criança estava esquelética e menor do que a maioria das outras de sete anos. Mas, para Madame Antonia, ela ainda não estava faminta o suficiente.

"Levante-se!" - Madame Antonia

Um chute nas costelas da criança pontuou as palavras. Seus olhos se abriram de repente. Madame Antonia respirou fundo. Ela desprezava muitas coisas sobre seu mais recente projeto, mas nada mais do que aqueles olhos violetas que a encaravam agora. Terríveis em sua pureza enganosa, os olhos faziam Madame Antonia se sentir suja e ela balançou a cabeça violentamente.

"Não! Isso era obra do diabo, usando a criança para fazê-la sentir que não estava sendo guiada pela mão de Deus." - Madame Antonia (em sua mente)

Mas ainda assim, aqueles grandes olhos violetas a encaravam, condenando-a, e Madame Antonia gritou.

"Você não ouviu o que eu disse!?" - Madame Antonia

Ver Madame Antonia dar um passo em sua direção parecia lançar a criança em pânico. Ela se ajoelhou, o corpo pálido tremendo enquanto abaixava a cabeça.

"Desculpe, Madame Antonia." - Kathryn Ice (sussurrou)

Por favor, faça Madame Antonia acreditar em mim, (em sua mente), ela rezou. Ela se odiava por ser uma mentirosa, mas não importava o que fizesse, simplesmente não conseguia parar de mentir.

Quando Madame Antonia alcançou a criança, ela se jogou prostrada no chão. Sua pele arrepiou quando tentou beijar os pés dela.

"Saia de perto de mim!" - Madame Antonia

Madame Antonia empurrou a criança com outro chute no rosto. Ela reprimiu um grito de dor. O ódio de Madame Antonia cresceu com o quão silenciosa e estoica ela era. Por que essa criança era tão diferente?

"Você não quer me ver, quer?" - Madame Antonia

"Não, Madame Antonia." - Kathryn Ice

A criança balançou a cabeça vigorosamente, mesmo mantendo o olhar fixo no chão.

"Estou feliz em vê-la." - Kathryn Ice

Ela estava mentindo, é claro, mas rezou fervorosamente para que, desta vez, Deus não dissesse a Madame Antonia que ela não estava falando a verdade. A criança sabia que Madame Antonia era boa e ela era má. Ela sabia disso, mas não acreditava.

"Mentira!" - Madame Antonia

O sibilo de Madame fez a criança morder o lábio com força. Por favor, Deus, por favor, faça-me acreditar na verdade. Por favor, faça-me acreditar para que Madame Antonia me ame. (A criança desejou em sua mente)

De repente, Madame Antonia segurou seu queixo, forçando-a a olhar para cima. Os olhos da criança se chocaram com os da mulher. Madame Antonia gritou.

"Pare de me olhar como se eu fosse má!" - Madame Antonia

Ela tentou protestar, mas não teve chance. A mão de Madame Antonia estalou contra sua bochecha. Madame Antonia tentou arranhar seus olhos. E então Madame Antonia estava agarrando seu cabelo, arrastando-a escada acima e para fora do porão. A criança se forçou a ficar quieta, esperando que seu silêncio fizesse Madame Antonia perdoá-la. Mas o que a criança não sabia era que quanto mais silenciosa ela fosse, mais Madame Antonia a desprezaria. Em seu desejo desesperado e inocente de agradar, mais difícil se tornava para Madame Antonia permanecer cega à verdade.

Madame Antonia jogou a criança no chão quando chegaram à sala de jantar. Ela esperou que a criança chorasse e revidasse, mas ela apenas se levantou de joelhos, olhando para Madame Antonia com olhos que nem odiavam nem questionavam. Naqueles olhos, Madame Antonia viu a verdade, a verdadeira verdade, e não o que ela tinha tentado convencer a si mesma e a todas as crianças que havia matado em nome de seu amor por elas. Madame gritou.

"Por que você não se quebra logo?" - Madame Antonia

Puxando a criança para ficar de pé, Madame Antonia esperou que a criança levantasse a cabeça antes de dar-lhe um tapa o mais forte que pôde. A criança cambaleou, e a dança começou. Logo depois, a música da palma de Madame Antonia estalando contra a bochecha da criança tocava na sala.

Estalo. Cambaleio. Estalo. Cambaleio. Estalo. Cambaleio.

A visão da criança escureceu, mas ela lutou para se manter de pé. A criança e Madame Antonia dançavam essa música desde que ela podia se lembrar, e os passos eram simples de lembrar. Não devia cair, não devia olhar para Madame Antonia, e o mais importante de tudo, não devia nunca dificultar para Madame Antonia acertá-la. Madame Antonia estava falando/cantando agora, letras da música que a criança não entendia.

"Por que ainda não estava quebrada?..

Por que ainda queria viver?..

Por que não podia simplesmente se quebrar?.." - Madame Antonia cantava

Se tivesse permissão para falar, a criança faria apenas uma pergunta. Como Madame Antonia queria que ela se quebrasse? A voz de Madame Antonia ficou febril.

"Eu não posso ser culpada. Eu estava tão assustada." - Madame Antonia

Enquanto a criança continuava a dançar ao som da música de Madame Antonia, ela se perguntava, atordoada, se seu próprio terror era o mesmo que o de Madame Antonia. Será que Madame Antonia sentia o que ela sentia agora?

"Eu não sou má." - Madame Antonia

A criança queria acreditar em Madame Antonia. Deve haver uma razão pela qual Madame Antonia não conseguia parar de machucá-la, não conseguia começar a amá-la. Madame Antonia era boa, e ela não.

"Aqueles homens me espancaram, me estupraram a noite toda, todos ao mesmo tempo. Eles eram os monstros, não eu!" - Madame Antonia

A música subiu a um crescendo de gritos, e a dança atingiu seu ápice. Madame Antonia não estava mais contente em dar tapas no rosto dela. Agora, os punhos de Madame Antonia começaram a colorir os olhos da criança com hematomas, e os estalos se transformaram em golpes dolorosos.

Tum. Tum. Tum.

Seus olhos incharam e se fecharam, e a criança lutou para dançar mesmo quando estava meio cega de dor.

"Eles me disseram para matar meus pais, então eu matei! Eu estava assustada, e foi por isso que fiz isso! Eu era jovem como você. Eu não posso ser culpada. Deus sabe que devo ser perdoada pelo que fiz. Eles me quebraram!" - Madame Antonia

A música parou de repente, e a criança começou a tremer. O silêncio era ruim e assustador, e ela desejava poder ouvir a música novamente. Ela não queria esse silêncio, sabia com todo o seu coração que era. Madame Antonia saiu de seu transe, e a primeira coisa que viu foram os olhos da criança.

"Não!" - Kathryn Ice

Madame Antonia agarrou a criança pelo cabelo, e ainda assim ela não falou. Estava aterrorizada, mas ainda sabia o que era certo ou errado.

"Por quê?..

Por que não se quebrou como Madame Antonia se quebrou?.. - Kathryn Ice (em sua mente)

"Você vai se quebrar!" - Madame Antonia

Madame Antonia murmurou febrilmente.

"Você vai se quebrar como todos os outros se quebraram!" - Madame Antonia

A surra durou uma hora. Quando a visão de Madame Antonia clareou, a criança estava encolhida em uma bola de dor. Madame Antonia se ajoelhou, respirando com dificuldade.

"Abra os olhos." - Madame Antonia

Lentamente, seus olhos se abriram. E Madame Antonia viu que tinha perdido. Ela ainda não tinha se quebrado.

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