




Encadernado - Parte II
Ela pegou o carro e começou a dirigir de volta para casa. Sua fera estava uivando e rosnando dentro de sua cabeça, implorando para ser libertada. Sua fera queria correr até o companheiro e despedaçar aquela mulher. Mas ela estava fazendo o possível para não perder o controle. Sua fera não parava de andar de um lado para o outro, rosnando para ela, até que finalmente parou o carro perto de uma floresta e bateu as mãos no volante.
"Ele não pode ser nosso companheiro! Você não ouviu o que o mestre nos disse? Nós não temos um companheiro, ninguém jamais nos amará, somos uma arma que todos querem ter. E você não viu que ele já tem uma mulher com ele? Ele é como todos os outros sobrenaturais. Então pare de rosnar para mim e se acalme!"
Mas sua fera ainda estava rosnando e andando de um lado para o outro, frustrada, estava com raiva dela por falar assim sobre o companheiro. Ela tentou acalmar sua fera, mas finalmente cedeu e decidiu deixá-la correr livremente. Ela caminhou para dentro da floresta, tirou as roupas e as escondeu em um pequeno buraco em uma árvore, provavelmente usado por um esquilo como casa. Ela saltou e se transformou em sua fera no meio do ar, pousando graciosamente nas patas e partindo com o vento. Sua fera adorava a sensação do vento passando pelo pelo, o som satisfatório das folhas secas sob suas patas. Era para a floresta, para a serenidade que fluía como águas de rio fresco. Havia algo no brilho sobre o azul, uma melodia sem ritmo, música sem som. Acima, balançavam os grandes braços, vestidos nos verdes de todas as paletas e de nenhuma, os tons verdes dos sonhos livres da natureza. Naquele lugar, ela se tornava parte daquela arte, daquela criação tridimensional de tempo e espaço, de um período evolutivo maior do que sua mente podia compreender. Desde os ricos tons terrosos do chão da floresta até a doçura do céu azul-branco, a floresta era um paraíso tridimensional para olhos como os dela, dispostos a absorver a luz.
Ela correu e correu, cortando o ar. Finalmente parou quando chegou a uma pequena margem de rio. Sua fera apenas ficou ali, sentindo e aproveitando o vento suave que passava, sentou-se na grama e apreciou o ambiente. O rio era uma fita de turquesa viva, fluindo audaciosamente em meio ao verde da floresta. Não importava o murmúrio das árvores, ele era constante, acolhedor, refrescante. Em dias tranquilos, podia-se ouvir seu sussurro de sabedoria; em dias tempestuosos, ele se perdia para todos, exceto para aqueles que escutavam atentamente. O rio sempre falava, sempre transmitia a sabedoria da água para quem valorizava suas palavras musicais. Mesmo nos dias mais chuvosos, podia-se ouvi-lo sob os respingos, uma melodia sagrada, sempre em movimento, sempre presente. O rio tinha uma força refletida nas árvores. Ele fluía com confiança, tomando a forma do leito do rio, bilhões de gotas movendo-se juntas. A comunidade de árvores se erguia alta, troncos alcançando o azul acima, a luz filtrando-se pelas folhas como vitrais perfeitos. O rio era verde ao amanhecer, mas ao meio-dia brilhava como um diamante de mil dólares. Ele fluía de maneira discreta, suavemente, sem alarde. Existe algo tão confiável quanto essa água? Talvez não.
Depois de um tempo, ela voltou para onde estavam as roupas, transformou-se de volta e vestiu-se. Voltou para o carro e começou a dirigir. Já estava anoitecendo, era aquela hora do dia em que os últimos raios de sol beijam a charneca, quando os verdes e roxos se dissolvem em cinza sob a luz do luar, é quando a toca se esvazia. O crepúsculo vem com a promessa do luar, para o tempo de reflexão sobre o dia passado e o dia que aguarda ser renovado pela luz do sol. É quando os pássaros cantam boa-noite até que as estrelas os convidem a sonhar sob suas asas. Cada tom se aprofunda em nobre solenidade, encontrando unidade na noite.
Só agora ela percebe o quão longe foi de sua casa. Ela está dirigindo há três horas e ainda tem um longo caminho pela frente antes de chegar. Sua fera está choramingando dentro de sua cabeça enquanto ela se afasta do companheiro. Não seria completamente verdade dizer que ela não sente nada pelo companheiro. Há um sentimento estranho dentro de seu peito que ela não consegue entender. Um sentimento que nunca sentiu antes. Será que ele a aceitaria se soubesse que ela é sua companheira? Ou a rejeitaria por causa da mulher loira que estava com ele? Será que ele a amaria? Amor! Ela só ouviu essa palavra, nunca a sentiu. Cuidado! Isso é um luxo que ela nunca pode ter. Ela afasta todos esses pensamentos que invadiram sua mente. Não se lembra muito sobre sua mãe e seu pai, mas sabe que eles tinham um amor incondicional um pelo outro. Lembra-se de como sua mãe lhe contava sobre companheiros! Como ela encontraria seu companheiro algum dia e ele a amaria incondicionalmente, como ele cuidaria dela, como nasceram um para o outro e morreriam um pelo outro. Ela ri de si mesma ao pensar em como acreditou nessas palavras. Ninguém ama ou cuida de alguém incondicionalmente. Sempre há uma razão. E ninguém jamais a amaria e cuidaria dela assim, ela é um monstro e uma arma que todos querem. Que todos traem por seus próprios motivos egoístas e ela aprendeu a não acreditar mais em ninguém. Todos agem de uma maneira para alcançar algo. Todos que descobrem o que ela é, ou tentam usá-la ou tentam matá-la. E ele também faria isso, porque todos são iguais, ela pensou.
Passava das onze quando finalmente chegou em casa. Ela janta e se prepara para o trabalho. Veste sua roupa de 'trabalho', que inclui uma camiseta preta de manga longa e gola alta com luvas de couro armadas com lâminas de prata escondidas. Calças de combate pretas, botas de combate e uma jaqueta preta com capuz. Ela enche o cinto de várias armas que precisará. Depois de prender o cabelo em um coque, ela sai esperando por uma nova missão de seu mestre.
Já faz três semanas, três semanas de matança, noites sem dormir e... dor. Dor insuportável. No começo, ela não entendia por que estava sentindo tanta dor, mas logo compreendeu que seu companheiro estava a traindo. Bem, tecnicamente não é traição, já que ele não sabe que tem uma companheira, mas ainda assim. Sua fera ficou extremamente quieta, mais quieta do que antes, deprimida, chateada e de coração partido por estar longe do companheiro e pela traição constante e dor. Uma semana depois, sua primeira onda de cio chegou. Após encontrar seu companheiro, a fêmea passa pelo cio. A primeira e a segunda onda de cio são para atrair o macho e finalizar o processo de acasalamento mais rápido, enquanto a terceira e a quarta ondas de cio são para a fêmea. Depois de encontrar seu companheiro, quando eles se envolvem intimamente com outra pessoa, o outro sente uma dor excruciante, o que indica que seu companheiro está traindo.
Era insuportável para ela, o cio de licantropo e vampiro combinado. Não era algo que poderia matá-la, mas ela sentia que morrer seria melhor do que suportar o cio.
Ela não sabe como, mas chegou àquele mesmo rio que sua fera encontrou três semanas atrás. Após uma missão de assassinato bem-sucedida, ela fugiu e de alguma forma chegou ao rio. O rio é tão diferente, tão hipnotizante à noite. O céu está claro, cheio de estrelas, e a água turquesa do rio agora é um belo preto refletindo todas as estrelas distantes no céu. O vento é refrescante e ela inala uma boa quantidade de ar fresco, abaixando a gola e o capuz. Ela tira a jaqueta, as botas, as luvas e o cinto. Ela se sente leve, livre de todos os fardos, fardos é como ela gosta de chamá-los. Ela se senta na grama macia e deixa a água fluir, limpando e se livrando do calor de seus pés. Ela olha para o belo céu, seus olhos brilham em um dourado intenso enquanto sua fera, que estava quieta desde que saíram de casa, olha para o céu através de seus olhos.
Ela solta um longo suspiro de alívio enquanto se deita na grama macia. Fecha os olhos e é quando sente uma dor aguda rastejando pelo abdômen. Era uma dor tão intensa, nada como todas as dores que já sentiu até agora. Logo a dor começa a se espalhar. Ela solta um gemido, tenta usar sua magia, mas nada parece funcionar. Seu companheiro tem outra pessoa na cama com ele! Ela já havia sentido a dor da traição antes, mas desta vez era muito mais dolorosa do que antes. Foi então que percebeu! Sua segunda onda de cio. A temperatura do seu corpo estava aumentando tremendamente. Ela entrou no rio tentando se resfriar, mas logo começou a ver manchas pretas e a última coisa que lembra antes de desmaiar foi que se sentiu leve! Ela estava sendo levada pela correnteza do rio!