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1. ARIANA: O MUNDO HUMANO

A música nos meus ouvidos estava baixa o suficiente para ouvir a conversa entre minha irmã e meu pai. Eva estava contando a ele sobre todas as ótimas atividades que a Sewn Lake College oferecia e tudo em que ela planejava participar.

Era tudo mentira.

Eva só planejava frequentar a faculdade por um motivo. Um motivo que ambos sabíamos que faria nosso pai nos trancar.

Eu só estava seguindo o plano da minha irmã porque a faculdade tinha um ótimo programa de arte. Ela sabia que eu me interessaria por isso e conseguiu me convencer.

Os formulários foram preenchidos, nossas cartas de aceitação entregues à alcateia e então a matrícula foi paga.

Mas enquanto papai nos levava para nossa nova casa até nos formarmos, eu começava a me arrepender da minha decisão.

Algo sobre isso parecia... errado.

Talvez fosse apenas o fato de que eu estava prestes a sair da minha zona de conforto. Talvez fosse porque estávamos prestes a entrar em território humano, ou talvez fosse apenas porque eu sabia que Eva faria algo estúpido na primeira oportunidade que tivesse.

Eu amava minha irmã, mas odiava sua inquietação e constante necessidade de tentar algo novo. Ela sempre me arrastava para o buraco do coelho com ela.

Soltando um suspiro, desbloqueei meu telefone para pular a música e então voltei a focar na paisagem que passava.

Mais duas horas e então estaríamos entrando na cidade.

Meu estômago se contorcia de nervosismo e medo. Ficaríamos em Sewn por um ano, talvez até mais se Eva encontrasse um motivo para ficar. Eu seria forçada a ficar com ela porque, segundo papai, estávamos mais seguras juntas.

“Ari?”

Meus olhos se voltaram para a frente do carro. Hesitei e então alcancei os fones para tirá-los dos ouvidos. Os olhos de papai se encontraram com os meus no retrovisor por alguns segundos antes de ele voltar a focar na estrada.

“Você está bem, abelhinha?” ele perguntou. “Você parece um pouco nervosa.”

Eu sorri. “Estou.”

“E nem um pouco animada?”

“Nem um pouco,” murmurei.

“Claro que está,” exclamou Eva. “Você sabe como a Ari é, papai. Ela pensa demais em tudo.”

“Não consigo evitar,” eu disse a ela.

“Pensar demais não vai te levar a lugar nenhum, Ari. É por isso que você experimentou tão pouco na vida.”

Papai riu enquanto encontrava meus olhos novamente por alguns segundos. “Odeio dizer isso, mas sua irmã está certa. Está tudo bem em parar de pensar demais e apenas aproveitar o momento.”

Revirei os olhos e coloquei os fones de volta nos ouvidos. Apertando o play, deixei meu telefone cair no colo e encostei a testa na janela fria.

Eles não entendiam.


Eu me sentia mais enjoada a cada segundo que passava.

Acabamos de passar pelo sinal de boas-vindas à cidade. Alguns minutos depois, papai entrou na estrada principal.

“Respire, Ari,” papai ordenou suavemente.

Eu inspirei depois de perceber que estava prendendo a respiração.

Alcancei e arranquei o fone, enfiando meu telefone na bolsa. Meu coração batia a mil por hora quanto mais adentrávamos na cidade.

Havia humanos por toda parte que eu olhava.

Sem nem perceber, minhas mãos foram para o meu estômago e meus dedos traçaram as cicatrizes sobre a camisa. Tudo ainda estava fresco na minha mente. Parecia que tinha acontecido ontem, em vez de nove anos atrás. A brutalidade do ataque era algo que nunca seria esquecido. Eu tinha as memórias e as cicatrizes para provar isso.

“Não fique tão apavorada,” Eva chamou. “Você sabe que tudo vai ficar bem.”

Olhei para ela quando colocou a mão no meu joelho.

“Eu vou estar com você em cada passo do caminho.”

Mas por quanto tempo?

Eva me deu outro sorriso e então se virou de volta no assento. Ela deveria ter estado comigo naquele dia, mas me deixou para sair com seus amigos.

Eu sabia que seria apenas uma questão de tempo antes que isso acontecesse novamente. Sua constante necessidade de aventura geralmente a afastava e a levava direto para problemas.

Balançando a cabeça, inspirei profundamente e soltei o ar devagar.

O carro desacelerou e, um segundo depois, papai entrou no estacionamento. Eu nunca tinha visto tantos humanos reunidos em um só lugar.

Demorou um pouco para papai encontrar uma vaga no meio de todo aquele caos.

“Vou pegar nossos horários e outras coisas,” Eva disse ao sair do carro.

Eu sabia que precisava sair também, mas meu corpo estava congelado.

Vozes altas e risadas enchiam meus ouvidos enquanto todos ao nosso redor agiam como se não estivéssemos ali.

Um rosnado escapou dos meus lábios quando minha porta foi aberta de repente, mas morreu quando percebi quem era. Papai me deu um pequeno sorriso enquanto se inclinava para dentro do carro para soltar meu cinto de segurança.

“Você não precisa fazer isso, abelhinha,” ele disse suavemente. “Podemos dar meia-volta agora e voltar para casa.”

Seria tão fácil fazer exatamente isso. Tão fácil permitir que meu medo dos humanos destruísse a única chance que eu tinha de fazer algo que amava.

“Eu-eu posso fazer isso,” sussurrei. “Eu só preciso...” deixei a frase no ar com um encolher de ombros.

“Leve o tempo que precisar.” Apertando meu braço, ele fechou a porta novamente e foi para a parte de trás do carro.

Fiz os exercícios de respiração que a vovó me ensinou enquanto lutava para clarear minha mente.

Não seria tão ruim; era tudo coisa da minha cabeça. A mente era uma coisa perigosa—podia distorcer tudo e transformar em um pesadelo.

Eu não queria que o medo me dominasse. Eu queria ser como Eva. Queria fazer as coisas sem pensar duas vezes. Queria ser destemida.

Mas isso não ia acontecer da noite para o dia.

Sair do carro e não ter um colapso era o primeiro passo na direção de ser... normal.

Lambendo os lábios, peguei minha bolsa e alcancei a maçaneta da porta, mas congelei novamente. Você consegue. Eu sei que consegue.

Houve um clique suave quando a porta se abriu. Minhas pernas pareciam gelatina, o que significava que eu tinha que me apoiar no carro para ficar de pé. Deslizei lentamente ao longo do carro até chegar à parte de trás, onde papai estava ocupado descarregando nossas malas.

Ele parou e olhou para mim. “Tudo bem?”

Assenti, incapaz de encontrar minha voz.

Tê-lo tão perto era um grande conforto porque eu sabia que ele não deixaria ninguém me machucar.

Ele vai embora em breve.

Balancei a cabeça e afastei a voz. Isso não estava facilitando as coisas para mim.

Para me concentrar em outra coisa, virei-me ligeiramente e observei os humanos a alguns metros de distância. Como nós, eles estavam ocupados descarregando suas malas, mas, ao contrário de nós, tinham dois pais presentes e não apenas um.

Uma dor familiar encheu meu peito.

“Eu queria que a mamãe estivesse aqui,” sussurrei antes de poder me conter.

Papai parou. A dor passou por seus olhos, mas desapareceu novamente em poucos segundos. Foi estúpido ter dito algo assim. Entre nós três, papai era o que mais sofria.

Eu não entendia realmente o vínculo de companheiro sobre o qual aprendi na escola, não entendia por que diziam que isso podia te matar, mas ouvir papai chorar quando achava que estávamos dormindo... isso me destruía um pouco.

Houve momentos em que eu queria pedir a ele que me explicasse a dor que sentia, mas nunca o fiz.

Perguntei ao vovô uma vez e ele me disse que parecia que seu coração estava sendo arrancado do peito.

Eu mal conseguia lidar com as coisas como estavam, a última coisa que queria era encontrar meu companheiro e sofrer a dor que papai estava sofrendo. Já fazia anos desde que perdemos a mamãe e ele ainda estava sofrendo. A única diferença era que papai tinha ficado melhor em esconder a dor de nós.

“Eu também,” papai disse suavemente. “Ela pode não estar conosco fisicamente, mas está em nossos corações e eu sei com certeza que, onde quer que ela esteja, está olhando para sua garotinha corajosa com um grande sorriso.”

Meus lábios se curvaram em um sorriso, mesmo quando meus olhos se encheram de lágrimas. Às vezes eu pensava nisso também, mas não era a mesma coisa. Nós éramos apenas azarados quando se tratava de família.

Mas pelo menos o conhecimento de que um dia estaríamos todos juntos novamente me dava algum conforto.

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