




Capítulo 1
Ponto de Vista de Susan
Eu estava livre. A floresta era minha e eu era dela. Meus uivos ecoavam como correntes se quebrando pela terra. Nada podia me parar. Nada podia me segurar além de mim mesma.
Eu podia sentir os laços que me prendiam à alcateia se rompendo. Eu podia sentir tudo ao meu redor perfeitamente. Os cheiros, os gostos, os ruídos, tudo estava conectado como nervos no meu corpo. As sensações de medo e adrenalina, eu podia sentir tudo no ar. Eu estava livre. E sentia como se tudo estivesse sob meu controle. Sem plano fixo e sem regras a seguir. Fugindo das leis que me assombravam e atormentavam.
Depois de correr praticamente a noite toda, acabei na fronteira do território de outra alcateia. Meus músculos vibravam e minhas patas nunca tinham sentido tanta dor. Mas a dor era prazerosa e me deixava mais eufórica.
Eu não tinha nada. Absolutamente nada. Sem roupas, sem pertences, e nada que pudesse me ajudar. A cidade mais próxima era muito maior que a minha. Mas antes de chegar lá, eu precisava me transformar e encontrar algumas roupas para vestir. Eu estava fazendo a coisa mais arriscada da minha vida. Era completamente proibido entrar em tal território sem primeiro informar o Alfa local. E se algum membro da alcateia daqui me pegasse, seria o meu fim.
No campo, depois de avançar mais no novo território, me deparei com uma casa. Uma fazenda, eu acho. Eu podia ouvir o barulho de alguns carros passando. Devia estar perto da estrada.
Me escondi na floresta e me certifiquei de que o lugar era seguro. Verifiquei se não havia cães que pudessem começar a latir se vissem um lobo no quintal. Não havia casa e nem pote na varanda que indicasse um animal. Notei que nos fundos havia um varal com algumas roupas penduradas. A casa estava apagada e os moradores provavelmente estavam dormindo. Aproximei-me com cuidado e farejei ao redor. Tudo parecia seguro. E quando cheguei perto do varal, me transformei atrás de um lençol grande e comprido. A transformação foi ainda mais dolorosa porque meus músculos já estavam cansados de correr. Passei pelo varal e procurei algumas roupas que pudessem servir. Peguei as primeiras que vi. Um par de jeans, uma blusa vermelha, e mais adiante avistei um par de tênis nos degraus da varanda. Estava a apenas alguns metros, mas não queria chegar muito perto da casa. Olhei bem e notei que provavelmente não serviriam, mas eu precisava. Não podia ir para a cidade descalça.
Peguei tudo e me vesti antes que os donos ouvissem algo estranho e viessem ver. Os sapatos, como eu imaginava, ficaram um pouco largos, mas não me importei. Só queria sair daqui. De preferência com roupas.
Silenciosamente, voltei para a floresta e me dirigi para a estrada.
Levaria um tempo para chegar à cidade se eu fosse a pé. Então decidi tentar pegar carona, mesmo nunca tendo feito isso antes. Não sei se alguém teria coragem de ajudar alguém às 5 da manhã no meio da estrada. Mas não custava tentar.
Continuei andando, arrumando meu cabelo embaraçado e esperando o primeiro carro passar. Demorou vários minutos até que a primeira luz apareceu. Mas quando acenei, ele nem diminuiu a velocidade e passou direto.
Isso levaria muito mais tempo do que eu pensava. Mas pelo lado positivo, pelo menos as roupas que eu estava usando estavam limpas e cheiravam bem.
Depois de algumas tentativas fracassadas, vi o próximo veículo se aproximando. Acenei com os dois braços desta vez. Para atrair mais atenção ou mostrar urgência suficiente. Notei quando o carro diminuiu a velocidade e parou do outro lado da estrada. Era uma caminhonete pequena. A motorista abaixou o vidro e fez sinal para eu entrar. Era uma mulher que estava dirigindo.
Atravessei a estrada e entrei na caminhonete. A mulher estava usando uma jaqueta jeans e calças escuras, seu cabelo loiro escuro estava preso em um rabo de cavalo e ela não parecia ter mais de 35 anos.
"O que você está fazendo na estrada a essa hora?" Ela me olhou atentamente e voltou a dirigir.
"Ah, eu moro aqui perto, tenho compromissos na cidade logo cedo, mas não consegui chegar."
"Você teve sorte de eu estar passando então." Ela riu.
"Sim, tive. E obrigada." Eu olhei para a estrada.
Pelo cheiro da mulher, eu podia dizer que ela era humana. Ela tinha acabado de tomar café e também cheirava um pouco a tabaco. Foi um alívio que ela fosse humana. Seria meu azar encontrar um lobo logo de manhã.
"Você mora aqui há muito tempo?" Perguntei para quebrar o silêncio.
"Estou aqui há dois anos." Ela alisou o polegar no volante. "E você?"
"Acabei de me mudar." Evitei dar muitas informações.
Olhei para o lado e vi um frasco de perfume no porta-luvas à minha frente. Seria ótimo borrifar um pouco para disfarçar meu cheiro. Especialmente depois de uma transformação.
Seria estranho se eu pedisse isso a ela?
"Olha, moça, eu cheiro como um animal, seria pedir demais umas borrifadas do seu perfume?" Pare de ser idiota, Susan, claro que seria estranho.
"Moça..." Ela olhou para mim. "Sabe, saí correndo de casa para uma entrevista de emprego e esqueci de passar perfume." Cocei a parte de trás do pescoço. "Li uma vez que o cheiro conta muito em dias como esse." Que merda, Susan? "Você poderia me salvar e me deixar usar um pouco do seu?" Apontei para o porta-luvas e ri. Pelo menos ela ficou surpresa, mas não se importou, porque a loira começou a rir de mim e assentiu positivamente.
"Claro." Ela disse e voltou a prestar atenção na estrada. "Entrevista de emprego, hein? Acho que é bem fácil conseguir uma por aqui. Eles sempre precisam de mais gente." Peguei o perfume e borrifei em mim.
Que cheiro horrível!