




A viagem de helicóptero
Sophia POV
Eu fui uma das últimas a entrar no helicóptero, meu humor não estava dos melhores, mas isso não significava que eu seria rude, então cumprimentei todos brevemente com um aceno de cabeça e depois peguei o tablet para fazer as últimas verificações.
A família Houroux trouxe seu médico para supervisionar o transporte e também verificar todas as informações.
Muito ego em jogo para o meu gosto, os médicos do hospital achando um absurdo serem supervisionados por um estranho, enquanto o médico da família começava a apontar erros que não eram erros de fato, já que ele parecia ter informações sobre a condição física que nós não tínhamos acesso.
Para evitar um confronto, fui para casa e fiz uma pequena mala. Quando voltei, o caos já estava quase acabando, pois era hora de partir. Meu encontro com Joshua também não foi o ponto alto do meu dia e, no final, acabamos encerrando algo que nem tinha começado a ficar sério.
Quando o Dr. John Ioannidis começou a dizer algo sobre o que eu estava fazendo, levantei o olhar e encontrei o dele. Em duas horas e meia, minha vida tinha virado um caos por causa daquele homem e agora ele queria falar sobre o meu trabalho.
Dr. Ioannidis é um homem de cabelo curto, quase raspado, pele escura, olhos castanhos claros, traços fortes e uma constituição atlética invejável para muitos, mas parecia ser algo comum entre as pessoas ao redor daquela família. Ele tem cerca de 1,80 m e não parece ser do tipo que se sente ameaçado, já que ameaçava mais pessoas do que o próprio Hyperion já fez.
O que quer que ele tivesse pensado em dizer morreu em sua garganta quando nossos olhares se encontraram, não demorou muito para ele desviar o olhar e recuar ligeiramente. Isso era melhor, não que eu fosse melhor do que ele, mas eu simplesmente não toleraria ele criticando algo só porque acha que é melhor do que eu ou porque acha que sabe mais. Voltei a olhar para o tablet.
Dentro do helicóptero estávamos eu, Hyperion, John e Perseus, além do piloto. Seria uma viagem de algumas horas até chegarmos ao local de pouso e, por todas as indicações, não seria uma viagem agradável, mas sim constrangedora.
Eu não disse nada sobre o cheiro que identifiquei assim que entrei na cabine e sabia que vinha de Perseus, da mesma forma que acontecia com Achilles, Perseus tinha um cheiro único e era dele mesmo, não um perfume, mas agora que ele estava acordado, era mais forte do que antes. Algo dentro de mim sabia que se eu cruzasse olhares com ele, algo semelhante ao que aconteceu no dia anterior com Achilles aconteceria, então era melhor eu permanecer em silêncio e focar no que importava no momento.
A vantagem é que de helicóptero não precisávamos falar, ou melhor, se quisesse falar, tinha que abrir a chamada pelo fone de ouvido. Preferi ficar quieta e focada nas informações que John tinha colocado no sistema sobre os tratamentos que ele considerava apropriados e não pude deixar de notar que ele praticamente questionou tudo o que tínhamos feito.
Eu tomei cuidado para ler cada declaração algumas vezes enquanto usava a caneta stylus que veio com o tablet para fazer anotações no aplicativo de notas que eu tinha instalado. Várias dúvidas surgiram ao ler o relatório, mas não falei nenhuma delas em voz alta, tenho certeza de que isso tinha a ver com Hyperion dizendo que precisava me mostrar algo.
Terminei de ler todas as novas informações e então guardei o tablet do hospital e peguei meu celular, abrindo o aplicativo de leitura de livros, comecei a ler "Cthulhu Pulp", um livro de RPG com regras suplementares para o Call of Cthulhu e também exemplos de cenários. Não era um livro pequeno e eu estava apenas começando, era uma boa maneira de passar o tempo, afinal, eu precisava terminar de lê-lo e sempre encontrava uma desculpa para não fazê-lo.
Para as partes onde eu tinha dúvidas, tirei um print e salvei para procurar as respostas na internet mais tarde, mas comecei a ter várias ideias para campanhas e aventuras curtas e únicas.
"Como eu não pensei em usar isso aqui?"
Falei em voz baixa sorrindo, olhando a descrição de um dos monstros. Senti um leve empurrão no meu ombro e olhei para cima, encontrando Hyperion e mostrando a ele a imagem do monstro e a descrição que aparecia. Ele fez um gesto para eu abrir a comunicação e eu o fiz.
"O que é isso? Você parece feliz depois de pegar seu celular." Hyperion
"Ah, estou lendo um livro de Cthulhu, um sistema onde você enfrenta monstros e se olhar demais pode acabar enlouquecendo. Muito resumidamente é isso, estou prestes a começar uma campanha com o pessoal e vou usar o sistema que estou lendo e aqui tem alguns monstros diferentes e eu gostei deste." Sophia
"É algo como naquela noite? Que eu ouvi você jogando?" Hyperion
"Quase isso, a ideia é a mesma, só vamos mudar o sistema, agora em vez de serem vampiros, lobisomens, magos... Magos, malditos magos... Desculpe, afinal um mago me matou!" Revirei os olhos lembrando da cena em que meu personagem tinha morrido. "Nunca enfrente um mago." Dei uma risada baixa. "Eles são roubados, mas desculpe, voltando à pergunta. Desta vez sou eu quem vai contar a história e meus amigos vão jogar com os personagens, eu geralmente não faço muitas anotações e não planejo muito, ao contrário da Mercy que tem cerca de 30 páginas de planejamento, eu só gosto de planejar a trama inicial, ter uma ideia de como o mundo vai funcionar e qual pode ser o desafio final, mas em geral, deixo o pessoal solto e apenas uso o que eles me dizem como combustível e no final todos se divertem." Sophia
"Entendi, bem, pelo menos estou tentando. Isso é muito novo para alguém como eu." Hyperion
"Olha, nos eventos que eu costumava ir, conheci pessoas muito mais velhas que você. É divertido ver um senhor de 60, 70 anos jogando como uma criança de 8 anos, embora seja divertido interpretar em geral." Sophia
"E qual você gosta mais?" Hyperion perguntou.
"Terror, não é um sistema em si, apesar de amar Lobisomem: O Apocalipse, afinal, foi um dos meus primeiros RPGs, mas hoje eu amo Cthulhu, e todo o cenário por trás é maravilhoso, apesar de não gostar do criador, o que ele deixou é lindo. Agora, por que eu gosto de terror? Eu gosto de narrar, que é justamente ser a mestre do jogo, isso traz um gosto especial, pelo menos para mim. Quem geralmente me procura para jogar é porque sabe que vai se assustar e saber que eu posso fazer isso é maravilhoso, já fiz muita gente chorar na mesa." O olhar de Hyperion era de descrença e surpresa.
"Ei, de uma forma saudável. Antes de começar um jogo, eu pergunto até que nível a pessoa se sente confortável com as situações que podem acontecer. Hmm... Como explicar melhor? Imagine que as pessoas que jogam terror comigo, é como aquelas pessoas que vão ao cinema comprar um ingresso para um filme de terror, elas podem escolher desde terror infantil até Jogos Vorazes, incluindo O Colecionador de Ossos, entre outros títulos. Então a pessoa vai assistir ao filme e sabe que as pessoas que participaram dos filmes estão vendo sua reação e ficando felizes porque cumpriram seu papel, que é assustar e amedrontar."
Tentei explicar sem soar muito psicopata, acho que consegui porque a expressão dele suavizou.
"Acho que entendo. É como alguém que participa de um campeonato, sabe que ao longo do caminho vai se cansar e muitas vezes pode se machucar, mas no final, a adrenalina de participar é o que conta." Hyperion
"Isso! Exatamente." Sophia
Eu o vi rindo e sorri.
"Ouvir você falar sobre esse assunto faz as pessoas quererem se juntar e jogar também. Sua empolgação é contagiante." Hyperion
Joguei a cabeça para trás e ri alto.
"Essa é a mais pura verdade, quanto mais pessoas eu trago para esse mundo, mais eu posso riscar no meu caderno de almas corrompidas." Consegui falar depois de alguns minutos.
"Tenho certeza de que com essa animação já deve haver algumas centenas de riscos, não é?" Hyperion
"Ainda não centenas, mas algumas dezenas sim..." Sorri e então voltei minha atenção para o celular. "Agora eu tenho que terminar de ler um livro."
Desliguei a comunicação e voltei minha atenção para a tela à minha frente. Sei que toda essa interação com Hyperion foi o foco tanto de Perseus quanto de John e ignorar o olhar de Perseus sobre mim é um desafio constante e agora estava mais difícil focar na tela do celular.
De alguma forma, consegui controlar meus sentimentos e não me deixar ser engolida por aquele desejo de olhar, tocar e me envolver com Perseus. Já era problema suficiente estar atraída por Achilles, que pelo que eu tinha visto e ouvido era o segundo no comando.
Já era madrugada quando chegamos ao destino, meus olhos estavam um pouco pesados, ouvi as hélices pararem de girar e então a luz verde para abrir a cabine. Hyperion saiu primeiro e eu o segui logo atrás, segurando seu braço esquerdo.
"Eu preciso tomar meu remédio e dormir. Preciso ajustar meu horário antes que outra crise aconteça."
Meu tom de voz era sério, indicando que eu sabia que não estava ali apenas para cuidar de Perseus, isso tinha sido apenas uma desculpa para eu vir com eles, mas para o que quer que ele tivesse para me mostrar, eu precisava estar inteira.
"Entendo, seu quarto está pronto, Alexander vai te mostrar o caminho."
Hyperion respondeu e apontou para Alex, que parecia distante e frio. Revirei os olhos, ele se ofendeu com a piada que eu tinha feito, instintivamente levei a mão aos olhos e respirei fundo.
"Hum, pedi para ele estar aqui porque vocês dois pareciam se dar tão bem."
A voz de Hyperion tinha um toque de preocupação.
"Eu sei, não se preocupe. O importante é que eu vou descansar."
Caminhei em direção a Alexander, havia várias outras pessoas ali no terraço, mas não me preocupei em olhar muito para cada uma delas. Peguei meus fones de ouvido e liguei minha playlist, meu pequeno jeito de indicar que não queria conversar, se era assim que Alex preferia, então que fosse.
Algo que notei é que a sensação de angústia ao me afastar de Perseus não aconteceu e inclinei minha cabeça para o lado esquerdo enquanto entrava no elevador e olhava o movimento da equipe médica levando a cama de Perseus e ajudando-o, por um breve momento nossos olhos se encontraram, mas não foi tempo suficiente para eu notar muito, pois as portas do elevador se fecharam.
"Mais uma coisa estranha para adicionar à lista."
Sussurrei, colocando as mãos nos bolsos da calça.
"Sophia... Eu..." Vi Alexander se virar para me olhar, mas rapidamente o cortei.
"Não, não quero ouvir desculpas esfarrapadas. Você conseguiu o que queria e pode me chamar de Srta. Turner."
Respondi secamente e o vi respirar fundo e depois olhar novamente para frente. O andar em que eu ficaria era próximo à cobertura, assim que a porta se abriu, segui Alexander pelo corredor, este era um prédio não muito grande, com apenas 10 andares e eu estava no 8º. O lugar parecia um hotel com uma área de lazer com alguns sofás, mesas, poltronas e um mini bar do lado esquerdo, enquanto do lado direito havia uma televisão gigante, tudo decorado em tons de branco, prata e azul marinho. Havia 12 pessoas ali, 6 homens e 6 mulheres, alguns estavam na área do bar enquanto outros jogavam cartas em uma das mesas.
Notei que todos se viraram para me olhar, sim, estavam olhando para mim, ignorando Alexander e prestando atenção apenas em mim como se eu fosse uma intrusa. Bem, ainda era verdade, mas não estou aqui porque pedi, mas porque fui convidada, então sorri ironicamente, se nem Hyperion tinha conseguido me intimidar, não seriam essas pessoas que conseguiriam.
"Por aqui."