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A Hora da Verdade

Na manhã seguinte, acordei com uma batida forte na porta. Levantei-me rapidamente, com os olhos ainda embaçados de uma noite mal dormida e de tanto chorar. Atendi e encontrei Madeleine.

  • Arrume suas coisas - ela disse, passando direto por mim.

Seu rosto estava impassível, ela ainda era a mesma das minhas lembranças. Seu cabelo preto estava preso em um coque. Seu rosto parecia branco como a neve, sobrancelhas pretas grossas e bem esculpidas, lábios cheios, olhos azuis emoldurados por cílios pretos e bonitos. Seios finos e cheios. Ela era certamente uma versão mais velha de mim. Ela usava um terno azul marinho, uma saia lápis abaixo do joelho e um salto stiletto nude.

  • Este lugar é um chiqueiro! - ela disse, tapando o nariz e pulando por cima de algumas caixas no caminho.

Fiquei parada por um momento.

  • Vamos! - Eu pulei com o timbre da sua voz. - Não fique aí parada, eu tenho que resolver alguns negócios na cidade e não posso demorar. Tive que adiantar meu voo por causa do seu desconforto. Enquanto eu estiver aqui, você vai ficar na nossa casa. Depois disso, você vai embora comigo. Ok. Pensei.

Nenhum "Oi, como você está?"

"Que bom que você não morreu."

"Pena que não te vejo há nove anos, só por videoconferências."

"Sorte que você tinha negócios na cidade, não seria vantajoso para mim vir aqui porque você teve um 'mal-estar'."

  • Ok, Madeleine. - Virei-me para ela.

  • Por favor, Nicole, você sabe que não gosto que me chame assim. Eu sou sua mãe. - Ela se aproximou, acariciando meu rosto com os dedos. As unhas vermelhas estavam bem pintadas e não havia anel em seus dedos.

  • Desculpe, mãe - respondi, olhando para baixo.

  • Agora, vamos! - Ela deu dois tapinhas na minha bochecha. - Tenho negócios na cidade.

Era tão estranho estar perto dela. Sentei-me ao lado dela no carro, mais como duas estranhas. Não conversamos, nem sequer nos olhamos. Eu não conhecia aquela mulher. O carro parou e ela saiu sem nem dizer adeus.

  • Ela pediu para deixá-la no endereço - afirmou um motorista que eu não conhecia. Assenti com a cabeça em resposta. A viagem continuou em silêncio.

Caminhei em direção à grande casa em um bairro residencial. Fazia muito tempo que eu não ia lá! Digitei o código do portão e caminhei por todo o jardim. Quando me aproximei da porta, ela se abriu sozinha. Uma mulher alta, de cabelo ruivo artificial, estava do outro lado.

  • Você deve ser a Nicole! - ela disse, me dando um grande abraço.

Eu a abracei de volta levemente, sem entusiasmo com a recepção.

  • Eu sou a Summer - ela disse, apertando minha mão. - Sou a assistente pessoal da sua mãe. Nos conhecemos há cerca de onze anos. - Ela abriu a porta para mim.

  • Olá, Summer - eu disse com um sorriso falso ao passar por ela. - Eu me lembro de você. - Franzi a testa enquanto falava, sem estar animada.

Era verdade. Nos conhecemos em um dia que nunca esquecerei: o dia do funeral do meu pai. Madeleine não pôde vir, então enviou sua assistente. Lembro que ela estava um pouco perdida e não sabia o que fazer quando tive um colapso nervoso e não deixei que levassem ele embora. Foi terrível. Era um dia nublado, não havia muitas pessoas lá, apenas Matthew e Summer. Ela me comprou um sorvete, o brinquedo mais caro da loja, acariciou minhas costas e disse que a dor passaria com os dias. Não posso culpá-la, afinal. Ela não deveria estar lá. Madeleine deveria estar lá.

  • Ela cresceu tanto! Preparamos todos os tipos de menus para você, desde panquecas até salada de frutas. Temos bolo, suco de laranja...

Caminhei em direção à cozinha, que ainda era a mesma. Continuei olhando cada detalhe. Esse espaço me enchia de memórias, boas e ruins... meu pai... lembro do meu pai. Senti meu estômago se revirar ao inalar o cheiro de café.

  • ... tudo foi preparado agora - acrescentou Summer. Eu nem percebi que ela ainda estava falando, até que meu enjoo matinal me pegou de surpresa.

  • Sim... - coloquei a mão sobre a boca. A mesa estava cheia, com todos os tipos de pães, bolos e panquecas. - Muito obrigada, deve ter dado muito trabalho cozinhar tudo isso...

Ela soltou uma risada histérica. - Não, eu encomendei tudo esta manhã.

Ah, certo.

  • Prefiro não comer nada. Estou cansada, se não se importa, vou para o meu quarto.

  • Madeleine não vai gostar nada disso - ela respondeu.

  • Olha - eu disse. - Você não precisa fingir ser minha mãe. --- Bufei, bati os pés e subi as escadas.

Passei o dia inteiro pensando no que ia fazer. Vivian estava certa, não havia como sair dessa situação sem cometer um aborto. Esperava que pelo menos uma delas me ligasse e me ajudasse, de alguma forma, pelo menos com uma palavra amiga. Que tolice a minha. Que tipo de apoio elas dariam a uma amiga mentirosa?

Sentei-me na pequena cama que era minha quando criança e tirei a caixinha onde guardava fotos, olhando cada uma. No verão antes da doença do meu pai, ele me deu um ursinho de pelúcia. A foto me mostrava feliz segurando-o ao redor de uma árvore de Natal. É uma das poucas boas lembranças que tenho antes de ele adoecer. Folheei cada foto, sentindo as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. As memórias eram dolorosas, por isso nunca voltei. A casa me lembrava mais coisas ruins do que boas. Momentos depois, coloquei tudo no lugar e deitei desconfortavelmente na cama.

Tive uma noite terrível. Summer bateu algumas vezes na porta e jantamos juntas na grande mesa de jantar. Madeleine, por outro lado, não apareceu. Senti pena de Summer, ela tinha arrumado tudo. Mesmo que a comida tivesse sido comprada, ela teve o trabalho de arrumar a mesa. Mas, pelo visto, ela não se importava quando minha mãe cancelava o jantar. Percebi que isso era algo a que ela estava acostumada. Ser pisada por Madeleine.

  • Ela está muito ocupada - disse, sentando-se em seu lugar. - Mas, uma vez que você for para Nova York, vocês poderão passar mais dias juntas. - Ela sorriu docemente.

Mais tarde, quando subi, meu celular vibrou na cômoda. Atendi imediatamente, era Alice.

  • Err... uh... Nicole... É só que... um...

  • Oi, Alice - respondi sem graça.

  • Olá, querida. Ela suspirou então. - Não posso ficar muito tempo no telefone, estou dirigindo. - Ela abafou um sorriso. - É só que, se você ainda quiser resolver isso...

Demorei um pouco para entender o que isso significava.

  • Ah... uh... o b... b... - acrescentei desajeitadamente.

  • Sim... err... não vou enrolar, Luck está saindo da cidade para acompanhar o pai na campanha. O que significa que, se você não falar com ele hoje, provavelmente não conseguirá. Eles reabriram a mansão para um coquetel da campanha política do pai. É só para membros do partido, mas acho que ele não terá problema em entrar lá. Depois disso, ele vai embarcar. Se quiser, posso ir com você.

  • Agradeço, Alice. Isso é importante para mim. Quero dizer, sua ligação. Sua ajuda... - Corei, como se ela pudesse ver meu nervosismo do outro lado da linha.

  • Está tudo bem, Nicole, somos amigas e isso nunca vai mudar. Vivian... ela é difícil, passou por muita coisa, mas não deveria ter te tratado assim.

  • Você a viu? - perguntei, quase sem fôlego.

  • Não - ela riu. - Ela não atende minhas ligações.

  • Sinto muito, Alice, não queria te chatear assim.

  • Não. Não se desculpe pelo temperamento da Vivian, só dê um tempo a ela. E sobre o Luck, se quiser, posso te acompanhar.

  • Agradeço muito, mas preciso ir sozinha.

  • É... eu entendo. Só não esqueça que estou aqui.

  • Nunca - sussurrei.

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