




Cecilia
Dias atuais
"Você não pode fazer isso," gritei para o homem atrás do balcão. Meu gerente há anos.
"Desculpe, Cecília, é uma ordem de cima, você sabe que eu também preciso desse emprego," ele implora.
"Você é sujo como eles. Você sabe muito bem por que estão me demitindo," gritei. Tirei meu avental e joguei na cara dele, saindo correndo e batendo a porta.
Saí de cabeça erguida até virar a esquina, não sabia como seria daqui para frente. Moro aqui em Florença há três anos e sempre consegui me sustentar com meu trabalho e, às vezes, com a ajuda da Camille, uma amiga que fiz assim que servi meu primeiro café gelado, e acabou sendo ela.
Camille é uma mulher linda, loira, alta, de olhos claros e um corpo muito diferente do meu, ela parece uma top model brasileira. No dia do incidente do café, ela me defendeu e, desde então, nos tornamos amigas, ela sabe tudo sobre mim e eu sobre ela.
Camille sempre tenta me ajudar com dinheiro, mas eu não aceito, desde pequena aprendi a me virar sozinha, não posso colocar minha segurança nas mãos de ninguém. A última vez que baixei a guarda resultou nisso, drogada e agora sem emprego. Porque o filho da mãe é o dono da lanchonete onde trabalhei por 2 anos, nunca levei suas investidas a sério, pois ele sempre parecia brincalhão, mas eu já devia ter aprendido que homens não prestam. Para me fazer ficar quieta, ele me demitiu, eu devia ter denunciado. Mas não tinha provas, ele não me forçou a entrar no carro dele, então quem acreditaria na garçonete gorda? Todas as noites tenho pesadelos com fragmentos de memórias do que aconteceu na noite em que fui drogada, e é tão doloroso me sentir assim, estúpida e suja. Isso aconteceu há 1 mês, mas durante esse tempo não tive paz, 1 mês sob constantes ameaças dele, que fazia isso só com o olhar. Eu tremia toda vez que ele se aproximava de mim, talvez essa demissão não fosse tão ruim afinal. Eu poderia manter distância agora.
Chego ao meu quarto e finalmente me permito chorar, sem dignidade e agora sem emprego, me jogo na cama e choro até adormecer.
Acordo ao ouvir uma batida na porta, começo a me levantar e meu colar me prende, tinha esquecido de tirá-lo para dormir, ele raramente sai do meu pescoço, só quando estou tomando banho ou dormindo, sempre o mantive escondido para não ter que responder perguntas. Ele é a lembrança de uma noite mágica, a única que lembro em toda minha vida, na verdade, gostaria de lembrar mais e talvez vê-lo novamente, só para poder memorizar suas expressões, porque ainda lembro dos seus gemidos.
Abro a porta e vejo Camille com um olhar preocupado, possivelmente ela já sabia o que aconteceu na cafeteria.
"O que houve? Fui te procurar lá e não te encontrei, me disseram que você foi demitida," ela questionou.
"Não sei, simplesmente não me queriam mais," menti. Não queria contar para ela, era muito constrangedor para mim e também já fazia um tempo, só queria esquecer.
"Isso não me parece certo, podemos ir lá e exigir seus direitos," ela disse irritada.
"Não, não quero nada daquele homem ou daquele lugar," eu disse. Só queria me afastar de tudo aquilo.
"Tá bom então, mas não concordo com isso e acho que você está escondendo algo de mim," ela disse.
"Eu só não quero ter que voltar lá," eu disse e era verdade. "Vou encontrar outro emprego, e não vai demorar muito para eu terminar minha faculdade."
"Tá bom," ela disse, se jogando na minha cama. "Tenho uma novidade para te contar."
"Você sempre tem algo interessante para dizer," eu disse. Camille era um poço sem fundo de novidades. "Conte, talvez me anime um pouco."
"Vou me casar e você será minha madrinha," ela disse naturalmente.
"O quê? Eu não sabia que você estava namorando?" questionei incrédula. "Como pode esconder algo assim de mim?"
"Você está louca? Claro que não esconderia isso de você, é coisa do meu pai e ele acabou de me contar e você foi a primeira a saber," ela se defendeu, ainda parecendo muito calma para mim.
"Como assim, coisa do seu pai?" perguntei, ainda sem entender.
"Já te expliquei, é uma coisa de família," ela disse calmamente. Finalmente caiu a ficha.
Eu não entendia como uma pessoa poderia se casar e passar a vida com alguém só porque o pai escolheu, mas ela já tinha me explicado essa coisa de máfia, sendo filha de um chefe, ela tem obrigações a cumprir, então não cabe a mim julgar.
"Você não vai me dizer nada?" ela questionou.
"Eu não entendo, mas é sua escolha," eu disse, tentando parecer natural.
"Não é assim, não há escolha, mas serei bem tratada por ele. Vou me mudar na semana que vem," ela disse sorrindo. Eu não podia acreditar que ela estava feliz. "Você vai me ajudar a arrumar tudo?"
"Não posso, vou começar a procurar um emprego, tenho que pagar o quarto na semana que vem," eu disse e vi ela ficar triste. "Mas vou te ajudar a se instalar na casa nova," - recebi um grande sorriso dela.
Camille é minha única amiga, a única que se importa comigo, mesmo sendo proibido, ela se importa comigo.
Ela falou sobre a família dela ser a máfia e o que isso significava. No começo, fiquei apavorada, mas depois pensei um pouco, ela nunca me fez mal, então não seria tão ruim ter ela como amiga mafiosa. Eu nunca poderia contar ou demonstrar que sabia o que eles estavam fazendo, muitas vezes fui à casa dela, mas nunca demonstrei o que sabia para o pai dela, nem o que ele fazia no porão, e se algum dia eu fosse paga, teria que negar até a morte.
"Durante essa semana não vou poder te ver, mas vou te ligar todos os dias, tá?" ela perguntou.
"Sem problema, vou passar a semana inteira procurando emprego," - eu disse.
"Tenho que ir agora, mas te ligo amanhã, se cuida." - ela disse e pulou no meu colo. Fui até a porta com ela e depois fechei.
Camille tem 25 anos, mas nem parece, parece mais uma moleca. Sempre feliz com a vida, mesmo tendo nascido em berço de ouro, ou na máfia, ela insiste em trabalhar, tem sua marca de joias, que está crescendo cada vez mais. Tenho muito orgulho de tê-la como amiga.
Uma semana depois
Hoje faz uma semana que estou tentando conseguir um emprego, mas aquele filho da mãe fez todo mundo no bairro me queimar. Andei até chegar a um parquinho infantil e lá caí sentada no chão, não aguentava mais andar e receber não, parecia que tinha voltado à adolescência, onde todos achavam que podiam me humilhar, acho que chorei tanto que chamei a atenção de algumas pessoas, inclusive de um rapaz.
"Moça, você está bem?" - perguntou uma voz grossa e casual atrás de mim.
"Não, não estou bem. Ninguém quer me dar um emprego, não tenho mais onde morar e para piorar tudo, minha amiga vai se casar e vai morar longe de mim. Vou ficar sozinha no mundo de novo," eu disse tudo de uma vez.
"Uau, sua vida está uma merda," a voz disse atrás de mim com um pouco de surpresa.
Virei-me lentamente para ele, ele se abaixou e enxugou minhas lágrimas com um lenço.
"Não te conheço, mas uma mulher bonita como você não deveria chorar assim," ele disse, olhando para mim com grandes olhos verdes que poderiam hipnotizar qualquer um. "Vamos, vou te comprar um café."
Eu não me movi, já tinha confiado demais em homens bonitos e esse era lindo, com um olhar inocente e olhos que me davam tranquilidade, isso seria um problema muito maior. Como se tivesse lido minha mente, ele falou.
"Prometo não te tocar," ele disse. Eu olhei para ele, mas não tinha problema em sair com ele, afinal, havia muitas pessoas na rua.
"Sem café, eu preciso de uísque," ele disse e eu recebi um sorriso de derreter calcinha dele.
Ele estendeu a mão para eu pegar, quando peguei senti uma corrente de eletricidade passando pelo meu corpo, que me deu arrepios, e notei que ele também sentiu a mesma coisa, porque os pelos dele também se arrepiaram.
"Meu carro está bem perto, meu motorista nos levará a um bar que eu conheço," ele disse. Eu assenti, eu poderia estar em perigo, mas não sei por que não estava seguindo meu lado racional, estava mais no lado irracional, e quando faço isso sempre quebro a cara e geralmente meu coração.
Eu o segui até o carro dele que estava na esquina, ele abriu a porta para mim e eu entrei, na frente estava o motorista que parecia um brutamontes.
"Então, qual é o seu nome?" ele perguntou.
"Cecília Rodrigues e o seu?" - perguntei, sorrindo para ele.
"Antonio Salvatore ao seu dispor," ele disse sorrindo. Eu retribuí o sorriso, algo dentro de mim queria quebrar a cara de novo porque é isso que sempre acontece quando confio em alguém.