




Prólogo
Na manhã do seu décimo oitavo aniversário, Paul MacKenzie acordou com a firme decisão de que essa seria a última vez que abriria os olhos no quarto improvisado e lotado que também servia como sótão na casa de seu padrasto. Ele pegou a mochila azul desbotada com alças cinzas que usou em uma viagem de acampamento na oitava série e a encheu com os poucos pertences que lhe restavam, que consistiam em nada mais do que jeans velhos e camisetas gastas com meias que estavam milagrosamente inteiras pela graça de Deus.
Ele caminhou pelo labirinto de móveis velhos ou quebrados que seu padrasto havia cruelmente enchido o sótão em vez de se livrar deles, até chegar ao seu alvo: um colchão velho que havia sido deixado encostado em uma parede onde ele uma vez pendurou um mapa do mundo. Paul enfiou a mão em um corte sutil que havia feito no colchão irregular, tateando até sentir um envelope que havia escondido dentro.
O conteúdo do envelope eram seus bens mais valiosos; o único dinheiro que ele conseguiu esconder do homem perverso que exigia cada centavo que ele ganhava nos últimos cinco anos como forma de gratidão por fornecer um teto sobre sua cabeça e uma fotografia antiga.
Paul olhou dentro do envelope branco frágil para se certificar de que todo o dinheiro estava lá, assim como a última foto restante de seu falecido pai; a única que seu padrasto não havia destruído ou deletado por ciúmes bêbados ao longo dos anos.
Paul enfiou o envelope na mochila e olhou no espelho da antiga penteadeira de sua mãe para pentear seu cabelo preto curto, no entanto, quando olhou para o reflexo de um jovem triste, mesmo com as luzes apagadas, ainda podia ver o olho roxo e inchado que havia ganhado na noite anterior quando seu padrasto o socou.
Paul decidiu ali mesmo que não ficaria um momento a mais do que o necessário.
Ele pegou a mochila do velho colchão de solteiro que estava no chão, marchando decididamente para fora do sótão e descendo as escadas para sempre.
O dia estava apenas começando, a luz do sol ainda não havia iluminado a casa com muito brilho. Tudo ainda estava apagado e cinza. Ele desceu as escadas do segundo andar e, uma vez no andar principal, dirigiu-se à cozinha.
Mesmo agora, enquanto estava saindo, a natureza o compeliu a sair pela porta da cozinha em vez da grande entrada da frente. Todos esses anos sendo forçado a usar a "entrada dos empregados" haviam se entranhado nele de tal forma que agora era um hábito.
Ao se virar para a cozinha, ele notou que a luz estava acesa e instintivamente soube que sua mãe estaria esperando por ele lá. Ele prendeu a respiração, esperando que ela tivesse mudado de ideia e fosse com ele.
Ele correu para a cozinha, mas assim que entrou no cômodo, percebeu imediatamente que havia sido tolo em ter esperança.
Ellen Worthington se levantou assim que o viu. Lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto, que ela limpou com a manga do seu roupão rosa.
"Não sei por que, pensei que você não estava falando sério sobre ir embora." Ela sussurrou.
Paul olhou para sua mãe sem emoção.
Com a luz acesa, não havia como esconder o fato de que seu marido havia colocado as mãos nele no dia anterior. Isso era algo que ele começou a fazer no dia em que Paul completou treze anos. Algo que sua mãe tinha muito medo de impedir porque seu marido havia servido nas forças armadas junto com alguns dos oficiais de polícia de Apple Bay.
Paul apertou o aperto nas alças cinzas da mochila. "Eu tenho que ir. O ônibus está saindo em breve." Ele mentiu. Ele não tinha ideia, nem um plano sobre para onde estava indo ou o que faria. Ele imaginou que decidiria assim que chegasse à estação de ônibus. O custo era tudo, pois sabia que o dinheiro que havia economizado arduamente nos últimos cinco anos acabaria rapidamente.
Ele deu um passo em direção à porta, parando rapidamente. Sabia que se arrependeria se não tentasse uma última vez. "Você tem certeza de que não vai comigo?" Ele perguntou à mãe, com a voz trêmula.
Ellen Worthington envolveu seu filho em seus braços. Ela começou a soluçar.
"Meu filho," ela chorou. "Meu menininho. Eu não posso." Ela sussurrou através de novas lágrimas. "Eu não posso tirar sua irmã dele."
Ele sentiu a umidade das lágrimas dela ardendo contra sua bochecha. Mesmo que seu coração estivesse se partindo, ele manteve as mãos ao lado do corpo.
"Mãe, eu tenho que ir." Ele repetiu.
Ellen deu-lhe um último abraço antes de se afastar lentamente. Ela caminhou até os armários, puxando um pequeno recipiente de café de uma das prateleiras. Ela fechou a porta lentamente com um suspiro.
A mãe de Paul caminhou até ele, segurando o recipiente como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.
"Todo o dinheiro que ele tirou de você," Ellen sussurrou. "Eu tirei da nossa conta bancária quando ele estava dormindo após uma bebedeira." Ela estendeu os braços, oferecendo-lhe o pequeno recipiente. "E um pouco mais."
Paul olhou para o recipiente e depois para sua mãe.
Lágrimas escorriam furiosamente dos olhos dela. "Você sabe que eu não quero que você vá, mas não posso mais pedir para você ficar." Ela agarrou o braço dele, empurrando seu cofrinho improvisado em suas mãos. "Leve isso como pagamento por não ser a mãe que você merecia."
Com essas palavras, Paul enfiou o recipiente junto com o resto de seus pertences e saiu apressado da casa.
Quando chegou à estação de ônibus, pediu uma passagem só de ida no primeiro ônibus saindo de Apple Bay; ele não prestou atenção ao destino. Ele não se importava para onde o ônibus estava indo, contanto que fosse para longe dali.
Às sete e meia da manhã, o ônibus foi embarcado e começou a sair da estação. Paul olhou pela janela, observando sua idílica Apple Bay pela última vez. Cada casa que passava, cada comércio, cada árvore, cada pessoa - todos guardavam memórias para ele, boas e ruins.
Pelo amor que tinha por sua querida Apple Bay, Paul sabia que precisava ir embora antes que sua amargura crescesse demais e ofuscasse todos os bons sentimentos que tinha.
Quando o ônibus passou por seu bairro, ele notou uma pequena figura familiar caminhando na direção de sua casa, segurando um recipiente de bolo na frente dela, exibindo um bolo caseiro com cobertura azul.
Sem perceber, Paul sorriu afetuosamente para a melhor amiga de sua irmãzinha. Serena Ellison era a única que nunca esquecia seu aniversário.
Ele suspirou profundamente, lamentando o vínculo que estava rompendo com ela ao partir.
Ele sentiria mais falta de Serena Ellison, pois ela havia sido seu anjo pessoal todos esses anos.