




Capítulo 1
Beverly Hills - Califórnia
Ponto de vista de Ariel
"ARIEL! ACORDA, SUA VADIA!" - Ouvi os gritos do meu pai, seguidos pelos fortes golpes na madeira da porta. "QUERO MEU CAFÉ EM MENOS DE VINTE MINUTOS!"
Pensei que esses eventos vinham de um pesadelo insistente, do meu subconsciente. Mas, tendo acabado de acordar, fiquei assustada, não pelo escândalo, mas porque ainda não tinha me acostumado com as mudanças de humor do meu pai. O último golpe foi um chute que me fez pular da cama. Céus! Pobre porta!
Meu pai se chamava Roberto Smith, um empresário fracassado que faliu sua própria empresa quando se viciou em jogos de azar, bebida e drogas. Infelizmente ou felizmente, já fazia seis anos que éramos só nós dois na casa. É quase inacreditável pensar que antes, muito antes de ele se tornar uma pessoa insuportável, tudo era diferente, porque minha mãe ainda estava viva. Éramos uma família tradicional, como as famílias dos comerciais de margarina: unida e feliz. Meu pai era loucamente apaixonado pela minha mãe que, para ele, era a maior referência de amor e luz em sua vida. Ele a tratava como uma flor, com muito amor e carinho, e até comigo, ele não era muito diferente. Mas quando descobrimos que ela tinha câncer em estágio quatro, sem possibilidade de tratamento ou cirurgia, meu pai se transformou, incapaz de aceitar que iria perdê-la.
Quando recebemos a notícia da morte dela, entramos em um luto profundo do qual meu pai nunca saiu, transformando-se em outra pessoa, um verdadeiro canalha sem escrúpulos.
No início, pensei que era apenas uma das fases do luto e que passaria. Acreditei que juntos encontraríamos forças para superar a morte de quem amávamos tanto e que, acima de tudo, meu pai continuaria presente na minha vida e cuidaria de mim. Mas, em menos de um mês, percebi que ele estava afundando e talvez não houvesse volta. Ele abusava do álcool e da cocaína, frequentava lugares errados e, em dois meses, começou a chegar em casa coberto de sangue e machucados. Mas, a verdadeira queda começou com o problema de jogo dele. Como eu sabia? Havia vezes em que homens estranhos vinham à casa atrás dele, me avisando que se ele não pagasse suas dívidas, ele morreria. Nesse ponto, eu até esperava que ele percebesse a extensão do mal que estava fazendo, não só a si mesmo, mas também a mim! Claro, eu estava errada e aquele tempo sombrio durou seis anos, até então.
Durante esse tempo, testemunhei a falência da empresa e o acúmulo de dívidas e, aos 16 anos, fui forçada a procurar um emprego, porque, segundo suas palavras severas: "Precisa de dinheiro? Então... trabalhe!". Incapaz de trabalhar em tempo integral, busquei oportunidades de meio período, dividindo minha vida entre estudar e ganhar a vida.
Passei por momentos difíceis, tive noites sem dormir, atormentada pelo medo e pela fome e, várias vezes, pensei em desistir dos meus sonhos. Mas, eu não desisti. Desistir não era uma opção. Cheguei a trabalhar em dois empregos, me esforçando muito e, na maioria das noites, indo para a cama com apenas quatro horas antes da primeira aula começar. Sobrevivendo ao estresse, à fadiga e à fome, consegui concluir o ensino médio. Minhas notas me permitiram entrar na faculdade e, motivada e ajudada por Giovana e Noah, meus melhores amigos, coloquei minha vida nos trilhos, conseguindo até comprar um carro. Aos 24 anos, estava fazendo residência no Hospital Universitário em Los Angeles.
O relógio marcava 4 horas da manhã. Olhar para os ponteiros me causava sentimentos de desespero e angústia, ainda mais por ter acordado de forma tão excitante. Ainda processando por que diabos eu tinha que sair da cama, fui me arrastando até o banheiro. A contragosto, entrei em um banho quente. Expulsei a preguiça, deixando claro para minha mente que eu iria trabalhar, e que não era qualquer trabalho, mas o que eu sempre quis e tinha orgulho de dizer que era meu! Minha mãe, antes de morrer, sabia exatamente o que eu queria, então me incentivou a sempre lutar pelos meus objetivos. Eu não deixei meu pai, aquele que deveria me apoiar acima de tudo, destruir meus sonhos. E olha, não faltaram oportunidades para isso.
Ao voltar para o quarto, após gloriosos cinco minutos de banho, ainda enrolada na toalha, arrumei minhas coisas e, orgulhosamente, separei o jaleco branco. Embora já fizesse seis meses desde o início da residência, eu ainda não acreditava que estava realizando aquele desejo. Eu sabia que minha mãe ficaria muito feliz e contente vendo meu progresso.
Pronta para o trabalho, saí do quarto, desci e deixei minha bolsa no sofá da sala. Mas, ainda havia uma tarefa a cumprir, fui para a cozinha preparar o café da manhã do meu pai.
Quando Roberto faliu a empresa, imaginei que, para manter a casa, ou até mesmo sustentar seus novos 'hobbies', ele procuraria um emprego, mas ele simplesmente aceitou a derrota e fui eu quem sustentou a casa desde então.
Enquanto me ajustava à nova vida de trabalho e estudos, algumas coisas na casa se deterioraram e levou um tempo para eu restabelecer um lar decente.
Peguei o café e as panquecas e deixei na mesa. Para mim, fiz algumas torradas e passei um pouco de creme de avelã. Calmamente, certifiquei-me de que as chaves da casa e do carro estavam na minha bolsa e estava prestes a sair quando ouvi a voz do velho:
"E meu café, onde está?"
"Na mesa," respondi, sem olhar nos olhos dele.
"E as panquecas?"
"Junto com o café."
"Mas e a calda? Você não espera que eu coma panquecas sem calda, espera?"
Respirei fundo, para não explodir a essa hora da manhã, e segurei minhas palavras. Virei-me, para responder olhando nos olhos dele.
"A calda acabou e eu ainda não recebi meu salário."
"De que adianta fazer panquecas se não tem calda? Era melhor não ter feito."
"Se você ajudasse com as despesas da casa, talvez as coisas não faltassem!"
"Estou velho para isso, e nada do que você está fazendo se compara ao que eu fiz por você quando era criança."
"Acredito que fiz mais por você do que o contrário, ou você esqueceu quem te salvou da overdose?"
"Você está se achando por ser médica, não é?" Ele me perguntou, com desdém, me olhando de cima a baixo — vai trabalhar já?
Ignorando sua zombaria, momentaneamente voltei minha atenção para minha bolsa e tirei as chaves do carro, depois me virei para encará-lo. Com o cabelo bagunçado e a postura de um homem derrotado, ele permaneceu em frente à mesa.
"Meu 'trabalhinho' paga nossas contas e me ajudou a comprar isso" — disse, mostrando a chave do carro — "Além disso, eu salvo vidas e, por mais que eu ame cuidar das pessoas, sou paga por isso. Prefiro esse 'trabalhinho' a beber dia após dia, usar drogas, me misturar com pessoas de natureza duvidosa e acabar meus dias assim!"
Ignorando seu olhar mortal, saí de casa.
"Você deveria estar começando seu próprio negócio e não apenas sendo uma médica qualquer."
"Você, me dando grandes conselhos?" Você já foi empresário e faliu sua própria empresa com seus vícios e jogos de azar. Você não tem moral e nem direito de comentar sobre minhas escolhas de carreira. Eu ainda sou alguma coisa, e você? O que é?
"Sua vadia..."
"Bom dia!" Eu disse, batendo a porta antes que ele continuasse com seus insultos.
Algo que eu não era e nunca serei é vadia. Eu nem sou uma festeira ou saio com vários homens para ser chamada assim. E mesmo que tivesse esse costume, pelo que sei, vadia é quem não faz nada. Esses insultos eram frequentes e, por mais que eu quisesse sair daquela casa e cortar essa rotina fatídica, eu não conseguia. Além de não ter oportunidade ou tempo para encontrar um lugar para mim, eu tinha medo de deixá-lo sozinho e acabar recebendo a notícia de que ele tinha morrido. O que não deveria ser uma preocupação para mim, já que ele me tratava como se eu não fosse nada.
Pelo menos, eu tinha dinheiro para sair com Giovana e Noah às vezes, embora nas últimas vezes que fui, eu era a única sóbria e não conseguia 'aproveitar', achando o lugar barulhento.
Entrei no carro e coloquei meu destino no GPS, que, calculando a rota e o trânsito, definiu a hora de chegada para sete e meia. Apesar de tudo, eu sempre saía de casa na hora certa. Ainda abalada pela discussão, segui meu destino.
A perda da minha mãe foi forte para Roberto, ele a amava muito, mas isso não justificava os maus-tratos e o desprezo que ele tinha por mim. Seis anos após a morte dela, ainda estávamos nessa situação e eu deveria ter me acostumado, mas acreditava que nunca me acostumaria. Acho que ninguém se acostuma com o desprezo de quem deveria ser seu alicerce. Ainda mais naquela época... Maldita TPM!
Aproveitei o semáforo fechado para distrair minha mente ligando para Giovana. Deslizei os dedos sobre o celular no suporte e disquei o número dela. O sinal abriu e comecei a acelerar. Finalmente fui atendida.
"Hm!? Ouvi ela resmungar sonolenta."
"Bom dia, raio de sol! Cantei alegremente, fingindo que a discussão com meu pai nunca aconteceu."
“Ariel, como você pode estar tão animada às seis da manhã? Pelo amor de Deus, Valente, eu quero dormir!
Sorri. Esse apelido foi dado a mim por ela e Noah, que achavam que eu parecia uma princesa da Disney. Embora tenhamos histórias completamente diferentes, compartilhávamos o lindo cabelo ruivo, com cachos rebeldes e muito indomáveis.
"Você não trabalha hoje?" Perguntei.
"Trabalhei horas extras, então meu chefe me deu folga. Preferia acordar só depois das onze, mas alguém, cujo nome não vou dizer, decidiu me tirar dos meus sonhos eróticos!"
Revirei os olhos e sorri.
"Pelo amor de Deus, Valente! Aquele pedaço de mau caminho ia me mostrar o que tinha debaixo das cuecas! Não podia ter me ligado mais tarde? Sei lá... umas três horas até eu terminar o que ia fazer?"
"Você precisa de um homem..." Eu disse, enquanto focava na estrada.
Por um breve momento, pensei em contar a ela sobre a discussão que tive.