




Capítulo 2
Nyla
Aeroporto Internacional O'Hare. A última vez que estive aqui foi para partir depois do funeral do meu pai. Já faz quase um ano, e a cada dia fica um pouco mais fácil. Escolhi o momento perfeito para viajar. Todo mundo já voltou para casa, para a escola e o trabalho, bem antes das festas de fim de ano.
Chicago é o meu lar. É um lugar cheio de diversidade e com algumas das melhores artes que já vi. Nova York tem seu próprio charme, mas Chicago é incomparável. A área de retirada de bagagens deve ser o inferno dos aeroportos. Peguei minhas malas, coloquei-as no carrinho e fui para a saída pegar um táxi. Precisava de um que me levasse às torres da Magnificent Mile. Minha casa longe de casa... agora, minha única casa.
Depois de pegar um táxi, mandei um snap para a Molly avisando que estava bem e a caminho de casa. Já estava com saudade dela, queria que ela tivesse vindo comigo. Mas se ela tivesse largado o negócio dela por minha causa, eu nunca me perdoaria. Se eu pedisse, ela teria vindo. Mas eu jamais pediria.
O trânsito não estava tão ruim quanto em Nova York, mas, caramba, odeio engarrafamento. Eu precisava de um carro voador. Sorri enquanto lia a mensagem da Molly: "Isso vai ser bom pra você, e você pode voltar pro seu trabalho." Pintar era algo que abandonei depois que meu pai faleceu. Parti para Nova York achando que seria descoberta, e deixei ele aqui com a promessa de que sempre voltaria. Sinto que isso faz parte dessa promessa. "Chegamos", disse o taxista enquanto saía do carro para pegar minhas malas.
O porteiro me ajudou com as malas, e parei na recepção de segurança para pegar a chave que tinha solicitado mais cedo. "Não dá pra pagar por um dia de setembro mais bonito que esse", disse o porteiro. Eu apenas sorri e olhei para o crachá dele. Xavier; um jovem alto, moreno e bonito, provavelmente com 22 anos. No máximo 24. Pra mim, ele parecia um garoto. Senti que ele me olhava de cima a baixo. Não me importei com a atenção, mas isso é o mais perto que ele vai chegar. O elevador apitou, saí e caminhei até o apartamento 529. Coloquei a chave na porta e me virei para o Xavier com uma nota de 20 dólares na mão. "Obrigada, a partir daqui eu me viro", falei enquanto estendia o dinheiro pra ele pegar. Ele sorriu e seguiu em direção ao elevador. Puxei as malas pra dentro e acendi as luzes. Soltei um suspiro. "Tá, então cheguei. E agora?" pensei.
Abri as cortinas que iam do chão ao teto e fiquei olhando as luzes, as pessoas e os carros passando lá embaixo. Fui até a cozinha, com armários de madeira cerejeira, eletrodomésticos de inox e uma bancada pra café da manhã. Precisava comer alguma coisa. Por que eu sequer me dei ao trabalho de olhar? Faz quase um ano desde a última vez que estive aqui. Graças a Deus, achei uma garrafa de vinho. Servi uma boa quantidade na minha taça e fiz uma lista, com compras de supermercado no topo, e talvez comprar alguns materiais de arte logo depois.
Meu celular começou a vibrar no balcão com uma notificação de mensagem. Eu peguei o aparelho e dei uma olhada na tela. Fiquei imediatamente irritada por não ter bloqueado aquele idiota antes; era o Sullivan.
"Como você está, Nyla?" Li a mensagem provavelmente cem vezes, e a raiva que eu vinha segurando estava prestes a explodir. Respirei fundo duas vezes, fui até os contatos e bloqueei o número dele de vez. Enquanto fazia isso, gritei: "Vai se ferrar!"
Tirei os sapatos e comecei a desfazer as malas, enchendo o armário com minhas coisas. Isso deveria ser um ritual para todo mundo: desfazer as malas com uma garrafa de vinho. Talvez eu pagasse por isso de manhã, mas me ajudou a passar pela noite.
Acordei com o sol batendo no meu rosto. Não tinha fechado as cortinas. Desmaiei no sofá, com a perna esticada e o batom borrado na gola da minha própria camisa. Olhei para o celular para ver as horas; já era tarde, início da tarde.
Depois de trocar mensagens com a Molly por uns quarenta minutos, entrei no banho e me arrumei para o dia. Puxei meu cabelo para trás em um rabo de cavalo trançado e bem feito, que caía uns cinco centímetros abaixo da minha omoplata. A trança combinava perfeitamente com meu vestido creme, justo, de manga longa, que ia até o meio da coxa. Ele abraçava cada curva do meu corpo na medida certa. Completei o visual com botas pretas de cano alto até a coxa e uma bolsa de couro preta da Michael Kors.
Agendei um Uber e saí pela porta. O elevador chegou pontualmente, e eu estava sozinha enquanto ele descia. Acenei para o segurança enquanto caminhava até o porteiro, que segurava a porta aberta para mim. Saí do prédio e olhei para o celular para me lembrar do motorista que viria me buscar. Justo quando estava olhando para baixo, um carro preto de luxo parou, e um homem mais velho, de rosto pálido, saiu do veículo.
Eu o observei enquanto ele contornava o carro para abrir a porta traseira. Quando ele abriu, um sapato social cinza-carvão apareceu e tocou o asfalto preto como breu. Tudo parou por um instante, até que tudo ao redor desapareceu. Tudo, exceto ele. Com o telefone no ouvido e óculos escuros aviador combinando com seu terno azul-marinho de abotoamento duplo. Eu observava enquanto sua boca se movia, e respirei fundo quando a brisa de setembro atravessou o tecido do meu vestido.
Naquele momento, eu podia sentir o calor da respiração dele soprando bem no fundo de mim. Era como se eu estivesse pegando fogo, e minha pele estivesse queimando. Ele estava ali, impassível, alheio à conversa que meu corpo estava tendo com ele.
"Senhorita, ainda precisa de uma carona?" perguntou uma mulher magra, com dreads bem arrumados. Ele olhou na minha direção e lançou um sorriso, do tipo que se dá a um estranho, mas, nesses vinte segundos, eu tive fantasias com aquele sorriso. Ele sorrindo para mim depois que eu... Bem, depois que eu me entregasse completamente àquela boca perfeita dele. Eu estava sem fôlego e inquieta, sentia como se carregasse uma bola de boliche dentro da minha calcinha só por causa daquele sorriso.
Eu me virei para o motorista do Uber, entrei no banco de trás e disse: "Desculpa, eu só estava..." Minha voz soava como se eu tivesse acabado de correr uma maratona, eu estava ofegante, quase sem fôlego. "Você está bem?" perguntou ela.
"Estou bem, obrigada. Me leva pro Treasure Island, por favor," respondi enquanto olhava pela janela traseira, tentando enxergar ele. Ele tinha sumido, e eu queria que tivesse levado essa bola de boliche com ele.
Mandei uma mensagem pra Molly pra avisar que estava saindo. Estava sozinha na cidade e queria que alguém soubesse que eu estava segura. Assim que cliquei em enviar, um número desconhecido piscou na tela do celular.
"Alô?" falei, hesitante, esperando ouvir a voz do outro lado da linha.
"Nyla, ONDE VOCÊ ESTÁ?" Era Sullivan, e a voz dele estava cheia de pânico.
Ele deve ter percebido que eu saí do loft. Não falei nada; só desliguei. Onde eu estou? Como ele tem coragem! Fazia três dias inteiros, três dias malditos, que eu esperei ele voltar depois de pegar as coisas dele.
Se não fosse pela Molly, eu provavelmente ainda estaria esperando por ele naquele armário. Se ela não tivesse aparecido na hora certa, eu ainda estaria lá, esperando por ele. Graças a Deus ela veio e trouxe as fotos que selaram de vez a situação.
Fiquei olhando pela janela e vi os meninos dos baldes batendo nos seus tambores improvisados. Sempre gostei do jeito que eles tocavam. Seria uma ótima adição pra qualquer banda de percussão. O celular vibrou na minha mão, e eu olhei pra tela.
"Amor, me desculpa. Por favor, volta pra casa, eu errei." Li a mensagem com nojo e bloqueei aquele número também.
"Qual é a melhor operadora de celular aqui?" perguntei pra Cynthia, minha motorista do Uber.
Ela me olhou pelo retrovisor e disse: "A T-Mobile é a melhor."
Nossos olhares se cruzaram, e eu falei: "Me leva lá primeiro."
Ela assentiu, e eu desliguei o celular. Cynthia me levou pra T-Mobile, depois pro Treasure Island e, por fim, pra casa. Xavier estava esperando do lado de fora do prédio. Ele correu até o carro pra abrir a porta quando percebeu que era eu. Agradeci a Cynthia por me levar de um lado pro outro. Ela disse pra eu chamá-la sempre que precisasse, e eu chamaria mesmo. Ela fazia um bom trabalho. Conhecia todos os atalhos e não ficava reclamando o tempo todo do trânsito.
Xavier me ajudou até a porta do apartamento e, dessa vez, deixei ele me ajudar a colocar as sacolas na cozinha. Agradeci, e, na saída, ele parou de repente e disse: "Que pintura linda."
Fui até ele com um leve sorriso e falei: "Você tem bom gosto." Ele perguntou, meio tímido: "Quem é o artista?"
Olhei nos olhos dele e respondi: "Eu."
A boca dele abriu de surpresa, ele olhou pra pintura e depois pra mim. "É a minha favorita também." Ele se aproximou e perguntou: "Quem é ela?" A "ela" que ele mencionava na pintura era eu, bom, metaforicamente. Mãos amarradas nas costas, vendada, com o queixo erguido olhando pro céu; de joelhos, nua, com uma poça d’água ao meu redor.
Xavier virou-se para mim e disse: "Isso deveria estar em exibição para o mundo inteiro ver." Eu sorri um sorriso sincero e dei um leve empurrão nele. "Sério, Srta. Carlisle, é incrível!" ele falou enquanto se dirigia para a porta. Eu não disse nada, apenas acompanhei ele até a saída, sorrindo, e foi a primeira vez em muito tempo que alguém além da Molly e do meu pai realmente gostou do meu trabalho. Antes de fechar a porta, eu disse: "Por favor, me chame de Nyla." Ele sorriu enquanto eu fechava a porta. Fiquei encarando a obra de arte, desejando poder ser novamente a garota que pintou aquele quadro.
Enquanto descarregava as compras do mercado, Molly e eu conversamos pelo FaceTime. Ela me contou sobre o dia dela, rimos juntas e parecia que estávamos ali, lado a lado. Senti que ia ficar tudo bem.
"Algum cara bonitinho por aí?" Molly perguntou, mexendo as sobrancelhas de um jeito brincalhão. Automaticamente, revirei os olhos e respondi: "Acabei de sair de um relacionamento, Moll."
Ela deu de ombros e disse: "Claramente, ele tá se divertindo por aí. Então, você também deveria." Mordi o lábio e fiquei olhando para o vazio, pensando no homem misterioso de mais cedo. "Tá bom, me conta tudo", Molly disse, estalando os dedos.
"Não tem nada pra contar", respondi, segurando um sorriso. Ela não engoliu essa, dava pra ver pela expressão dela. Revirei os olhos de novo e contei sobre o homem que quase me desmontou no meio da Magnificent Mile. Molly começou a bater palmas e gritar "ISSO, MENINA!", e eu só consegui rir dela.
"Então, ele mora no seu prédio?" Molly perguntou, inclinando a taça de vinho na direção do celular e apontando com o dedo indicador. Dei de ombros e tomei um gole do meu vinho. Era verdade. Eu não sabia se ele morava ali e também não estava tentando descobrir. Depois, contei a ela sobre o Xavier e como ele ficou encantado com o quadro. Ela riu e disse: "É, porque ele quer entrar nessas calcinhas de seda." Molly tem mesmo a mente de um garoto pré-adolescente, que vive na sarjeta. Conversamos por mais algumas horas, e eu devorei duas fatias de cheesecake de Oreo.
Finalmente encerramos a ligação, e senti um peso saindo do meu peito. Tinha medo de que, de alguma forma, ela ficasse ressentida comigo por ter ido embora, mas ela nunca foi desse tipo. Então, por que eu esperava que ela fosse assim agora? Depois de falar sobre arte e redescobrir minha paixão, decidi procurar um emprego. Pesquisei na internet por vagas de assistente de arte. Enviei meu currículo para algumas galerias, mas uma delas realmente chamou minha atenção. Não só pelo salário mais alto, mas porque o diretor de arte era um homem jovem e bonito. O sorriso dele era caloroso e acolhedor.
Enviei meu currículo por e-mail e torci por uma resposta. Tomei banho e arrumei meu cabelo com flexi rods. Adormeci satisfeita com tudo ao meu redor, pronta para o que quer que viesse pela frente.