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Batatas

O sol despontava sobre as montanhas. Logo, iluminaria os campos e se espalharia pelas casas. Esse era meu momento favorito do dia. Os animais ainda estavam dormindo, ninguém tinha saído da cama, e o silêncio que pairava sobre a alcateia durante a noite ainda persistia. Respirei fundo e a fumaça se espalhou ao meu redor quando exalei.

Eu estava vivendo neste mundo abandonado pela Deusa há treze anos. Era jovem, mas longe de ser ingênuo. Estamos aqui na alcateia das Montanhas Claras desde que fomos encontrados. Isso foi há três anos e eu não mudei muito desde então. Fazia o possível para me manter afastado dos outros. Tentava não fazer amigos, mas Devin gostava de mim, e ele era difícil de evitar. Não me importava com a opinião dos outros. Eu tinha minha irmã e isso era o suficiente, era tudo o que eu precisava. Meu objetivo era viver uma vida tranquila, chegar à idade adulta e proteger minha outra metade, minha metade boa.

A história era que eu era o filho bastardo do Alfa da alcateia vizinha e isso nos mantinha seguros. Ninguém sabia que eu era o criminoso que matou seu pai, matou o beta e fugiu no meio da noite.

Quando os guerreiros desta alcateia nos encontraram, eu disse que fomos jogados fora, descartados sem cuidado. Eles acreditaram em cada palavra e nos acolheram. Eles sentiam pena de mim e, embora isso me enojasse, era o que mantinha minha irmã segura. Minha irmã sofria, sentia falta de casa e não entendia por que não podíamos voltar. Ela queria amor, carinho e afeto parental.

No começo, ela tinha ciúmes daqueles que tinham pais. Fiz tudo o que pude para dar a ela o que nunca tivemos. Prometi que ela nunca notaria o que estávamos perdendo. Dei a ela carinho, amor e cuidei dela tanto como guardião quanto como irmão. Era difícil não notar os rumores que se espalhavam sobre nós. Diziam que nosso relacionamento estava longe de ser natural, mas eu os ignorava. Queria que minha irmã não desejasse nada.

Talvez eu a tenha mimado demais, mas eles não sabiam o que era realmente antinatural. Eu sabia em primeira mão o que era isso e nunca faria isso com ela. Queria que ela permanecesse como era, gentil, mimada e de temperamento difícil. Não queria que ela mudasse, não deixaria nada acontecer com ela. Só recentemente ela percebeu que não precisávamos de pais para isso.

A porta do vizinho se abriu e Mitch saiu e se sentou em uma cadeira de madeira.

“Preciso que você cubra o Liam,” disse Mitch enquanto calçava as botas. “Ele está doente e preciso que você assuma as tarefas dele. Será só por hoje.”

Liam era sobrinho de Mitch e trabalhava nos campos como Devin, cuidando dos vegetais e da lavoura. Eu trabalhava com Mitch, o açougueiro, desde que cheguei à alcateia das Montanhas Claras. Ele desconfiava da minha familiaridade com a lâmina, mas depois da minha falsa inocência, ele não me questionou mais. Sob seu olhar atento, eu praticava cortar, fatiar e matar.

Aos onze anos, Mitch me deu minha própria lâmina. Além do presente da vida, foi a primeira vez que recebi algo e logo me apeguei a ela. Mantinha-a limpa e afiada, garantindo tê-la comigo o tempo todo.

Concordei, mas resmunguei durante todo o caminho até o campo. Era só por um dia. Gostava de trabalhar no açougue. Não gostava de mudanças, mas nunca questionava Mitch, ele era uma das poucas pessoas que eu respeitava.

Devin se animou quando me viu. Ele ainda não tinha se transformado, mas eu podia ver orelhas de lobo em pé e um rabo abanando enquanto eu me aproximava. Quando pisquei, as orelhas e o rabo desapareceram. Antes que ele pudesse começar a falar ou me perguntar por que eu estava ali, pedi que me levasse ao posto de Liam. Coloquei os vegetais em uma sacola e as batatas em outra. Certifiquei-me de levar os vegetais primeiro e deixar as batatas por último.

Depois de entregar os vegetais, voltei para pegar as batatas. Carga após carga, entreguei-as na casa da alcateia. Foi só na última carga que a vi.

Eu tinha passado pelo portão quando a porta da casa da alcateia se abriu. Meu olhar pousou nela enquanto ela saía e minha mente ficou em branco. Esqueci o que estava fazendo.

Bastou um olhar para ela e o peso nos meus ombros diminuiu, o ar no meu peito desapareceu e uma sensação de calor que eu não lembrava de ter sentido antes me envolveu.

Ela era a coisa mais bonita que eu já tinha visto. Seu longo cabelo castanho ondulado caía além dos ombros, sua pele era bronzeada e parecia macia como seda. Meu olhar parou na fita preta em seu cabelo. A pele bronzeada e suave estava coberta por poliéster branco bordado e chiffon, suas mangas de borboleta desciam até o pulso. O material descia até o chão, escondendo suas pernas. Seus olhos estavam baixos, não consegui ver a cor deles, mas queria saber. Algo gritava das profundezas da minha alma. Eu precisava saber tudo sobre ela.

Deixei cair um saco de batatas, os grandes tubérculos se espalharam pelo chão. Não percebi que os tinha derrubado de imediato. Só quando seus grandes olhos castanhos olharam para mim, voltei ao presente. Minha mandíbula estava aberta e algo tremulava no meu estômago. Suas palavras, embora quietas, estavam carregadas de preocupação. Por que havia medo em seus olhos?

“As batatas, rápido, meu pai está vindo!” disse a garota bonita.

Antes que suas palavras registrassem e antes que eu pudesse decidir se me importava com o pai dela, a porta da casa da alcateia se abriu e o Alfa saiu. Droga. Havia uma aura ameaçadora ao redor dele e eu sabia que, se não me apressasse, estaria ferrado. As chances eram de que eu já estava. Caí de joelhos e me atrapalhei com as batatas. Mantive a cabeça baixa e o silêncio encheu o pátio. O som de seus passos se aproximava e eu prendi a respiração enquanto alcançava a última batata.

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