Read with BonusRead with Bonus

8: apenas a sorte dela

Já passava da meia-noite quando Camille finalmente se encontrou fora do Ark e do prédio de apartamentos.

Antes mesmo de sair do estúdio, Camille se sentia péssima por ter explodido com Charlotte da maneira que fez. Charlotte não estava fazendo nenhuma das coisas das quais Camille a acusou. Na verdade, Charlotte estava apenas sendo uma boa amiga e Camille havia exagerado. Então, consumida pela culpa não só por ter explodido com Charlotte, mas também por uma série de outras razões, Camille saiu para dar uma volta. Ao seu redor, o centro de Manhattan estava fervilhando de vida, exatamente como é retratado nos filmes. Táxis amarelos estavam para-choque a para-choque, pois o trânsito nas ruas estava praticamente parado. As placas iluminadas de vários negócios pendiam orgulhosamente sobre a calçada enquanto milhares de pessoas seguiam suas vidas. Pessoas indo jantar ou paradas do lado de fora de bodegas fumando cigarros, o suave ronco de um trem passando por baixo se juntava à melodia caótica da cidade.

Camille caminhou por horas, seus olhos absorvendo a variedade de vistas e, ainda assim, sua mente continuava passando pelas lembranças habituais, tentando colocar todas as peças de volta nos compartimentos a que pertenciam. Ela lidaria com elas uma por uma quando estivesse pronta. No entanto, ela sabia que não era tão simples. Fazia apenas alguns dias desde que ela havia escapado de sua prisão e do pesadelo que foi sua vida por quatro anos. Ela ainda lutava para acreditar que tudo isso era real ou que sua vida agora era dela para fazer o que quisesse.

"Cam?"

Charlotte estava sentada em sua cama com a cortina divisória puxada para trás, dando-lhe uma visão clara da porta. Camille sentiu uma pontada de culpa por fazer Charlotte se preocupar. Apenas mais uma coisa para adicionar à lista de razões pelas quais o coração de Camille estava tão pesado de vergonha.

"Oi." Camille respondeu, fechando a porta do apartamento atrás de si e deixando sua bolsa deslizar do ombro. "Desculpe por ter ficado fora até tão tarde. Eu meio que perdi a noção do tempo."

Charlotte deu um pequeno aceno, mas não disse nada, então um silêncio constrangedor rapidamente se instalou entre elas.

"Desculpe por mais cedo." Camille finalmente falou. "Eu sei que você não estava tentando me envergonhar, eu só..."

Camille não teve a chance de terminar porque Charlotte praticamente voou pelo quarto e de repente a envolveu em um abraço.

"Desculpe por ter te empurrado para ir àquela aula estúpida e por te fazer lutar com Sid." Charlotte murmurou. "Eu só me lembrei de como você amava tudo isso quando éramos crianças e queria fazer algo divertido. Nunca quis fazer você se sentir julgada pelo que aconteceu com você nas mãos daquele idiota."

"Eu sei." Camille sussurrou.

Eventualmente, Charlotte se afastou, olhos cinzentos brilhando com lágrimas que ameaçavam cair. "Você pode me perdoar?"

"Não há nada para perdoar." Camille respondeu. "Você não fez nada de errado."

“Então você não está brava comigo?” Charlotte perguntou.

Camille suspirou, conseguindo esboçar um pequeno, mas triste sorriso. “Não estou brava com você. Estou brava comigo mesma.”

Camille se arrastou até o sofá. Só agora percebeu que seus pés doíam de tanto andar e que estava com frio. Ela não tinha levado um casaco quando foram para a aula mais cedo naquele dia e, embora estivesse agradavelmente quente quando o sol estava fora, tinha ficado muito mais frio quando a escuridão desceu sobre a cidade. Pegando seu suéter, Camille o vestiu enquanto Charlotte vinha sentar-se ao seu lado no pequeno assento.

“Você sabe que ninguém te culpa por nada disso, certo?” Charlotte finalmente falou. “Ele enganou todo mundo fazendo-os pensar que ele era um cara legal.”

“Eu sei,” Camille respondeu baixinho. “Mas nunca consegui parar de pensar no que teria acontecido se eu tivesse lutado um pouco mais ou por que demorei quatro anos para me afastar dele. Eu só me senti... Eu só me senti tão envergonhada.”

Charlotte não respondeu, suas sobrancelhas escuras franzidas no meio enquanto ela fazia uma careta. Camille podia ver a raiva queimando nos olhos de sua amiga, mas não era dirigida a ela. Charlotte sempre usou o coração na manga, seja amor ou raiva. Era por isso que tantas pessoas eram atraídas por ela como uma mariposa pela chama. Ela emanava um calor e brilho que as pessoas achavam reconfortante e atraente. No entanto, isso também significava que sua raiva e tristeza eram tão turbulentas quanto uma tempestade no mar. Camille nunca pensou que olhos prateados pudessem queimar com a intensidade de um incêndio florestal, mas os de Charlotte queimavam, assim como agora.

“Aquele desgraçado.” Charlotte sibilou e balançou a cabeça. Respirando fundo, ela forçou sua raiva para baixo antes de olhar de volta para Camille. “Qualquer pessoa na sua situação se sentiria assim, mas você não tem razão para se envergonhar. Nathan tem, e se eu algum dia o vir, vou chutar o traseiro dele.”

Camille não pôde deixar de rir disso. Isso ela veria felizmente, mas Camille já havia decidido que nunca faria nada para chamar a atenção de Nathan para ela. Ela também decidiu que, se algum dia se encontrasse em uma situação como aquela novamente, lutaria até o fim. Ela não seria intimidada novamente.

“Eu não quis dizer sobre não ir mais à aula.” Camille finalmente falou. “Claro que vou com você.”

“Bem, eu estava pensando que talvez aquela aula não seja para nós.” Charlotte franziu o nariz. “Que tal Krai-Na?”

“Ok.” Camille respondeu devagar. “Mas não sabemos nada sobre isso.”

“Exatamente.” Charlotte sorriu. “Será uma nova aventura e isso não é tudo. Vamos ao bar na sexta-feira à noite para uma noite das garotas. Shots, música…”

“E deixa eu adivinhar, um barman muito gato?” Camille levantou uma sobrancelha.

“Talvez.” Charlotte sorriu. “Vamos lá, vai ser divertido. Eu preciso de uma parceira.”

“Ok, ok.” Camille riu. “Vamos ter uma noite das garotas.”


Camille tinha que admitir, ela estava convencida de que iria odiar seu novo trabalho e, no entanto, surpreendentemente, achou estranhamente terapêutico. Seu primeiro dia foi fácil o suficiente graças a Charlotte ser sua colega de trabalho, mas tentar lembrar o que cada andar exigia ia levar um tempo para se acostumar. Não era como um trabalho de limpeza em um hotel ou escritório. Embora não lidassem com os quartos pessoais dos residentes, ainda lidavam com escritórios, salas de reunião, corredores, hallways e passagens e até algumas áreas externas. Embora Camille não lidasse necessariamente com isso de imediato, eles também lidavam com a limpeza pesada das oficinas e hangares. Era uma operação e tanto e, junto com a equipe de manutenção, equipe de catering e segurança civil, não era de se admirar que os apartamentos estivessem cheios (e nem todos moravam lá!).

"Então, tudo bem se alguns dos outros se juntarem a nós na sexta-feira?" Charlotte perguntou enquanto a dupla se dirigia ao vigésimo andar. "Shelly, Mark, Lee, Adele e Tina. Eles estão morrendo de vontade de te conhecer."

Camille se lembrou de Charlotte lhe contar um pouco sobre os amigos que ela havia feito em Nova York, especialmente desde que começou a trabalhar no Ark. Na época, Camille estava tão desassociada que não conseguia realmente compreender totalmente o que Charlotte estava dizendo. Simplesmente era bom ouvir alguém falar com ela de uma maneira que não fosse cruel, raivosa e abusiva. Muitas vezes parecia um sonho e levou muito tempo para Camille perceber que isso era, de fato, a vida real. Ela ainda hesitava, no entanto. Sua reação automática era inventar alguma desculpa para não comparecer. Isso era o que Nathan a havia condicionado a fazer porque ele nunca a deixava passar tempo com ninguém de sua escolha. Então, levou um segundo para deixar as peças se encaixarem e ela se lembrar de que podia fazer o que quisesse.

Ela estava livre.

"Claro." Camille assentiu, empurrando seu carrinho para fora do elevador quando as portas se abriram. "Mas teremos que resolver a questão dos nomes."

Era a primeira vez de Camille no vigésimo andar, tendo trabalhado nos andares inferiores na maioria dos seus primeiros dias no trabalho. Ainda havia muitos andares acima deles, mas felizmente Camille e Charlotte estavam no último andar do dia. Este, comparado a todos os outros, parecia distintamente vazio de vida. A luz entrava pelas janelas em cada extremidade do corredor, que era uma mistura de painéis brancos elegantes e aço escovado que compunham quase toda a decoração. Este andar em particular era acarpetado com um denso carpete cinza-ardósia que absorvia qualquer som, o que só aumentava o silêncio inquietante.

"A maioria dos chefões está fora do mundo participando de uma reunião anual." Charlotte explicou quando viu o olhar confuso de Camille. "Normalmente há dezenas de assistentes pessoais estressados e super entusiasmados correndo por aí, mas hoje somos só nós."

"Ok, mas não parece que há muito o que fazer." Camille olhou ao redor.

"Que é a melhor parte." Charlotte sorriu. "Só precisamos arrumar e tirar o pó dos escritórios e então estamos livres pelo dia!"

"Nesse caso, eu vou começar por aquele lado." Camille apontou para a parte oeste do andar.

As garotas rapidamente se separaram, a perspectiva de terminar um pouco mais cedo as incentivando. Camille rapidamente aprendeu que Charlotte não estava brincando sobre ser uma tarefa fácil. Embora os escritórios fossem grandes, com áreas de estar e banheiros, como não tinham sido usados por alguns dias, não precisavam de uma limpeza profunda. A rotina de limpar a camada quase inexistente de poeira de tudo e arrumar os móveis relaxou Camille. A vista da maioria dos escritórios também era incrível e ela desejou ter uma câmera ou telefone para tirar uma foto. Não levou mais de meia hora para passar por todos os escritórios, exceto um. O último ficava bem no final do corredor, mais próximo das janelas do chão ao teto que davam para o segundo prédio do Ark.

Ao abrir a porta, Camille piscou surpresa ao ver que o escritório parecia muito mais habitado do que os outros. Ela se lembrou de Charlotte dizer que a maioria dos oficiais comandantes estava fora, mas Camille nunca pensou em perguntar quantos não tinham comparecido à reunião especial. Não que isso importasse, porque Camille ainda precisaria fazer seu trabalho. Estacionando o carrinho perto da porta, Camille rapidamente começou a esvaziar a lixeira, trocar as toalhas no banheiro e substituir os copos e canecas por novos. As cadeiras ao redor de uma grande mesa de centro de vidro precisavam ser arrumadas e a mesa de centro limpa de onde alguém havia colocado um copo sem usar um descanso.

A última coisa era tirar o pó das prateleiras, luminárias de parede e mesa sem mover nada demais.

Fácil.

Exceto que não foi.

Talvez fosse porque Camille estava com um pouco de pressa ou apenas karma, mas de qualquer forma, o desastre aconteceu no último obstáculo. Movendo o pano sobre a mesa muito rapidamente, o cotovelo de Camille esbarrou em um objeto estranho que estava muito perto da borda da mesa. Tinha uma pequena base circular com um fino poste saindo do meio antes de desaparecer em um grande recipiente cilíndrico. Enquanto o suporte era feito de algum tipo de metal escuro, o cilindro parecia vidro e, ao mesmo tempo, líquido. Parecia uma lâmpada, mas não havia fio ou lâmpada. Apesar de sua aparência robusta, tombou facilmente, caindo no chão acarpetado com um baque abafado.

"Merda!" Camille sussurrou, os olhos azuis de centáurea se arregalando de pânico. "Por favor, não esteja quebrado!"

A estranha lâmpada se desmontou, mas, surpreendentemente, a cúpula de vidro não se quebrou. No entanto, a base se soltou do resto do objeto e rolou como uma moeda na borda sob o vão entre o chão e a base de uma das prateleiras. Bufando de frustração e com a ansiedade subindo pela garganta, Camille se arrastou atrás da peça, tentando desesperadamente espremer a mão no vão para pegar a parte faltante. Tudo o que ela precisava fazer era pegar isso, montar a coisa de novo e sair antes que o dono do escritório aparecesse e a descobrisse.

Camille soltou um suspiro de alívio quando seus dedos finalmente tocaram o objeto de metal frio, mas antes que pudesse se mover, o som da porta do escritório se abrindo fez seu coração saltar para a boca.

"O que você está fazendo?"

Previous ChapterNext Chapter