1. Talia
Soltei um suspiro olhando para a janela de vidro. Foi uma decisão estúpida faltar ao trabalho só porque eu não estava com vontade de virar mais hambúrgueres. Só naquele dia eu precisava fazer algo e não respirar gordura. A ideia de vestir o mesmo uniforme todos os dias junto com o avental manchado fazia meu nariz se contorcer.
Na última hora, tentei assistir TV, mas não havia nada de bom. Eu não pagava pelo Netflix, então não havia como me distrair com outra coisa. Talvez eu devesse ter aceitado a oferta de compartilhar com Jaxon quando ele perguntou. Mas, novamente, eu sabia que ele seria o único a pagar e isso me faria sentir incrivelmente culpado depois. As vantagens de ter um melhor amigo milionário.
Jaxon tem sido meu melhor amigo desde sempre. A família dele se mudou para Amsterdã quando ele estava na primeira série, ao lado da nossa casa. Eles eram incrivelmente amigáveis e sempre nos convidavam para festas de jantar. Minha mãe adorava fazer essas coisas e costumava me levar junto com ela. Foi assim que conheci o pequeno Jaxon de cabelos loiros e olhos azuis correndo com seu trem. Quando ele me notou, perguntou se eu tinha algum trem e eu disse que não. Então ele me arrastou junto com ele e brincamos até sermos chamados para o jantar.
Eu pensei que tudo seria como aquele momento, feliz, mas mudou depois que perdi minha mãe para o câncer. Ela era tudo para mim e para meu pai. Ele não suportou a perda dela e se entregou à bebida. Perdemos nossa casa por causa disso e tivemos que nos mudar para um lugar menor. Com o passar dos anos, ele se tornou abusivo e nunca parou de beber.
A situação saiu do controle muitas vezes e eu não pude mais tolerar. Jaxon foi o único amigo que me ajudou durante esses tempos difíceis porque ele sabia muito bem sobre a situação pela qual eu estava passando. Ele se recusou a me deixar e estava sempre lá quando eu precisava conversar com alguém.
Jaxon foi a razão pela qual eu consegui reunir coragem suficiente para sair daquela casa. Ele me ajudou a conseguir um bom apartamento a um preço mais barato a algumas ruas da minha faculdade. Eu tenho que pagar o aluguel, então é por isso que peguei dois empregos.
Meu telefone tocou, me fazendo gemer e sentar. Avançando, eu o peguei apenas para notar que era outra melhor amiga, Mira. Nós nos conhecemos no último ano do ensino médio. É uma longa história.
"Alô" murmurei, afundando de volta no velho pufe.
"Oi! Você está ocupada?"
Com a voz super animada dela, eu me encolhi, "Não. Por que você está tão feliz?"
"Uma garota não pode estar feliz?"
"Garota pode, você não" eu ri.
"Ah, você só está com ciúmes porque eu sou capaz de ser feliz nos dias de semana" Ela riu e houve algum barulho do outro lado. Eu podia imaginar que era o som da mesa de estudos dela. É onde ela geralmente se senta porque tem vista para o lago.
"Ah, você me pegou" eu disse secamente.
"Eu sabia"
Eu mencionei que ela nunca entende meu sarcasmo? Às vezes é fofo.
"Por que você está me ligando?"
"Porque estou feliz"
"Ok, então tchau"
"Não, não, eu tenho algo para te contar" Ela gritou alto, ao que eu suspirei e coloquei o telefone de volta no ouvido.
"Você se lembra do Sean?"
Eu revirei o cérebro tentando lembrar o nome quando me lembrei que era o cara com quem ela saiu. O mesmo cara que ela quase pensou que era feito para ela, mas no dia seguinte percebeu que era o vinho falando. Isso é uma surpresa porque eu pensei que ela tinha parado de vê-lo.
"Sim, o amor da sua vida. O que tem ele?"
Ela gritou, "Ele não é!"
"Claro que não é"
"Foi o que eu disse, boba" Ela riu antes de continuar, "De qualquer forma, ele nos convidou para o clube que o amigo dele possui. Vai ser divertido"
"Não" eu suspirei.
A ideia de Mira de clube nunca é boa. Ela sempre fica bêbada na segunda hora e depois faz uma cena. Como se isso não fosse suficiente, ela se arrasta pelo chão e dança de forma exagerada. No final da noite, ela tem cachorros machos alinhados para levá-la para casa, mas ela vai embora sozinha. É porque eu tenho que arrastá-la fisicamente antes que esses cachorros façam algo.
"Mas você não está fazendo nada hoje" Ela choramingou e eu já podia imaginar Mira mordendo os lábios e passando os dedos pela mesa.
"Como você sabe disso?" perguntei ousadamente, totalmente ciente de que não contei nada a ela sobre meu plano de faltar ao trabalho. Só Jaxon sabe disso.
"Você atendeu sua ligação, dã."
Dei um tapa na testa. Às vezes ela realmente usa a lógica. Meus olhos se moveram pela sala de estar, esperando encontrar algo que fizesse o som da grelha. Talvez isso a convencesse de que eu estava trabalhando.
"E daí? Ainda estou no café."
"Ah, cala a boca! Você não está. Agora esteja pronta às sete."
"Mira" gemi.
"Talia" ela imitou minha voz. Definitivamente não é assim que eu soava, mas em vez de discutir sobre isso, soltei um suspiro.
"Você e Sean podem ir juntos."
"É seu dia de folga, vovó, o que você vai fazer? Tricotar em casa?"
Minha boca se abriu com isso, "Isso é incrivelmente ofensivo-"
"Eu não me importo. Você vai e ponto final."
"Mas-"
"Blá blá não consigo te ouvir. Esteja pronta às sete." Meus olhos se voltaram para o relógio e eram seis da tarde. Talvez eu ainda consiga chegar ao café e pedir desculpas por mentir sobre tirar uma folga. Só de imaginar a Sra. Smith me encarando quando eu confessar sobre minha vida me fazia tremer. Ela é muito assustadora.
"Eu te odeio" murmurei alto, apertando o telefone quando ela riu.
"Também te amo."
Minha mãe era uma grande fashionista e tinha roupas de várias boutiques. Então, quando saí de casa, levei a maioria dos vestidos dela. Não havia como eu gastar dinheiro com roupas. Mira e Jaxon eram muito ricos, assim como minha família era há alguns anos, mas eu não podia aceitar o dinheiro deles.
Foi difícil para mim deixar meu pai para trás, mas eu não o conhecia mais. Ele mudou drasticamente depois que minha mãe faleceu. Quando ela estava no último estágio, fez ele prometer que cuidaria de mim, mas ele fez exatamente o oposto. Na maioria das noites, eu tinha que limpar o vômito dele e fazer o café da manhã para ele de ressaca no dia seguinte. Jaxon frequentemente me pegava dormindo no meio da aula e foi assim que ele entendeu o que estava acontecendo.
Mesmo que tenhamos nos mudado do bairro, os pais dele foram gentis comigo. Talvez porque minha mãe sempre os fazia se sentir bem-vindos. Mas eu raramente passava para ver nosso antigo lugar. Tinha muitas memórias.
Puxando um vestido de lantejoulas pêssego até o joelho, joguei-o na cama. Era da boutique favorita da minha mãe na Itália, mas ela nunca conseguiu usá-lo. Balançando a cabeça, disquei para Jaxon.
"Alô" ele sussurrou, sua voz abafada e rouca.
"Oi, Jaxon. Você está bem?"
"Apenas um pouco indisposto hoje. Talvez eu tenha comido algo na festa de negócios ontem."
Meu rosto caiu com isso. Eu esperava que ele pudesse se juntar a nós no clube para que eu tivesse alguém para me distrair e conversar. Ele cresceu e perdeu as bochechas rechonchudas, tinha um corpo musculoso e abdômen definido, algo que as garotas adoravam. Então, sempre que ele nos acompanhava, era convidado para dançar, mas nunca me deixava sozinha.
"Sinto muito por isso. Quer que eu leve um pouco de sopa de galinha para você?"
Jaxon choramingou, "Não, não desperdice sua noite. Mira ligou e me disse que você ia ao clube com ela. Não quero que você cancele isso por minha causa."
"Não é tão importante" suspirei. Ele estava doente. Como ir ao clube poderia ser minha prioridade?
"Não seja ridícula. É sua noite de folga depois de uma década. Vá viver sua vida."
Sorri ao telefone. Ele sabia como era difícil para mim trabalhar todos os dias. Eu perdi várias reuniões por causa do trabalho.
"Tá bom, mas se você precisar de algo, vai me ligar. Certo?"
Ele riu, "Claro que vou. Agora vá beber por mim também."
Balancei a cabeça porque não havia como eu beber uísque com gelo. Isso era o que Jaxon mais gostava. Era tão amargo que quase vomitei na primeira vez que experimentei.
"Vou sim. Cuide-se."
Ele murmurou suavemente, "Vou sim. Tchau."
Desliguei o telefone depois de me despedir e olhei para o vestido na cama. Parece que eu ia ao clube com Mira e o namorado dela, Sean.