




Lição 2- Chorar é permitido, mas gritar sem motivo não é.
Eu acordo em um chão de madeira duro, cercada por estranhos. Meu peito ainda queima e sinto uma tontura. Meu pulso dói e o quarto parece muito brilhante. Ainda estou lutando para respirar. Droga, onde está meu inalador? Forço-me a sentar e procuro minha bolsa. Onde está? Entro em pânico quando não consigo encontrá-la, o que só piora minha respiração. Olho ao redor freneticamente até avistar minha bolsa. Está em um banco e o conteúdo está espalhado. Alguém mexeu nas minhas coisas? Deixa pra lá. Preciso do meu inalador. Tento me levantar, mas não consigo. Faço contato visual com uma mulher ruiva que está perto das minhas coisas.
"In- Inal- Não consigo-" Tento forçar as palavras. Ela me encara confusa, inclinando a cabeça enquanto tenta decifrar o que estou dizendo. Uma voz profunda atrás de mim me faz pular.
"Tem um inalador com as coisas dela." A voz aponta. Os olhos da mulher se abrem em compreensão.
"Ah, droga. Desculpe. Vou pegar para você." Ela diz as palavras em tom nervoso. Ela pega o inalador e até o pequeno espaçador que costumo usar e me entrega com um sorriso nervoso, mas gentil.
Levo algumas tentativas para tomar a medicação e mais alguns minutos até conseguir controlar melhor minha respiração. Ninguém tenta dizer nada, eles apenas esperam eu me recompor. Meu peito ainda dói, mas pelo menos devo conseguir falar novamente.
"Obrigada." Agradeço à mulher, aliviada. Ela assente facilmente.
Aproveito para examinar o ambiente. Estou em uma pequena cozinha. Está arrumada o suficiente, embora do chão eu consiga ver um pouco de sujeira embaixo da pequena área de preparação de refeições. A mulher de cabelos vermelhos me observa curiosa, à direita dela está um homem bastante gordo com um avental branco, ele parece ainda mais gordo por ser muito baixo, provavelmente até mais baixo do que eu e eu sou de altura média para uma mulher. Será que ele é o cozinheiro aqui?
Isso é um restaurante? Não, a cozinha é muito pequena. Também consigo sentir o cheiro de álcool, então talvez seja um bar? O som de música e vozes vem de algum lugar do outro lado dessa parede. Um bar parece provável. Lembro que havia alguém atrás de mim, o dono daquela voz profunda.
Me viro para ver de onde veio.
Uau, ajoelhado no chão a alguns metros de mim está o homem mais aterrorizante que já vi. Mesmo ajoelhado consigo perceber que ele é alto, e não apenas alto, mas também com uma estrutura muscular muito forte. Ele tem um rosto bonito, mas de alguma forma isso o torna mais intimidante. Sua expressão é intimidadora, ele está me encarando?
Ou ele apenas tem uma séria cara de poucos amigos? Seus olhos são escuros, assim como seu cabelo. Ele tem a pele bronzeada e está me observando tão atentamente quanto estou observando ele. Parece o tipo de cara que poderia quebrar alguém ao meio e sair sem se importar com o mundo, mas apesar de tudo isso, não acho que tenho medo dele.
Talvez porque ele disse àquela mulher para me entregar meu inalador, talvez porque ele está ajoelhado no chão comigo em vez de ficar em pé sobre mim como os outros dois estão, ou talvez seja apenas porque atingi meu limite e não tenho mais medo. Honestamente, me sinto meio entorpecida.
E ele ainda está me observando. Fico imaginando o que ele está vendo. Uma mulher de vinte e sete anos que não consegue se levantar do chão. Meu rabo de cavalo escuro está bagunçado e caindo em meu rosto, meu pulso está sangrando e consigo ver manchas de sujeira em minha blusa rosa. Também acho que estou sem um sapato. Provavelmente estou o encarando com os olhos arregalados. Está claro aqui, então ele provavelmente consegue ver que são de cor esverdeada, ao invés do marrom que parecem no escuro.
Meus olhos provavelmente são a única coisa que herdei do meu pai, sempre achei que me parecia mais com minha mãe. Ela era japonesa e se mudou para cá quando era adolescente. Com meu cabelo, tom de pele e altura, definitivamente puxei a ela. Pelo menos eu acho que sim. Ela faleceu quando eu era pequena, mas meu irmão me mostrou algumas fotos antigas e juro que me pareço muito com ela. De qualquer forma, provavelmente estou uma bagunça. Um ser humano desgastado, um naufrágio. Aff.
Desvio meus olhos do homem intimidador ajoelhado no chão e olho para os outros dois. Eles estão olhando entre ele e eu como se estivessem esperando por algo. Não faço ideia do que seja. Será que devo dizer algo? Bem... Isso eu consigo fazer.
"Onde estou?" Pergunto, direcionando a pergunta a ninguém em particular. A ruiva e o cozinheiro trocam olhares e depois voltam a olhar para o cara assustador. Certo, ele claramente é o responsável aqui, o que não é uma surpresa para mim. Me viro para encará-lo adequadamente, cruzando as pernas e tentando sentar com um pouco de dignidade. Suponho que seria mais digno levantar do chão, mas não tenho certeza se consigo fazer isso ainda. Entrelaço as mãos no colo, principalmente para evitar ficar mexendo. O cara assustador não responde à minha pergunta, em vez disso, se vira para os outros.
"Pegue o kit de primeiros socorros. O pulso dela precisa ser cuidado." Ele ordena. O cozinheiro sai apressado. Não precisa dizer duas vezes. O cara assustador continua me observando, e ainda não respondeu à minha pergunta. No entanto, ele faz uma pergunta própria.
"Qual é o seu nome?" Sua voz é calma, mas exigente. Não é o tipo de pessoa com quem se questiona ou discute. Ou melhor, não é o tipo de pessoa com quem a maioria das pessoas discute. Ainda assim, ele parece estar cuidando de mim, então vou responder a ele, mesmo que ele ainda não tenha me dito onde estou.
"Sou Carina. Carina Akari. E você? Qual é o seu nome?" Pergunto educadamente, não há mal em ser educada, certo? Ele pisca para mim e esse é o único sinal de que o que eu disse o fez pausar. Ele responde lentamente.
"Pode me chamar de Torin." Ele responde.
"Ok, Torin. É um prazer conhecê-lo... Eu acho." Eu o recompenso com um sorriso fraco. O cozinheiro retorna com um grande kit de primeiros socorros. É quase cômico de tão grande. Para que tipo de incidentes eles estão se preparando com isso? Ele coloca no chão ao meu lado e depois olha para a ruiva. Ela dá meio passo à frente.
"Devo?" Ela faz um gesto para o meu pulso machucado, que tem vários arranhões grandes que ainda estão sangrando.
"Não, Laura. Eu cuidarei disso." Torin responde. Ah, Laura, pelo menos estou começando a associar alguns nomes a esses rostos. Sem dizer uma palavra, ele abre o kit de primeiros socorros e começa a desinfetar os cortes no meu pulso. Suas mãos são gentis apesar da ardência do desinfetante.
"O que aconteceu? Onde estou?" Tento novamente.
"O que você lembra?" Torin pergunta. Tento lembrar, minha cabeça ainda está doendo.
"Estava voltando para casa do trabalho. Alguém estava me seguindo. Corri e me perdi. Acabei em um beco e o homem ele... Havia algo de errado com ele. Eu estava batendo na porta e gritando por ajuda e... ah..." Fragmentos de memória vêm à tona. Desabei no chão. Havia uma luz forte quando a porta se abriu. Alguém saiu correndo, alguém... Não, era o Torin. O homem-lobo-criatura tentou me agarrar, mas Torin se colocou entre nós. A criatura atacou e... e... Não sei exatamente o que aconteceu. Em um segundo a criatura estava pulando em Torin e no próximo estava sendo arremessada pelo beco e Torin estava... diferente. Maior, ele... Ele tinha chifres... E seus olhos eram pretos, não apenas a íris, mas o olho inteiro. Ele era... Não sei o que ele era. Mas com certeza não é humano.
"Carina? O que mais você lembra?" Ele insiste. Todos os olhos na sala estão em mim enquanto esperam para ouvir o que tenho a dizer. Volto a olhar para Torin.
"Você o afastou. Vi... Não sei exatamente o que vi. Exceto... Monstros são reais?"