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Jillian: Suave

Ela olhou para o relógio mais uma vez. Já passava das seis e ele ainda não tinha chegado. Isso só podia ser uma nova jogada de poder relacionada ao jogo deles. A maçaneta da porta girou, então ela enfiou os fones de ouvido rapidamente e voltou a fazer agachamentos.

De canto de olho, ela viu que era o pai dela, e ele estava fingindo ignorá-la, como era o ritual dos dois.

Jillian decidiu que hoje seria diferente e tirou os fones de ouvido de novo.

— Que bom que você conseguiu chegar, preguiçoso.

Ele parou, tirou o próprio fone de ouvido e ergueu uma sobrancelha.

— Como é que é?

— Pre-gui-ço-so — ela provocou, esticando a última sílaba antes de completar: — Eu tô aqui há uma hora.

— Desculpa mesmo — ele disse, abrindo os braços para os lados —, não sabia que eu estava seguindo o seu horário, Jilly.

— Só achei que você fosse mais dedicado.

— Dedicado a quê?

— Sei lá. A ser o melhor. O mais forte.

— Você tá vindo aqui toda manhã há quanto tempo? Três meses?

— É — ela respondeu, com as mãos na cintura, endireitando as costas com orgulho.

— Eu venho aqui toda manhã há três décadas. Não questione minha dedicação.

— Bom, hoje você ainda tá atrasado.

— Eu teria chegado na hora, mas surgiu uma coisa — ele disse, jogando a bolsa no chão.

Houve um momento de silêncio entre os dois, com Jillian olhando para o cabelo úmido dele e percebendo que ele tinha tomado banho. Antes de vir para a academia.

— Eca, pai! — ela exclamou, e o rosto dele relaxou de choque.

— O quê?

— Surgiu uma coisa? Por que você teve que falar desse jeito?

Ela observou as engrenagens girando na cabeça dele, tentando entender, até que o rosto dele ficou vermelho como brasa.

— Eu não quis dizer isso desse jeito! Jillian!

— Pelo jeito que você tá vermelho, eu tô certa, né? Meu Deus, que nojo! — ela disse, sendo dramaticamente exagerada de propósito para realmente traumatizá-lo.

— Para de falar nisso! — ele bufou, virando-se de costas e fingindo mexer na bolsa.

Ela deu uma risadinha, e ele ficou tenso.

— Tô horrorizado que você até saiba disso — ele sibilou.

— Meu Deus, pai. Eu estudo em escola pública, no meio de um bando de lobisomens no século XXI. Você já ouviu falar de smartphones?

— Jillian, por favor. Eu não preciso ouvir isso hoje — ele disse, colocando os fones de ouvido de volta.

Hoje. O dia em que ele finalmente passaria o comando do bando para Henry, depois de um ano de resistência cada vez mais desesperada. Até o misterioso desaparecimento de Ceres tinha ficado em segundo plano diante do drama de o pai não acreditar que Henry seria um bom Alfa.

Ela mexeu os dedos, aproximou-se dele e deu um toque no ombro dele. Com a paciência infinita restaurada, ele se virou, tirando os fones de ouvido.

— Sim, Jillian?

— Então, pai… outro dia, eu tava vendo os guerreiros treinando. Eles estavam praticando um movimento — ele suspirou, mas ela continuou antes que ele pudesse negar. — Eles estavam fazendo um golpe, e eu tentei, mas acho que preciso de ajuda…

— Eu já te falei, não vou te treinar até que esse comportamento esteja sob controle. Suas notas estão horríveis, e você já tá intimidando os outros sem nem saber lutar direito. Como eu posso, com a consciência tranquila, te ensinar a ser ainda melhor nisso?

Ela ficou boquiaberta, a boca aberta de espanto.

— Intimidando? Tá falando sério? Você não tem ideia do que tá falando!

— Então me conta.

— Desde quando você se importa? — ela perguntou. A resposta dele foi um suspiro, então ela continuou: — A última vez que eu soquei alguém? Aquele cara? Ele chamou o Odin de um palavrão. Sabe, aquele insulto homofóbico, pai, bem ali na academia, na frente de todo mundo! Então, sim, eu bati nele. Forte. E nem tô arrependida. Queria que ele engasgasse com os próprios dentes.

"Jillian. É nobre defender seu primo, mas você não pode resolver tudo com violência."

"O quê, eu vou ficar só olhando enquanto ele fala o que quiser da minha família?" perguntou ela, o tom de voz subindo.

"Existem outras formas de—"

"Henry tem razão", ela cuspiu as palavras, sabendo muito bem o quanto estava sendo cruel, "você é mole mesmo."

O rosto dele empalideceu de choque, os olhos castanho-esverdeados faiscando de raiva. "Como é que é?"

Ele falou para as costas dela, porque Jillian já tinha empurrado ele para o lado, pegado a bolsa do chão e escancarado a porta.

Jillian lançou um olhar por cima do ombro a tempo de vê-lo desabar em um banco de musculação, a cabeça entre as mãos. Ela bufou para afastar a pontada no coração, ajustou a bolsa nos ombros e apertou o botão do elevador várias vezes até que ele finalmente se abriu.

Lá em cima, no quarto dela, tomou banho, lutando contra a culpa o tempo todo. Ela sabia que tinha sido um golpe baixo, e pior ainda, isso provavelmente aprofundaria o racha que já existia entre o pai e o irmão dela.

Jillian se vestiu como de costume. Um moletom preto tão velho que poderia servir de pano de queijo em uma emergência, uma calça jeans desbotada e rasgada o suficiente para fazer velhos fofoqueiros falarem bobagens como "no meu tempo, tantos buracos assim significavam que precisávamos de calça nova", e suas botas pretas pesadas, perfeitas para pisar firme com toda a angústia que sentia.

As pessoas se surpreendiam, mas ela gostava de maquiagem, e isso tomava a maior parte do tempo dela. Jillian gostava que a sombra vibrante fosse a única cor no guarda-roupa dela, sempre acompanhada de muito delineador preto, claro. Hoje, ela escolheu um esquema de violeta e lilás, os pincéis de alta qualidade aplicando o pigmento de forma impecável.

O pai dela tinha dado esses pincéis de presente no aniversário dela no ano passado. Fiel à personalidade tipo A dele, a mãe disse que ele pesquisou sobre pincéis de maquiagem por um mês antes de finalmente escolher um. O coração de Jillian se apertou de culpa outra vez.

Quando terminou de se arrumar, ela colocou uma caneta no bolso. Era dia de escola, então havia o risco de ter que escrever algo. Como fazia há anos, ela foi até a varanda do quarto, pulou, agarrou a treliça de trepadeiras e a usou como escada para descer os quatro andares até o pátio dos fundos.

A fonte do jardim borbulhava um bom-dia, e o ar estava fresco, como pinho com menta. O longboard de Jillian estava esperando por ela, e ela o posicionou com os pés, subiu e deslizou ao redor da garagem até chegar à estrada.

Com as mãos nos bolsos, ela sentiu a adrenalina subir ao descer a ladeira rumo à cidade. O portão surgiu à vista, mas Harvey, o porteiro, já estava de olho nela e tinha aberto o portão. Ela acenou ao passar, sorrindo ao ver um lampejo de um sorriso na guarita.

O ar de outono estava fresco na cabeça recém-raspada dela, e ela passou a mão no cabelo loiro-cinza curtinho com um sorriso. Ela gostava. Sabia que o pai odiava. Ponto para ela.

Dylan estava na metade da ladeira, vestido de forma parecida com ela. Quando ela passou, ele jogou o skate no chão e pulou em cima, dando impulso para alcançar a velocidade dela. Como sempre, ele fez algumas manobras usando o corrimão que margeava a calçada.

Ele era muito melhor que ela, já que tinha ganhado o primeiro skate no terceiro aniversário. Eles estavam apenas no segundo ano do ensino médio este ano, mas ele sempre falava em ir para Portland ou Seattle competir um dia.

Dylan diminuiu a velocidade para acompanhar o ritmo dela, tirou um dos cigarros da mãe do bolso da camisa e acendeu, oferecendo a ela em seguida. Ele balançou a cabeça como um cachorro, tentando tirar o cabelo preto desgrenhado do rosto.

“Bom dia,” ele disse, a fumaça subindo atrás dele.

“Bom dia.”

Eles eram melhores amigos. Ela sabia que os pais dela achavam que ele era seu namorado, e ela deixava que acreditassem nisso só pra atormentar o pai. O pai dela não era fã de Dylan, comentando uma vez que ele parecia um morador de rua com aquela aparência.

Ela sabia que o tio Leo tinha ouvido coisas parecidas sobre suas escolhas de roupa quando era mais novo, e isso só fez com que ele se firmasse ainda mais no estilo. Hoje em dia, ele parecia mesmo um viking andarilho, com a barba cheia e desgrenhada e o cabelo comprido. Ele frequentemente ia trabalhar na Gamma de chinelo e bermuda de surfista, matando o pai dela aos poucos com cada passo dos chinelos e os padrões floridos chamativos.

Jillian observou Dylan. Ele meio que parecia mesmo um sem-teto, mas não muito pior do que ela, usando as calças jeans pretas rasgadas dele e uma camiseta oversized da banda Slayer. A camiseta um dia foi preta, mas já tinha sido lavada tantas vezes que desbotou para um cinza encardido. Jillian era uma das poucas que sabia que ele usava aquela camiseta com tanta frequência porque tinha sido do pai dele, assim como o casaco de brim forrado de lã, que era grande demais pra ele e ficava embolado nas mãos.

“Como tá a Barb?” ela perguntou.

“Bem. Bebeu vinho demais ontem à noite, mas consegui colocá-la na cama.”

Barb era a mãe de Dylan, a mulher mais doce do mundo, mas tinha um problema com bebida. Não era tão grave, mas estava ficando mais evidente. O pai dele se suicidou quando Dylan era pequeno, incapaz de lidar com o trauma da Guerra dos Dragões. Ele tinha perdido sua companheira destinada, assim como Barb. Eles encontraram conforto um no outro por tempo suficiente pra terem Dylan, mas não durou.

“Como tá o Gideon?” ele perguntou.

“Discutimos hoje de manhã. Chamei ele de mole.”

Dylan riu, mas ela não, sentindo-se pior a cada momento que passava. Quando ele percebeu o humor dela, disse: “Olha só isso.”

Jillian olhou e deu uma risadinha porque ele tinha passado o cigarro pelo piercing do lábio até a boca, estendendo os dedos, mexendo-os e murmurando com o filtro do cigarro entre os lábios: “Sem as mãos.”

Ela riu mais alto quando ele fez outro truque com o corrimão, e o cigarro ficou onde deveria. No entanto, quando ele fez uma reverência aos aplausos dela, o cigarro caiu, e o pneu traseiro do skate passou por cima.

Dylan suspirou e sacudiu o cabelo dos olhos mais uma vez. “Bom, que merda.”

As duas primeiras aulas do dia foram tranquilas. Muito cochilo, porque diagramar frases e o teorema de Pitágoras não eram a ideia dela de diversão.

No corredor antes da terceira aula, Jillian estava perto do armário com Dylan, mas uma confusão chamou sua atenção.

“Jillian, acho que você teve sorte da última vez. Eu não brigaria com ele de novo,” Dylan disse, a voz baixa e um pouco rouca.

Ele tinha seguido o olhar dela até um incidente que todos estavam ou assistindo ou fingindo ignorar. Blair Cortney, um brutamontes do último ano que todos chamavam de Cort, estava intimidando um garoto do primeiro ano. Aaron era um menino alto, mas extremamente magro, e presidente da liga de Dungeons & Dragons. Ele era muito gente boa.

“Eu disse que é tudo o que tenho hoje, Cort. Juro.”

“O quê? Oito reais?”

Cort agarrou Aaron, virando-o de cabeça para baixo e sacudindo-o enquanto o garoto menor tentava se agarrar a algo. “Tem certeza? Você ainda tá tilintando!”

“Ei!” ela exclamou, e ouviu Dylan suspirar enquanto ele tirava o casaco e o colocava no armário. “Não vou entrar numa briga hoje,” ela prometeu, olhando para ele. “Não posso. É a posse do Henry.”

“Tá certo,” ele respondeu.

“Tá falando comigo, garotinha, hein?” Cort gritou, ainda segurando Aaron suspenso no ar.

Pelo jeito que ele a encarava, ela desconfiava que ele não estava nem aí pro dinheiro do Aaron e que estava provocando ela de propósito. Assim como ela, Cort estava numa situação delicada. Muitas brigas já tinham feito ele ser suspenso por toda a temporada final de futebol americano. Jillian ouviu dizer que o técnico Wiggins até chorou quando soube da notícia.

Ela sabia que Cort queria que ela batesse nele, só pra ela se meter em encrenca.

“Coloca ele no chão. Por que você tem que ser tão idiota, cara?”

Ele soltou a mão, e Aaron desabou no chão com um grito de dor.

“Ei!” ela exclamou de novo, correndo pro lado de Aaron e ajudando ele a se levantar.

“Qual é o seu problema?” ela gritou, com vontade de empurrar o garoto mais velho no peito, mas se segurando.

“Você disse pra colocar ele no chão.”

“Tô bem, Jillian, valeu,” Aaron murmurou, mas Cort foi rápido e baixou as calças dele, cueca e tudo. Aaron se atrapalhou pra puxar a roupa de volta, e o corredor explodiu numa mistura de suspiros de pena e risadas.

Dessa vez, ela empurrou Cort, colocando as mãos no ombro dele e dando um empurrão. Eles começaram a brigar, e ele disse: “Você não vai me acertar um soco de surpresa dessa vez, e eu vou acabar com você. Tô nem aí pro seu pai.”

“Sai de cima!” ela gritou, empurrando ele e criando uma distância entre os dois. “Não vou brigar com você hoje, babaca.”

“Por que não?” ele provocou, abrindo os braços. “Tá com medo?” Ela virou as costas enquanto o primeiro sinal tocava, mas ele continuou: “Ah, é. Seu pai finalmente tá desistindo hoje. Graças aos deuses, porque ele gastou todo o dinheiro da matilha tentando achar sua irmã, mesmo todo mundo sabendo que ela tá morta pra caralho.”

Ela parou, o pé congelado no ar com os dedos fora do chão. A multidão de alunos ofegou, alguém dizendo: “Nossa.”

O amigo de Cort, Andy, falou: “Cara, que isso?” o tom dele carregado de nojo.

Ela até ouviu uma voz feminina sussurrar: “O Henry ia arrancar as tripas dele por isso.”

Um zumbido agudo encheu os ouvidos dela, e uma névoa vermelha de fúria tomou conta, embaçando sua mente.

Ela se virou, gritando: “Cala a boca!” e fechou a distância entre eles em dois passos.

Ele esperava por isso, claro, e dessa vez a briga foi pra valer. Nada de empurrões leves. Ele era três anos mais velho, mais alto, maior e não era nenhum estranho a brigas. Além disso, tinha dezoito anos, então já tinha seu lobo. Foram só alguns segundos até ela perceber que ele ia acabar com ela.

Eles acabaram no chão. Ela tinha quebrado o nariz dele, mas ele deu uma joelhada nela, e lágrimas encheram os olhos dela por causa da costela quebrada raspando contra si mesma. Ele estava atrás dela, e ela estava ferrada porque ele a pegou num mata-leão.

Ela se debateu pra escapar, mas ele apertou, os músculos do braço ao redor do pescoço dela virando aço. A mão dela bateu no bolso enquanto uma nuvem preta invadia sua visão, e ela sentiu a caneta. Jillian conseguiu pegá-la e esfaqueou às cegas, cravando-a no bíceps dele.

Cort gritou, a pressão no pescoço dela desaparecendo. Jillian puxou o ar com dificuldade e se virou, pulando em cima dele e socando o rosto dele com um grito quebrado. O maxilar dele estalou, e ela puxou o braço pra trás e acertou o mesmo lugar de novo.

“Nunca mais fala dela!” ela berrou, entrelaçando os dedos pra fazer das mãos um só punho, e acertando ele mais duas vezes.

Jillian ia socar ele de novo, mas duas mãos fecharam ao redor dos pulsos dela, quentes e firmes. Ela olhou pra cima, encontrando olhos tempestuosos da mesma cor cinza-azulada do lago que cercava a matilha, e foi puxada de pé.

Olhando para baixo, Jillian viu sua caneta ainda cravada no braço de Cort, enfiada mais fundo do que ela esperava.

— Jillian Greenwood, vai já pra sala do diretor!

— Sierra, ele...

Era sua prima mais velha, que trabalhava como professora no ensino fundamental. Seus cachos loiros e frisados estavam completamente bagunçados, provavelmente por ter se espremido no meio da multidão para interromper a briga.

— Não quero ouvir! Vai logo pra lá, e eu vou ligar pro seu pai.

Os olhos de Jillian se arregalaram. — Não. Não, não, não. Liga pra mamãe. Por favor.

— Vai! — disse Sierra com firmeza, claramente irritada, e se ajoelhou para verificar como estava Cort.

Jillian se levantou, e a multidão silenciosa abriu caminho para ela. Dylan segurava o nariz sangrando, depois de tentar ajudá-la e acabar levando um soco surpresa de Andy. O canto da boca dele se curvou para baixo em solidariedade quando seus olhares se cruzaram, e os colegas dela eram um mar de olhares sérios enquanto ela seguia para a sala do Sr. Wallace.

— Alô? — A voz da mãe ecoou pelo viva-voz na sala dele.

— Mãe?

— Jillian, você tá falando comigo pelo negócio do carro. A Kat tá aqui. Por que a sala do diretor tá me ligando?

Jillian fez uma careta, dizendo devagar: — Teve um incidente.

— Jillian. Você não arrumou briga justo no dia da posse do Henry, né?

— Bom...

— Ela esfaqueou um aluno dessa vez, Luna! Minha nossa, me ajuda! — exclamou o Sr. Wallace do seu lugar, o rosto ficando mais vermelho a cada palavra. Sua cabeça careca brilhava de suor, os poucos fios que ele tentava pentear por cima não escondendo nada.

Que drama com esse cara.

— Olá, Sr. Wallace — disse a mãe. Mas ela era um desastre com tecnologia, e Jillian ouviu um barulho de mexidas antes de a mãe sussurrar: — Ele não gosta de mim.

Kat deu uma risadinha e sussurrou: — Eris, você não consegue tampar o fone no viva-voz.

— Ah... ops.

— Luna — disse o Sr. Wallace, decidindo ignorar o comentário. Ele suspirou e entrelaçou os dedos curtos sobre a mesa. — Você deve saber muito bem que qualquer outro aluno já teria sido expulso por isso.

— Eu não tenho tempo pra isso hoje, Jillian — disse a mãe. — Sabe de uma coisa? Seu pai tá na loja de ternos aqui perto, a poucos prédios daqui. Vou ligar pra ele.

— Maravilha — disse o Sr. Wallace, lançando um sorriso presunçoso de vitória para Jillian.

Ela odiava os dentinhos dele. Pequenos demais pra boca, quadrados demais, como se ele os rangesse o tempo todo. O que provavelmente fazia, por causa de alunos como ela.

— Não, não, não. Mãe. Você não entende. O papai vai ficar tão bravo porque eu fui muito grossa com ele hoje de manhã.

— Bom, a culpa é sua.

— Eu chamei ele de molenga!

O Sr. Wallace deu um suspiro audível, balançando a cabeça, e Kat riu alto ao fundo, dizendo: — Ah, o Finn vai adorar isso.

— Bom, eu vou ligar pro seu pai. Tenho muita coisa pra fazer hoje.

Enquanto a mãe falava, a porta se abriu atrás deles, e o Sr. Wallace se levantou com uma velocidade impressionante para um homem corpulento.

— Já tô aqui — disse o pai, e Jillian gemeu. — A Sierra me ligou.

— Alpha. Que bom te ver aqui — disse o Sr. Wallace, sem nem tentar esconder o “em vez da sua esposa” que pairava no ar ao fim da frase.

Era porque a mãe sempre a defendia. Quando Jillian contou pra mãe por que tinha socado Cort da primeira vez, ela disse: — Ah, parece que ele mereceu — e então elas se levantaram e saíram, deixando o Sr. Wallace com o queixo caído sobre a mesa.

— Boa sorte, Jilly — disse a mãe, e depois de um instante: — Como é que desliga essa coisa?

Kat deu uma risadinha, e o telefone fez um clique ao desligar.

“Randall,” disse o pai dela, estendendo a mão, “como está a Cindy?”

Coitada da Cindy, casada com o Sr. Wallace, pensou Kat, lançando um olhar fulminante para o pai e depois para o diretor enquanto eles se sentavam. Nenhum dos dois percebeu.

“Ela está bem, Alfa, obrigado. Gostaria que estivéssemos nos encontrando em circunstâncias melhores, mas infelizmente estamos enfrentando problemas sérios com a sua filha. Não sei se a Luna ou a Jillian entendem a gravidade de esfaquear outro aluno na escola.”

“Você fez o quê?” exclamou o pai dela, enfatizando o “quê” enquanto virava os olhos arregalados e furiosos para ela.

O Sr. Wallace olhou para Jillian como quem diz, vai em frente.

“Eu esfaqueei alguém no braço com uma caneta,” murmurou ela. “Porque eu estava desesperada, porque estava perdendo uma briga, porque ninguém quer me treinar!”

Os olhos dela deslizaram até o pai, e ele foi esperto, controlando seu temperamento antes que pudesse explodir. O pai dela sempre foi mestre em manter a calma, nunca perdendo a compostura por muito tempo. Era irritante. Ele ajustou o nó da gravata, algo que fazia para ganhar um momento de reflexão antes de falar.

“Sr. Wallace, garanto que, se o senhor puder dar outra chance à Jillian, eu mesmo vou garantir que o comportamento dela mude. Afinal, estou me aposentando hoje, então terei tempo. Ela vai receber exatamente o que merece por ter provocado essa briga hoje.”

O diretor pareceu satisfeito, entrelaçando os dedos sobre a mesa à sua frente. “Ela também está suspensa. Duas semanas.”

“Entendo.”

“E Alfa? Vamos enviar lições de casa, porque…” ele virou o monitor do computador, e Jillian e o pai dela leram em silêncio juntos, enquanto o Sr. Wallace reforçava o ponto com um sorriso curto, de dentes pequenos, e cheio de desdém. “Seis notas F e um A. Em Educação Física.”

O pai dela lançou um olhar para Jillian, e ela sentiu as bochechas esquentarem. Será que ela tinha ficado tão para trás assim?

“Você pode trocar essa aula de Educação Física por um período de estudo, Randall? Ela claramente precisa disso.”

“Quê? Isso não é justo!” gritou Jillian, jogando as mãos para o alto.

O Sr. Wallace virou a tela de volta para si, clicou, tipo, três teclas no teclado e disse: “Está feito.”

Como se, Randall. Todo mundo sabia que a Dona Huffman, a secretária dele, é quem deveria estar ganhando o salário gordo por aqui.

Jillian lançou um olhar furioso para o pai, cruzando os braços e afundando na cadeira. Ele nem tinha perguntado por que ela tinha entrado na briga. Pior, ele presumiu que ela tinha provocado tudo.

“Obrigado. Prometo que uma nova aluna, determinada, vai retornar ao senhor em duas semanas.”

“Claro,” disse o Sr. Wallace, com a dúvida estampada na voz.

O pai dela se levantou e apertou a mão do diretor antes de indicar que Jillian deveria ir na frente.

“Preciso pegar meu longboard.”

“Não. Ele vai ficar no seu armário durante toda a suspensão.”

“Quê?”

Ele estendeu a mão, apontando o caminho para o carro. “Seu celular. Agora. E o notebook quando chegarmos em casa. São meus até segunda ordem.”

“Não! Você não pode!” desafiou ela, e ele se virou para encará-la.

“Eu posso simplesmente ir pra casa e cancelar tudo, e você nunca mais vai ter um celular pago por mim. Entrega logo.”

Ela arrancou o celular do bolso e bateu na palma da mão dele, dizendo: “Eu te odeio.”

Ele parecia cansado enquanto se virava. “Bom, entra na fila.”

“Mas você não pode pegar meu notebook! Meu diário está lá e tudo mais!”

Ele pensou um pouco e cedeu. “Tá bom. Mas vou mudar a senha do Wi-Fi toda noite às oito e compartilhar com todo mundo, menos com você.”

Ela lançou um olhar furioso para o painel do carro, mas não discutiu enquanto entrava. Henry talvez contasse se ela perguntasse. Seu tio Finn com certeza contaria, mas ela detestava dar qualquer vantagem para aquele homem.

Eles ficaram em silêncio até que o pai dela saiu do estacionamento.

— Você nem quer saber por que eu fiz isso? — ela disparou, irritada.

— Faz diferença?

— Faz sim!

— Por que você fez isso, Jillian? — ele perguntou sem emoção, esfregando a têmpora enquanto parava no sinal vermelho.

— Ah, você sabe. Só defendendo você.

Ele olhou para ela. — De que jeito?

— Não importa.

— Jillian.

O sinal já tinha ficado verde há três segundos, mas ela não disse nada. Uma buzina o fez dar um pulo, e ele acelerou com tanta força que o carro deu um solavanco para a frente. Ele lançou um olhar irritado pelo para-brisa quando ela soltou uma risada curta e debochada.

— Me conta.

— Por quê? Você já arruinou minha vida.

— O quê? Tirando a educação física?

— Sim!

— Você deveria jogar algum esporte se gosta tanto assim.

— Não dá. Estou reprovando nas matérias — ela resmungou, cruzando os braços. — Além disso, isso é coisa da Sage.

— Tá bom — ele disse, sem querer abrir esse vespeiro. — Melhore suas outras notas que eu faço trocarem o reforço escolar de volta pra educação física. Agora me conta o que alguém pode ter dito pra te fazer esfaquear a pessoa.

— Seu pai finalmente vai desistir hoje. Graças aos deuses, porque ele gastou todo o dinheiro da matilha tentando encontrar sua irmã, mesmo todo mundo sabendo que ela tá morta pra caramba.

Jillian sussurrou isso, e embora não estivesse olhando para ele, pôde ver os dedos dele ficarem brancos de tanto apertar o volante. Ele encostou o carro, parando na rua principal, e era estranho como os pais se tornavam tão familiares. Ela só conseguia ouvi-lo, mas sabia que ele estava passando a mão pelo rosto e depois pelo cabelo.

— Qual é o nome desse garoto?

— Blair Cortney — ela disse, finalmente olhando para ele.

Ele assentiu e suspirou. — Desculpa você ter que lidar com isso, Jillian. A família dele me odeia.

— Por quê?

— O pai do Blair era um de seis irmãos. Depois da guerra, só sobraram dois. Os avós dele me odeiam, o tio dele me odeia, e o pai dele me odeia. Tenho certeza de que ele só ouviu coisas horríveis sobre nossa família desde que estava na barriga da mãe.

— Ah — ela sussurrou, e, apesar de tudo, sentiu pena de Cort. — É louco como a gente ganhou a guerra, e às vezes parece que não.

As ondas de dor ainda corriam profundas na matilha, mesmo depois de vinte anos. Ela, Cort e até Dylan nem tinham nascido quando tudo aconteceu, e isso afetava cada dia das vidas deles.

— Já senti isso antes através do Ivailo. O pai do Blair, Baylon, já pensou em me desafiar.

— O quê? Ele não pode fazer isso!

— Pode sim. Eles têm tanto direito ao título de Alfa quanto a gente. A linhagem da mãe do Baylon é a mesma que nosso ancestral depôs pra tomar o título.

— Não acredito.

— Pois é. Podemos achar que desafios de Alfa são coisa do passado na sociedade de hoje, mas isso não significa que não possam acontecer. A maioria da matilha sempre me apoiou fortemente, provavelmente é por isso que ele não tentou.

— Você ia ganhar dele. Fácil.

Um leve sorriso surgiu no canto da boca dele, mas ele apoiou a cabeça na mão e ficou olhando pela janela da frente. — Quando você lidera através de conflitos, não importa o resultado, sempre sobram pessoas quebradas. E elas não têm mais ninguém pra culpar por essas fraturas além de mim.

— Você gastou todo o dinheiro da matilha?

“Não. Eu não gastei um centavo do dinheiro da alcateia tentando encontrar Ceres. Gastei muito do nosso dinheiro. O dinheiro da nossa família. Gastei uma quantia absurda do dinheiro do Cass, mesmo depois de descobrir que era dinheiro sujo de sangue.”

“Sério?” ela perguntou, ciente de que ele estava sendo incomumente aberto sobre informações que normalmente eram guardadas a sete chaves.

“Sem que eu soubesse, Cass tem saqueado covens de vampiros há duas décadas. Matando todos eles e pegando o dinheiro deles, que, pelo visto, é muito, vindo da venda de escravos humanos no submundo. Eu invisto esse dinheiro e faço mais, que usamos para tentar encontrar Ceres. Só descobri no ano passado, quando ele me entregou um maço de dinheiro coberto de sangue e disse: ‘A gente ainda pode gastar isso, né?’”

“Até que é fofo, de um jeito perturbador.”

“Bom, eu não falei pra ele parar,” ele admitiu. “Ele insiste que são todos ‘vampiros maus’ e diz que salvou dezenas de humanos que seriam traficados ou usados como alimento.”

“Eu achei que todos os vampiros fossem vampiros maus?”

“Pois é, não sei de onde ele tirou essa ideia de ‘vampiros bons’. Juro, Jillian, eu até pensei nisso, mas nunca toquei nos recursos ou no dinheiro da alcateia.”

“Tá bom.”

Um silêncio pairou entre os dois, até que ele perguntou: “Então, você quer tanto assim ser treinada?”

Jillian revirou os olhos, nem se dignando a responder, porque ele já sabia a resposta. Ela não ia ficar implorando.

“Tá bom. Aqui vai a proposta. Pelas próximas duas semanas, eu vou te treinar. Mas vai ser pesado. Vai ser o programa de treinamento militar para guerreiros, algo que eu normalmente não recomendaria antes de você completar dezoito anos, mas, se você está tão determinada quanto diz, vai dar conta.”

Ela se animou, achando que estava sonhando. “Sério?”

“Se você quiser continuar o treinamento depois da sua suspensão, vai voltar pra escola e melhorar suas notas. Não tô pedindo pra você ser a melhor da turma, Jillian, mas terminar o ensino médio é uma parte importante de se tornar um adulto funcional. Eu fico satisfeito com notas razoáveis.”

Ela suspirou, mas assentiu.

“E as brigas. Eu preferia que parassem, mas vou te ensinar como dominar alguém sem machucar. São táticas que você vai usar se precisar lutar.”

“Chega de facadas,” ela concordou. “E você promete que vai levar isso a sério? Meu treinamento?”

Ele olhou para ela, com um brilho travesso nos olhos. “Ah, você vai achar que o Hades te jogou no rio de fogo. Vou te deixar forte, Jillian Greenwood. Se você completar o treinamento, vai conseguir botar qualquer um pra correr. Exceto o Cass. E o Henry.”

“Mas com certeza você,” ela disse, provocadora. Mais ou menos.

“Como é que é?”

“Tô dizendo que um dia, velhote, eu vou te botar de costas no chão,” ela afirmou com convicção, balançando a cabeça de um lado pro outro com um ar debochado.

As sobrancelhas dele subiram até a testa, e ele a surpreendeu com um sorriso largo. Os olhos dele mudaram de cor, mostrando que ela tinha despertado o lobo dentro dele com aquelas palavras.

Ele se inclinou sobre o console do carro, perto o suficiente para ela sentir o cheiro de menta no hálito dele, e, com um rosnado brincalhão, disse: “Vem com tudo, garota.”

Ela abriu um sorriso radiante, mais animada do que nunca.

“E aí, você ainda curte sorvete de amora, ou agora tá muito descolada pra isso?”

“Sério?” ela perguntou pela terceira vez, se perguntando pra onde o pai dela tinha ido e quem era aquele impostor.

“Bom, eu garanti pro Rolland que você ia ter o que merece por ter começado aquela briga hoje.”

Jillian se recostou no banco, chocada, enquanto o carro saía do meio-fio e fazia um retorno, seguindo em direção à sorveteria.

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