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Gideon: A paz é uma ilusão

Ele se apressava, mas com mais cuidado do que jamais tivera na vida, escolhendo o caminho mais suave e eficiente entre as árvores. Ivailo, seu lobo, estava no controle porque Gideon era um desastre, seu pânico pulsando duas vezes mais rápido do que o lobo conseguia avançar.

“Calma aí,” ele disse através do vínculo, tentando tranquilizar Eris.

Mal conseguiu pronunciar as palavras, pois, assim que abriu o canal de comunicação forjado por aquele fio de magia que unia suas almas, uma dor explodiu dela. Ivailo quase tropeçou, e Gideon rapidamente fechou o bloqueio de novo. Seu lobo preto acelerou o passo, mas Eris gemeu em suas costas enquanto era sacudida, os dedos dela cravados fundo em seu pelo.

River disse algo de seu lugar atrás da companheira de Gideon, a bruxa fazendo uma pergunta em voz baixa para Eris. Ele olhou por cima do ombro e viu que ela tentava oferecer algum apoio durante o trajeto difícil, segurando firme a barriga inchada de sua esposa. Gideon não sabia disso na hora, mas ela também estava contando as contrações dessa forma. E elas não estavam diminuindo.

“Ela não vai aguentar,” Ivailo, seu lobo, o alertou, a voz grave e calma.

“Quê? Como você sabe?”

“Já vivi vidas suficientes pra saber.”

Como se quisesse provar que sua outra metade estava certa, Eris gritou: “Não consigo! Para!”

Ivailo parou derrapando em uma pequena clareira coberta de agulhas de pinheiro, deitando-se para que a bruxa pudesse ajudar Eris a descer de suas costas. Assim que elas estavam fora do caminho, ele se transformou. Gideon se levantou e tropeçou ao tentar vestir sua calça de moletom e chegar até Eris ao mesmo tempo.

Ela estava de joelhos, então ele deslizou para o chão à frente dela, o coração apertado ao ver a expressão em seu rosto. A dor dela estava estampada ali, enquanto ela gemia e balançava a cabeça, sussurrando: “Está vindo, está vindo.”

Gideon colocou as mãos na cintura dela, e seu coração deu um salto quando sentiu, o corpo dela se retesando enquanto a barriga macia que ele tanto tocara nos últimos meses se tornava dura como pedra sob seus polegares. Ela gemeu várias vezes durante o processo, e, depois do que pareceu uma eternidade, relaxou com um suspiro contra o peito dele, a barriga amolecendo novamente.

Ele ficou sem palavras, a boca aberta. A dor dela o assustava. Outros homens o tinham avisado que seria difícil. Ivailo o avisara. Ele lera e assistira a um milhão de coisas antes que explicavam o que esperar, e ainda assim estava atordoado com a intensidade daquilo.

“É uma dor com propósito,” Ivailo o lembrou.

Um propósito. Um bebê. Dois, na verdade.

“Eris, estou bem aqui,” ele disse ao ouvido dela, os olhos fixos na bruxa, que estava ocupada limpando as agulhas até chegar ao gramado verde e fresco abaixo.

Com poder sobre o elemento terra, ele a observou colocar as mãos no chão e desfazer um bom pedaço de grama em pequenos fios, como linhas. Eles se entrelaçaram, formando um tapete bem tecido no chão da floresta.

“Já está vindo de novo,” Eris reclamou, e ele não tinha certeza se ela falava com ele ou não.

“River?” ele perguntou.

“Venha sentar com ela entre suas pernas, Alfa.”

“Preciso te mexer—”

Ele começou a perguntar a Eris o que poderia fazer para melhorar a situação, mas ela soltou um suspiro trêmulo e se levantou rapidamente, agarrando-se ao corpo dele e jogando os braços ao redor de seu pescoço, ficando agachada à sua frente.

Ela respirava fundo e gemeu: “Minhas costas.”

Gideon sabia exatamente o que ela queria, porque, graças à deusa, River tinha feito eles praticarem tudo isso. Ele envolveu as mãos nos quadris dela e pressionou os dedos na base das costas de Eris, tentando aplicar uma contrapressão à contração.

O rosto dela estava enterrado na curva do pescoço dele, molhando a pele de Gideon com seu suor e lágrimas. Ele virou a cabeça e beijou a têmpora dela, o único lugar que conseguia alcançar.

— Mais — ela ofegou, e ele apertou ainda mais as costas dela. Eris mexeu os pés, e ele sentiu de novo, a barriga dela se contraindo sob seus polegares.

“A respiração. Lembra?” Ivailo latiu. “Vamos lá, Gideon! A gente aprendeu tudo isso!”

Ele começou a fazer a respiração contada, como River tinha ensinado a ele e a Eris, embora você devesse começar no início da contração, então ele não tinha certeza se o ritmo estava certo. Ficou surpreso e animado quando ela começou a acompanhar, até que parte do foco dela pareceu se voltar para as respirações. Como se estivesse em transe.

Pareceu durar uma eternidade de novo, mas Eris finalmente relaxou, puxando uma respiração profunda e gritando: “River!”, seguido de um soluço, antes de berrar: “ME AJUDA!”

Era o tom mais desesperado que ele já tinha ouvido dela, e Gideon não conseguia conter o horror de ouvi-la com tanta dor.

Para o seu lobo, ele disse: “A gente nunca mais vai passar por isso”, e recebeu uma risadinha cúmplice como resposta.

— Foque na próxima respiração — disse River, limpando o suor da testa de Eris e massageando as costas dela.

O rosto de Eris se contorceu de dor. — Acho que preciso fazer força.

— Você quer ficar agachada ou ir pro colchonete? A escolha é sua. Quero que você faça o que parecer natural.

— … O colchonete.

Gideon não hesitou mais, levantando-se e pegando Eris no colo, fazendo uma careta enquanto ela gemia, mas se acomodando em uma posição sentada com Eris recostada entre suas pernas.

— Minhas calças! — ela choramingou, tentando arrancar as leggings encharcadas.

Gideon viu River deslizá-las para fora, e onde Eris agarrava suas coxas, ele provavelmente ficaria com hematomas. Mas não se importava. Desejava que ela pudesse apertar mais forte, que ele pudesse tirar um pouco da dor dela.

— Tá vindo — Eris sussurrou.

— Você vai fazer força e empurrar dessa vez, Luna — disse River. — Vai ser tão bom, eu prometo.

Ela se tensionou e grunhiu, e Gideon percebeu que já estava acontecendo. Ele meio que fez força junto, segurando firme os joelhos dela e ouvindo River contar.

— Sete, oito! Tá bem, respire fundo e volte a fazer força. Um, dois…

A contração passou, e Eris relaxou, a cabeça caindo de volta contra o ombro dele.

— Você tá respirando fundo, mas não tá relaxando completamente. Sempre faça um pouco de força, senão vai perder o progresso — disse River, as mãos ocupadas entre as pernas de Eris, fazendo o que parteiras fazem. — Tira a blusa dela, por favor, Alfa.

Gideon ajudou Eris a tirar a blusa pela cabeça e a entregou para River. Era dia sete de julho, então a noite estava quente. Ele olhou para cima. A fumaça da cidade em chamas ali perto cobria a lua, lançando raios cor de ferrugem sobre a pequena clareira.

— Tá vindo de novo — disse Eris com um gemido, e River assentiu.

— Quando você estiver pronta. Seu corpo sabe o que tá fazendo.

Ela se inclinou para a frente e fez tanta força que o corpo todo tremia. Gideon apoiou as costas dela e segurou suas pernas. Qualquer coisa que parecesse certa para se manter à tona nas contrações que vinham como ondas. Parecia que os altos e baixos nunca teriam fim, embora mais tarde River lhe dissesse que Eris fez força por quarenta e cinco minutos antes do primeiro bebê nascer. Para ele, parecia que tinham sido quarenta e cinco horas.

A onda mais recente passou, e ela relaxou contra ele. Gideon sentiu o quanto as costas dela estavam escorregadias de suor, e ele afastou os cabelos grudados na bochecha dela para beijar seu rosto vermelho, aninhando a cabeça dela em seu ombro.

— Aqui. Seu bebê está coroando — disse a bruxa com um sorriso incomumente largo, pegando a mão de Eris e guiando-a para sentir. — Mais um ou dois esforços, e vocês dois serão pais.

Gideon observou o rosto de sua esposa relaxar em um sorriso suave, os olhos dela fechados, e sua garganta se apertou de emoção. Ele podia sentir, no entanto, o corpo dela se contraindo, preparando-se, e segurou firme os joelhos dela enquanto as unhas dela cravavam em seus antebraços, usando-os como apoio para fazer força.

Observando de seu ponto de vista acima de Eris, ele sabia que nunca mais seria o mesmo depois daquele momento. Era a coisa mais horrível e bela que ele já havia presenciado.

Gideon piscou rapidamente quando uma cabecinha amassada apareceu, e River gritou:

— Muito bem, Luna! Um pouco mais!

Eris soltou um grito, algo que ele só conseguia descrever como um grito de uma guerreira, e foi como se ele tivesse piscado uma vez e, de repente, o corpo inteiro do bebê estivesse ali. Ele viu primeiro que era uma menina, e ela chorava alto, o rostinho manchado e zangado.

O choro agudo encheu seus ouvidos, e um sorriso lento se espalhou pelo rosto dele. River colocou o bebê no peito de Eris e usou a parte de dentro da camisa que ele a ajudara a tirar para limpar o rostinho manchado da pequena.

— Caramba, caramba, oh deusa, caramba… caramba — ele sussurrou, sem saber quantas vezes havia dito isso sem perceber.

Eris soluçava, agarrando o bebê, e a mão dele estava sobre a dela, ambos segurando a filha deles.

— Um esforço leve — disse River, e ele sentiu Eris fazer força.

Por algum motivo idiota, ele esperava outro bebê, mas River levantou a placenta e a colocou sobre a barriga da filha deles. Gideon engoliu em seco quando teve que segurá-la, incomodado com o pedaço fibroso e ensanguentado.

— Ah, cresce, garoto, você é um lobo — murmurou Ivailo.

Eris gemeu, e River disse:

— O segundo bebê está pélvico.

Ele se endireitou, o pânico estourando como uma bolha em seu peito.

— O que a gente faz?

— Já entreguei bebês pélvicos antes, especialmente o segundo gêmeo. Não se preocupe, só queria que você soubesse que vai ver os pés primeiro — respondeu River.

Foi muito mais rápido dessa vez, e ele observou de olhos arregalados enquanto River manipulava o bebê durante as contrações, começando pelos pés. Um menino, ele percebeu no meio do processo. Seu filho.

Gideon não tinha certeza se respirava, e todos os sons externos desapareceram com o rugido de seu coração acelerado. Seus instintos sentiam que algo não estava completamente certo no jeito que o bebê se movia.

— O que está acontecendo? — ele exigiu saber.

— O coração dele está fazendo coisas que não me agradam — murmurou a bruxa, e então, mais alto: — Vamos lá, Eris, um grande esforço. Vamos tirá-lo daqui.

Gideon observou, e a resposta se apresentou no cordão umbilical, enrolado não uma, mas duas vezes ao redor do pescoço do bebê.

River o removeu imediatamente, colocando seu filho no tapete, onde ele estava quieto.

— Você está bem, filhote, respire fundo — disse a bruxa baixinho, limpando as vias aéreas dele e esfregando seu peito em círculos.

— Gideon?

Ele olhou para baixo e viu que Eris o observava, estudando suas reações com os olhos cheios de lágrimas.

— Ela está ajudando ele. Está tudo bem — ele disse, impressionando-se com o quão calmo soava. — Ele está…

Gideon não precisou terminar de falar, pois o choro agudo do bebê ecoou pelas árvores ao redor. Ele e Eris sorriram, a preocupação dela se transformando em lágrimas de alegria. Ansioso, ele largou o bloco, já que seu alfaiate, de todas as pessoas, havia lhe dito para abrir o vínculo imediatamente se quisesse sentir a euforia. Os primeiros momentos de uma mãe com seus filhos.

Uma emoção intensa cresceu, inundando como um rio fresco de montanha na primavera. Uma força incontrolável. Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ele observava seu filho chorando sendo colocado no braço livre de Eris, e ele se aproximou para ajudá-la a segurar os dois. Ele podia sentir que ela ainda estava com dor, mas a felicidade era tão avassaladora que parecia um eco.

— Ele está bem? — Gideon perguntou.

— Ah, sim — River respondeu, sorrindo e passando os dedos sobre a cabeça do bebê. — Só está um pouco atordoado com o despejo rápido. Eris, você não poderia ter feito melhor. Estou impressionada. Agora segurem firme, vocês quatro, que eu já volto.

River desapareceu, sumindo num piscar de olhos, e Gideon lançou um olhar para a bebê, que havia se acalmado. Ele quase deu um pulo de susto. Não tinha passado muito tempo perto de recém-nascidos, mas não se lembrava de seus olhos estarem abertos, muito menos tão arregalados. Com apenas alguns minutos de vida, ela o encarava com olhos amarelos brilhantes, como se pudesse ver diretamente sua alma.

— Olha só — Eris sussurrou, dando uma risadinha suave, e ele virou a cabeça para ver que o menino também havia se acalmado e fazia uma ótima imitação de um peixe faminto no peito coberto da mãe.

Gideon esticou uma garra e cortou as duas alças do sutiã esportivo dela. — Aqui.

Trabalhando juntos para segurar os dois bebês, eles se ajustaram até que o sutiã dela estivesse abaixado, mas logo descobriram que amamentar não era tão simples quanto parecia. Natural não significava fácil.

— Não, aqui em cima — ele disse ao filho, que agora procurava na direção errada. Com mais liberdade nas mãos, Gideon tentou ajudar movendo o bebê, mas percebeu que era muito mais difícil do que jamais imaginara.

— Ele é tão molinho — Eris sussurrou.

— Sim, mas de alguma forma tão forte — Gideon respondeu.

Eles já haviam escolhido os nomes, e ele optou pelo que lhe parecia certo. Rindo de espanto com a força de um ser tão pequeno, ele disse: — Meu Deus, Henry, se acalma! — porque toda vez que se aproximava, o bebê ficava agitado, sacudindo a cabeça e transformando um alvo já difícil em algo ainda mais complicado.

Os dois riam e tentavam acertar. Uma vez, o bebê conseguiu pegar o peito, mas Eris soltou um grito de dor e se afastou de repente.

— Você tem que mover o peito dela, não o filhote… e apertar um pouco. O peito, não o filhote — Ivailo disse.

— Como é que é?

— Sabe… — Ivailo continuou, e Gideon podia sentir que ele procurava as palavras certas — como quando você come um sanduíche alto e precisa apertar pra dar uma mordida grande. A boca dele é pequena.

— Ahm — Gideon falou em voz alta para Eris. — Meu lobo está me dando uns conselhos bem diretos, mas não sei se confio nisso.

— Eles provavelmente sabem mais que a gente — ela respondeu, e Ivailo bufou na mente dele. Eris ajustou Henry no braço, virando-o de forma que ficasse barriga com barriga com ela, e Gideon percebeu que ela estava seguindo instruções do lobo dela.

— Tá bom — ele murmurou, e segurou o peito dela com a mão, tentando fazer como seu lobo havia dito.

— Devagar! Minha nossa, você não está matando vampiros aqui. Isso, uma mordida grande, empurra aí dentro.

‘Seja gentil e empurre isso aí?’ Gideon perguntou com um tom seco.

‘Cala a boca,’ Ivailo retrucou com rispidez, ‘e é um movimento de pulso, da gengiva de baixo pra cima. Pensa na forma da sua boca.’

De alguma forma, essas instruções se juntaram ao que ele tinha lido nos últimos meses, e fez sentido enquanto Gideon tentava. Depois de duas tentativas, ele conseguiu, e Henry e Eris relaxaram um no outro.

Ele sabia que tinha marcado pontos importantes quando ela o olhou com a expressão mais crua de amor que ele já tinha visto. Os sentimentos que inundaram o vínculo depois disso foram os mais intensos e avassaladores da vida dele, da melhor maneira possível.

Gideon ficou vermelho de orgulho. Mais do que ele jamais poderia ter esperado sentir. Ele transmitiu isso pelo vínculo até ela, admirado por ela, e feliz por ser um metamorfo, onde palavras que nunca fariam justiça não eram necessárias. Ele podia simplesmente mostrar a ela como se sentia.

‘O cheiro de pinheiro, grama e terra. Isso é bom, Gideon. É assim que filhotes de lobo deveriam nascer,’ Ivailo disse, praticamente vibrando de felicidade.

Uma calma os envolveu, uma paz, e ele quase sentiu raiva quando River apareceu.

—“Desculpa a demora, foi mais tempo do que eu esperava.” Ela sorriu ao ver o bebê completamente agarrado. “Parece que vocês estão se saindo bem sem mim.”

—“Meu lobo sabia o que fazer,” ele disse, dando uma risada.

—“Um lobo alfa agiu como seu consultor de amamentação?”

—“Foi ele mesmo.”

—“Bom, acho que essa é a vez que fiquei mais impressionada por causa de um lobo alfa.”

Não era um elogio qualquer, considerando a idade dela. Ivailo deu uma risada, satisfeito consigo mesmo e com a abundância de bênçãos que seguravam nos braços.

—“Muito obrigado, River,” Gideon disse, sem querer nem imaginar como teria sido se tivesse que fazer tudo aquilo sozinho.*

—“De nada. Eu amo trazer bebês ao mundo. Agora, contanto que você esteja bem, Luna, não temos pressa,” River disse, adicionando algumas gotas de óleo herbal a uma bacia. Só então ele notou quanto sangue havia, e como estava por toda parte, nas mãos e nos braços dele.*

—“Eu me sinto incrível,” Eris disse, os olhos enchendo de lágrimas novamente.*

—“Esse é um momento lindo, então aproveitem. Não se preocupem com o que estou fazendo, só estou limpando. Mas antes,” River disse, mexendo em uma bolsa e encontrando grampos que usou nos cordões umbilicais, “vai em frente, Alfa.”

Usando sua garra novamente, ele cortou os cordões, surpreso com a resistência elástica deles. Os bebês não ficaram incomodados como ele esperava, para seu alívio.

—“Ceres Diane,” Eris disse, olhando para a bebê de olhos arregalados e dando a ela o nome de suas mães, “e Henry Gaylon Greenwood,” em homenagem aos pais deles.*

Observando a filha, Gideon disse, “Já dá pra perceber que Ceres é especial, como você.”

“Com as linhagens de sangue de vocês, não me surpreende,” River respondeu com a testa franzida, encarando a bebê que a encarava de volta. “E aqui, nesta noite de lua vermelha, onde muito sangue inocente mancha o chão, eu ficaria chocada se qualquer um dos dois fosse normal.”

✨🌙✨

Gideon abriu os olhos, encarando o dossel branco da cama deles.

“Foi um sonho bem emocionante,” Eris sussurrou ao lado dele, entrelaçando os dedos com os dele.

“Eu estava em uma floresta de pinheiros numa noite quente de verão, presenciando um tipo de magia completamente único enquanto a Lua Diamante ardia atrás de nós no horizonte.”

Dragões tinham incendiado o bando vizinho naquele sete de julho, destruindo todos em seu caminho sem distinção.

Depois disso, Gideon fez disso sua missão: acabar com todos eles. Ele, Eris e seus companheiros derrotaram aquele mal por um mundo melhor para criar seus filhos. Mas nada disso importava, porque Ceres ainda estava desaparecida, tirada dele — tirada de sua casa de alcateia — sem nenhum vestígio de um suspeito.

Eles marcaram o décimo aniversário do desaparecimento dela neste verão, junto com o vigésimo terceiro aniversário de Henry e Ceres. Gideon um dia acreditou que dinheiro e feitiçaria juntos poderiam resolver qualquer problema, mas agora ele aceitava que isso não traria sua filha de volta.

Nunca vamos desistir da nossa filhote,” Ivailo rosnou.

Claro que não! Mas não há mais onde procurar. Na Terra. Esses rumores sobre portas dimensionais são interessantes, no entanto. Se pudéssemos encontrar uma…

— Gideon — disse Eris suavemente.

— Eu sei. Estou guardando isso.

Como sempre, ele fez o que fazia: imaginou um grosso arquivo em sua mente com o nome de Ceres na capa e visualizou guardá-lo em uma caixa para depois.

— Você está pronto para o seu último dia como Alfa? — perguntou ela.

— Não — sussurrou ele, carregando mais de uma dúvida sobre passar as rédeas da alcateia para Henry hoje.

— Gideon — repreendeu Eris, sentando-se na cama —, já discutimos isso.

— Eu sei que fui voto vencido — retrucou ele, seco, e virou-se de modo que cada um ficou de frente para uma parede diferente.

Henry dizia que estava pronto. Eris dizia que Henry estava pronto. Finn dizia que Henry estava pronto. Leo era indiferente, o que não surpreendia ninguém, e a única pessoa do lado de Gideon era Cass. Isso contava apenas como meio voto, porque Cass era louco. E Gideon dizia isso com carinho.

Ele sabia de uma coisa: Henry não estava pronto.

De muitas formas, ele estava. Tinha acompanhado Gideon desde o dia seguinte à formatura no ensino médio, sem demonstrar interesse em nada além de servir à sua alcateia e ser um bom alfa. Era inteligente, carismático e, sem dúvida, merecia isso com horas e mais horas de dedicação extra.

Não é o Henry,” disse Ivailo.

Eu sei.

Por meio de conversas com Ivailo e de passar mais tempo com Henry do que qualquer outra pessoa, Gideon passou a entender que o lobo de Henry era velho. A maioria dos alfas era, mas esse era um velho ancestral, com Ivailo confessando que, em comparação, ele próprio era um filhote. Gideon sabia que nunca admitiria isso, nem mesmo entre eles, mas sentia que o lobo de Henry intimidava Ivailo.

Ele era frio e insensível. Agressivo, explosivo e cheio de outros adjetivos desagradáveis.

O maior medo de Gideon era que Henry não estivesse pronto para controlar um lobo como aquele. Ele temia que o lobo, uma besta imensa chamada Bleu, tivesse influência demais nas decisões de Henry. O problema era que ele era absolutamente impiedoso. Todos tinham visto isso em encontros letais de defesa contra vampiros ou lobos solitários.

Isso impressionava a maioria, incluindo Eris e Finn, mas a tendência de Bleu para a violência alarmava Gideon. Por duas vezes, ele e Henry discutiram longamente sobre a necessidade de perseguir e matar inimigos em retirada, e Gideon sabia que isso era tudo culpa de Bleu. Ele sentia que o lobo estava sempre o testando, cutucando-o e fazendo Henry questionar tudo o que fazia.

Ninguém levava suas preocupações a sério, e sua recusa em aceitar a ascensão estava desgastando gravemente seu relacionamento com o filho. Então, ele relutantemente concordou. Agora o dia havia chegado, e ele sentia a tensão no pescoço à beira de lhe causar uma dor de cabeça.

— É um péssimo momento para mudar de liderança com os rumores sobre o que está acontecendo no reino humano — argumentou ele com Eris, reabrindo uma discussão que já tiveram mil vezes.

"Gideon, nunca é uma boa hora. São dragões, bruxas ou zumbis. A paz é uma ilusão. Henry vai encarar tudo de boa porque ele está pronto. Os dois estão."

"Dorothy está definitivamente pronta. Henry, eu não tenho tanta certeza."

Dorothy, a companheira de Henry, conhecida carinhosamente como Dot, tinha se transformado de uma garota tímida em um exemplo clássico de uma Luna. Ele sentia orgulho dela, tão orgulhoso quanto sentiria de uma filha com a mesma ética de trabalho obstinada que Dot demonstrava.

Gideon não escolheria outra, claro, mas Eris era uma Luna poderosa de um jeito único. Tanto ela quanto sua irmã, Enid, eram agraciadas por causa de sua linhagem rara; Eris conseguia curar quase qualquer ferida com seu canto. Além disso, ela era uma mulher severa, muitas vezes vista como fria. Para se destacar ainda mais, ela foi a primeira entre seu povo a matar um dragão.

Os membros da alcateia respeitavam Eris, até a temiam, mas amavam Dot. Nascida e criada no centro da cidade por uma mãe trabalhadora e viúva de guerra, ela era valorizada como uma deles.

Nos últimos cinco anos, Dot até encontrou sua voz na presença de Gideon, apontando para ele pessoas que haviam ficado esquecidas. Recentemente, ela começou a dizer sem rodeios onde ele precisava focar sua atenção, e ele respeitava isso mais do que conseguia expressar. Ele valorizava muito.

Ela seria um dos maiores trunfos de Henry. Henry sabia disso, claro, uma vez referindo-se a ela como sua rainha, como se a vida fosse um jogo de xadrez. Gideon estava apostando todas as suas fichas nela para ser a lutadora ao seu lado. A voz da compaixão que Henry muitas vezes precisava ouvir.

Além de ser uma excelente aprendiz, ela lhes presenteara com três filhos adoráveis. As meninas de cabelo ruivo de Henry, a mais velha chamada Ceres, em homenagem à sua gêmea perdida. Aqueles bebês doces, seus netos, aliviavam algumas camadas da melancolia sempre presente dele.

Gideon olhou para o relógio e esfregou a nuca. Cinco e cinco. "Jilly já chegou na academia antes de mim."

Ele costumava chegar primeiro para aproveitar o silêncio, até que sua filha mais nova, sem dizer uma palavra, começou a aparecer mais cedo que ele, levantando pesos e o ignorando com seus fones de ouvido. Então, ele começou a chegar mais cedo e a ignorá-la. Depois, ela chegou ainda mais cedo, e assim por diante, até que estavam lá ridiculamente cedo, no meio da noite, e tiveram que estabelecer um limite às cinco.

Ela fazia coisas estranhas como essa para chamar a atenção dele, mas, quando ele tentava interagir com ela, sempre acabavam discutindo.

Sua filha rebelde. A culpa envolvendo Jillian poderia facilmente dominá-lo em um dia ruim. Gideon sabia que ela crescera à sombra do sequestro de sua irmã, e que ele gastara muita energia nisso em vez de criá-la.

Recentemente, ele percebeu que ela vinha pedindo sua atenção há anos, algo mais do que evidente nos últimos seis meses, quando ela apareceu com a cabeça raspada e uma tatuagem. Na lateral da cabeça. Aos quinze anos. Não era um passarinho bonitinho ou uma frase feminina. Uma viúva-negra, mas a ampulheta era uma rosa vermelha.

Ela foi pega na escola com substâncias ilegais para sua idade, cigarros e maconha. Três vezes este ano, Eris teve que ir à sala do diretor para discutir as brigas físicas que Jillian começara — e vencera, para seu deleite silencioso. Ele realmente precisava se aposentar, porque estava ficando óbvio que ou ele liderava a alcateia, ou criava Jillian, mas simplesmente não havia tempo no dia para fazer as duas coisas.

“Só treina com ela. É o que ela quer,” disse Eris, levantando-se.

“Eu já ofereci, mas ela ri e revira os olhos. No dia seguinte, ela me implora. Ela adora me confundir, e gosta de brincar comigo, Eris, você não faz ideia. Além disso, eu não quero incentivar a agressividade dela.”

“Por quê? Ela é feroz. Deixa ela ser assim.”

“Foi isso que você disse pro diretor da última vez?”

“Basicamente, mas tenho a impressão de que ele não concorda com meu estilo de criação.”

“Bem, nossa filha é selvagem.”

“Ela é uma mulher forte. Você deveria treinar com ela.”

“Ela tem quinze anos.”

“Você treinou com o Henry quando ele tinha quinze, então espero que sua hesitação não seja porque ela é mulher,” disse a esposa, e o tom afiado dela o alertou que ele estava entrando em terreno perigoso.

“Claro que não. É só que… ela é nosso bebê. Nosso bebê selvagem.”

“Ela não é um bebê.”

“Quinze anos ainda é bebê.”

“Jillian não acha isso.”

“Bem, isso é porque ela não sabe. Porque ela é um bebê.”

“Ela tem um namorado agora.”

“Não me lembre disso. Ai, meu Deus, ela tá fazendo isso só pra me atormentar, eu sei disso,” ele disse, passando os dedos pelo rosto.

“Para com isso. Isso é ridículo,” ela falou, caminhando devagar ao redor da cama até montar no colo dele. Ela riu quando ele a abraçou com avidez, o coração dele derretendo na presença dela da mesma forma que fazia há duas décadas.

“Quando foi que começamos a discutir tanto por causa desses filhos?” ela perguntou, a voz rouca, sexy, como sempre foi. Os dedos dela encontraram a tensão no pescoço dele, sabendo exatamente onde ela sempre se acumulava.

Gideon encostou a testa no peito dela, suspirando e dizendo: “Saudade dos tempos da escola fundamental, quando o maior problema que enfrentávamos era o drama emocional pela morte trágica do hamster Giggles.”

Ela deu um suspiro surpreso, dizendo: “Nossa Senhora, eu tinha esquecido do Giggles. Ninguém fala sobre o lado sombrio dos aspiradores robôs.”

Gideon soltou uma risada pelo nariz, olhando para sua companheira. Eles tinham enfrentado muita tristeza nessa última década sem Ceres, e ele estava feliz por vê-la de humor leve naquela manhã. Diferente dele, ele sabia que ela estava pronta para se afastar do papel de Luna. Com o jeito que Dot se destacava, Eris praticamente já tinha feito isso.

“Cedo demais,” ele sussurrou sobre a piada do Giggles, e ela sorriu como uma loba.

As mãos dela seguraram o rosto dele, e ela o beijou de um jeito que fez um sorriso lento se espalhar pelo rosto dele.

Suspirando, ela disse de forma provocante: “Bem, acho que você tá atrasado.”

“Ela já me venceu, não adianta correr agora.”

As mãos dele subiram pelas pernas nuas dela e deslizaram por baixo da camiseta que ela usava como camisola. Ele ficou encantado ao descobrir que era a única coisa que ela vestia.

Gideon estava tirando a camiseta pela cabeça dela enquanto ela ria e perguntava: “Você vai escolher seu último dia como Alfa pra abandonar sua obsessão por pontualidade?”

Ele afastou o cabelo loiro dela sobre o ombro e beijou o centro do peito dela antes de olhar para o dourado suave dos olhos dela. “Sim, vou. Você viu o prêmio?”


Nota da Autora:

Meus queridos leitores, estou tão animada de estar de volta com vocês!

Espero que tenham gostado dessa cena de abertura. O nascimento de Henry e Ceres pareceu a melhor forma de amarrar toda a história.

Esta história será atualizada com (3.000-5.000) palavras toda quarta-feira.

Obrigada e um grande carinho,

Lynn

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