Capítulo 6 - Eu quero você
"Não quero que você seja minha fã. Quero que seja minha." - Emme Rollins
Kiya
O ar negro e nebuloso formava um perímetro ao redor da minha santidade privada para evitar que qualquer forma de luz penetrasse. Silencioso e dançando ao som de uma melodia silenciosa, ele me prende em um mar móvel de nada. Corpos tangíveis não existiam além do meu, e ainda assim, não traziam conforto. Para onde quer que eu olhe, os itens do meu quarto desaparecem atrás da névoa de obsidiana. Os sons do mundo exterior abafados contra a barreira, me aprisionando em uma redoma de privação sensorial. Apenas minha respiração é ouvida, caindo rapidamente do equilíbrio.
A nuvem de fumaça enegrecida pairando sobre a minha cama se moveu, deslizando pelo ar como uma jiboia observando sua presa. Olhos vermelhos vibrantes percorrem meu corpo com antecipação, como se estivesse tentando encontrar uma fraqueza. Lentamente, ele se aproximou do meu rosto, deixando um pequeno espaço entre nós.
"Relaxe, minha Pequena Lua." Osiris sibilou com sua voz profunda e aveludada. "Não vou te machucar. Isso é, se você não me der motivo."
"Você deveria estar morto..." Sussurrei, pressionando a parte de trás da minha cabeça ainda mais contra a porta. Um peso pesado se instalou sobre o meu corpo, me prendendo sob o olhar do demônio que eu pensava ter queimado com o asilo abandonado. "Como..."
"Será preciso mais do que um prédio em chamas para se livrar de mim, minha querida." A massa riu. Senti sensações de dedos traçando minha pele nos meus braços, seguindo em direção à nuca. "Você e eu temos negócios inacabados para resolver."
"Não há nada entre nós. Tire suas malditas mãos de mim." Rosnei, tentando afastar a fumaça com a minha mão, mas não funcionou. Em vez de se dissipar como o normal, ela permaneceu. Minha mão agitada apenas passou pela massa, falhando em golpeá-la com força. "O- O que...!"
"Eu te aplaudo por tentar se livrar de mim, mas sejamos francos. Tenho mais truques na manga além disso, minha cara. É apenas apropriado nos encontrarmos quando estou intangível. Não quero chamar a atenção dos seus colegas mutantes para mim."
"Como você chegou a esta terra?" Questionei, minha expressão impassível e estoica. Não posso mostrar fraqueza ao meu inimigo. "Escapar do nariz dos lobisomens é uma proeza que poucos conseguem realizar."
"Sorte minha, eu sou um desses poucos sortudos." Osiris riu. Senti suas 'mãos' descerem pelos meus braços, enviando calafrios gelados pela minha espinha. Meu corpo tremeu involuntariamente enquanto sensações poderosas percorriam meu corpo. Elas exigiam minha submissão e obediência. É entorpecedor. "Nesta forma, não carrego cheiro, então os cães não podem me farejar. Mas, afinal, os vampiros não têm cheiro como os lobisomens."
"Você é um híbrido, no entanto."
"O lado lobo em mim está morto, levando consigo o meu cheiro. Meu lado vampiro tem precedência, concedendo-me as qualidades dos vampiros de sangue puro. Você sabe o que isso significa?" Uma mecha cacheada do meu cabelo subitamente se ergueu, puxada e estalou de volta como uma mola. "Posso estar em qualquer lugar e em todos os lugares ao seu redor e você não terá a menor ideia. Que emocionante, não é?"
"Chega de bobagens, Osiris." Finalmente recuperando a força no meu corpo, me afasto da porta. "O que diabos você quer?"
O silêncio nos envolveu, nos aproximando um do outro. Nenhum som é feito ou ouvido. Segurei a respiração na garganta, me preparando para um salto repentino de ação dessa nuvem semi-tangível de fumaça negra. Olhos vermelhos me observavam, desejando, esperando. "Já não passamos por isso?"
Meu mundo de repente deu um giro violento com um pouso suave. Com as costas pressionadas contra o cobertor macio da minha cama feita, a nuvem de fumaça pairava sobre mim para traçar o contorno de um homem maior e mais robusto. O contorno se encheu de preto, criando uma silhueta sinistra com a força de prender meus pulsos nos travesseiros em um aperto de ferro e pernas travadas de cada lado dos meus quadris.
"Você," Osiris disse com confiança transbordando com um toque de malícia oculta. "Eu quero você e eu vou te ter." Híbridos são rápidos. Especialmente este. Num piscar de olhos, ele prendeu ambos os meus pulsos com uma mão e a outra acariciou minha bochecha. O modo de sobrevivência entrando em ação, lutei contra o seu agarre. Seus toques são exigentes, possessivos; sem vontade de aceitar um não como resposta. Ele é pior do que um Alfa típico sobre sua companheira. Mas uma coisa permanece.
Ele tinha poder. Poder para me prender e me imobilizar sob seu olhar aquecido e maligno. Nada disso evocava bons sentimentos. Adagas afiadas dispararam através das defesas ao redor da minha alma, rachaduras se formando dentro da barreira supostamente poderosa antes de se romperem. Os humanos dizem que os olhos são as janelas da alma e Osiris está olhando através delas sob sua autoridade egoísta. As defesas caíram e estou exposta e ali, posso sentir mãos se estendendo do seu olhar vermelho, tocando e agarrando partes da minha essência que nunca revelei a mais ninguém.
"Tanta dor. Tanta raiva profundamente enraizada e ainda assim, você a enterrou em vez de liberá-la." Sopros quentes de ar faziam cócegas na minha orelha. A cabeça enegrecida do híbrido agora está atrás da minha têmpora, muito perto para o meu conforto. "Você tem todo o poder dentro de você para vingar a dor do seu passado. Como você pode continuar a se manter com sua moralidade quando as pessoas que te machucaram seguem vivendo suas vidas sem entender nem uma fração do dano que causaram?"
"Me solte." Rosnei, continuando a lutar. "Não é da sua maldita conta o que faço ou deixo de fazer com minhas emoções."
"E é por isso que você permanecerá fraca." Sua voz, agora desprovida de sua leveza original, adotou um tom sério. "Deus, você é tão patética. Sempre tendo que se fazer de mocinha. A boa avatar. Quando você vai permanecer fiel a si mesma e desencadear o inferno sobre todos aqueles que te prejudicaram?"
Silêncio. Minha resposta está no meu olhar mortal para o par de ameaças escarlates. Não há nada de bom em se render às suas emoções e desejos mais sombrios. Nada além de dor e agonia aguardam. Não nego que tenho um lado sombrio, mas escolhi o caminho da luz. Me honro como uma lobisomem e uma avatar de Selene.
"Me enoja ver como você se mistura com as muitas pessoas que te machucaram além da redenção, como se nada tivesse acontecido entre vocês. Você ri, dança, coopera e até toca nas pessoas que, no passado, não se importavam se você vivia ou morria." Ele acariciou meu lábio inferior, puxando-o suavemente para baixo. "Eu sei que você é melhor do que isso, Kiya. Eu sei, lá no fundo da sua alma, que você deseja liberar a fúria da lua sobre esses cães malditos."
"Você não sabe nada sobre mim, Osiris."
"Oh, eu sei tudo sobre você, Pequena Lua. Eu provei do seu sangue, lembra?"
Minha respiração deu um soluço. Como posso esquecer aquele momento nojento que compartilhamos quando ele bebeu do meu pescoço sem se importar com o que eu sentia? Segundo ele, o sangue carrega memória. Minha declaração original não tinha peso. Na verdade, a situação é o oposto direto do que eu disse.
Osiris sabe tudo sobre mim.
"Você sofreu por anos. Anos de maus-tratos que fariam até os deuses no céu chorarem. Quantas vezes eles decoraram essa pele bonita com uma variedade colorida de preto e roxo? Cicatrizes decoraram esse belo tom de pele como lembretes eternos da sua dor. Quantas vezes sua garganta queimou e ardeu com seus gritos? Com seus pedidos? Como é justo que você continue carregando o fardo dessa dor enquanto eles não carregam nenhum? Você não acha que merece algo melhor do que eles, minha querida?"
Eu odeio isso. Eu odeio isso positivamente. Como Osiris está fazendo sentido? Sim, por muito tempo, acreditei nesse sentimento; não é justo que eu seja forçada a carregar as consequências do meu abuso. Noites insones cheias de tormento, a escuridão da depressão apertando minha garganta a cada minuto da minha vida, pensamentos malignos que me bombardeiam com balas e granadas de desvalorização, culpa, dor, e dias intermináveis onde eu contemplei tirar minha vida enquanto ignorava os planos que Selene tinha para mim.
Por que eu fui a única que sofreu por anos enquanto todos viviam suas vidas frutíferas? Eu odiei todos por muito tempo e, no fundo, ainda odeio. Meu tratamento foi injusto. Eles me roubaram a felicidade, uma infância normal, a inocência e a adolescência. Eles tiraram tanto de mim...
Ouvi a respiração de Osiris dar um soluço de excitação. "As engrenagens na sua mente estão se movendo, minha doce. Lá no fundo, sob toda essa moralidade, você concorda. A injustiça persistiu por muitos anos e ninguém pagou pelo erro. Eles não são melhores do que os humanos que vendem seus filhos para a escravidão ou os espancam até a beira da morte porque derramaram leite na mesa de jantar. Não seria divertido se vingar?"
“Não o escute!” Artemis gritou no meu ouvido, dividindo a névoa de escuridão em minha mente em dois. “Você é melhor do que isso, Kiya. A dor é um ciclo interminável onde ninguém vence. Não caia nas palavras doentias dele. Osiris é malévolo. Proteja-se!”
“Não sou depravada como você, Osiris.” Retruquei, recuperando as rédeas da minha determinação mais uma vez. De jeito nenhum vou deixar essa besta me manipular. “O que faço e por que faço não é da sua conta. Faça um favor a si mesmo e não se meta nos meus assuntos. Sou da luz, não das trevas, e você nunca me colocará lá.”
“Nunca diga nunca.” Osiris suspirou, esticando-se sobre mim, mas continuando a me restringir. “Eu teria cuidado por essas bandas, Kiya. Você tem um traidor no seu meio. Amigos se tornarão inimigos, e a escuridão lançará uma sombra sobre os cães. Não importa a quantidade de luz que você veja neles, todos têm escuridão. E ela sairá para brincar novamente, só que desta vez, o alvo é muito mais forte.”
“E ninguém vai te salvar desta vez. Nem mesmo o seu precioso Alfa.”
Num piscar de olhos, a escuridão se dissipou e a luz do sol iluminou meu quarto com um brilho dourado. Osiris se foi, levando consigo sua névoa de fumaça. Saltei da cama com a mão pressionada sobre o coração, tentando acalmá-lo com a respiração. É irreal o que aconteceu, mas aconteceu. O que diabos eu arrumei agora?
“Ei, você está bem?” Meu lobo me perguntou preocupado. “Posso assumir por um tempo se precisar.”
“Não, estou bem. Obrigada pela oferta, Art.” Passando a mão pelo cabelo, coloquei os pés no chão do quarto. Osiris é um homem persistente que me deixou com mais perguntas do que respostas. O que ele quis dizer com haver um traidor entre nós? A escuridão lançará uma sombra sobre esta matilha? E o que ele sabe sobre Darien que eu não sei?
Uma coisa é certa, no entanto. Osiris está rondando. Ele se infiltrou na Zircon Moon, e ninguém sabe. Exceto eu.
Seus olhos estão totalmente em mim.
Examinando minha mão, pequenas fumaças negras e vermelhas permeavam entre meus dedos. Estou convencida de que é da influência de Osiris; é a única explicação, certo? Invocando um pequeno fragmento dos meus poderes, meu coração se acalmou ao ver azul e branco. Ainda sou eu. Não sou das trevas, não importa o que ele diga. Mas como suas palavras sinistras acariciaram meu lado mais sombrio me preocupou profundamente.
Estou em perigo. Mais perigo do que eu percebi.
Mas de quem?
Da matilha Zircon Moon ou de mim mesma?