Descontrolada

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Capítulo 3 - Memórias perdidas

"Perda de memória é uma forma de lidar com danos." - Jeanette Winterson

Kiya

É quase meio-dia quando acordei. Acho que precisava desse sono. Mas tudo parece estranho. Aqui estou eu, sentada aos pés da cama de Neron, encarando meu reflexo em sua penteadeira. Posso atribuir meu sono tranquilo ao cheiro de Neron? Ou ao fato de estar no quarto dele? Difícil dizer, especialmente porque estou coberta por ele.

E não posso dizer que é algo ruim. Ele cheira bem.

Mas há algo que me incomodou. As faíscas. Elas não estão tão fortes como costumavam ser. De volta ao sofá, quando os dedos dele roçaram meu braço, eu as senti, mas estão fracas. Quando ele me cobriu na cama e tocou meu rosto, as faíscas enfraqueceram tanto que mal as percebi. Estou acostumada com a fraqueza das faíscas do nosso vínculo de companheiros, mas desta vez, tudo parecia estranho. Anormal.

Uma dor surda latejava no lado do meu pescoço. Ela se tornou perceptível através da dor sob a minha epiderme. É também a mesma área onde Osiris mordeu e bebeu de mim semanas atrás. Um efeito profundo da mordida ainda persiste muito tempo após a morte dele. Os vampiros são mais habilidosos do que eu pensava originalmente.

Ele está morto. Ele se foi.

E ainda assim, ele continua a se instalar na minha mente. Por quê?

"Ah..." Coçando a cabeça, levantei-me nos pés descalços e observei o quarto do Alfa mais uma vez. Neron tem tudo em seu quarto do que um homem adulto sonha e mais um pouco. A combinação de cores azul, preto e vermelho combina com ele de maneiras estranhas. Esta é a primeira vez que estive em seu quarto e me senti deslocada. Como se não devesse estar aqui.

Mas meus pés permaneceram firmes no tapete macio. Por causa da minha maldita curiosidade. Como os humanos dizem, a curiosidade matou o gato, e a satisfação o trouxe de volta.

Ainda bem que não sou um gato!

Esfregando os braços, notei porta-retratos sobre suas gavetas e prateleiras penduradas. Alguns são dele e de seu pai. Alguns são dele com Valerian e Kwame. Alguns são de ocasiões especiais, como festas e seu aniversário. Um, no entanto, capturou minha atenção. É uma foto, a moldura em prata impecável, sem manchas ou falhas, destacando-se de todos os outros. É uma moldura que Neron cuidou mais; poeira se acumulou nos outros, mas não nesta.

É uma bela foto de Luna Essie e Nuria. Nuria está no colo de sua mãe. Ambas exibem seus maiores e mais brilhantes sorrisos; alegria compartimentada em seus safiras combinantes. Uma foto feliz destinada a evocar alegria evocou dor em mim. Pulsando ao ritmo acelerado do meu coração. Meus dedos, trêmulos, tocaram a foto de Nuria.

Minha primeira melhor amiga.

Uma memória que pensei estar esquecida ressurge das profundezas da minha mente. Num piscar de olhos, sou mergulhada numa poderosa memória episódica onde consigo sentir o cheiro de romã de Nuria, sentir a maciez de seus cabelos negros como carvão e ver seu sorriso.

Oh, aquele belo sorriso inocente.

Flashback - Ponto de Vista em Terceira Pessoa

Duas meninas de nove anos espreitaram suas pequenas cabeças do canto que levava à cozinha da casa da matilha. O cheiro de brownies e biscoitos recém-assados pairava no ar, chamando as crianças para comê-los sem se importar com nada. Os olhos cristalinos de Nuria se fixaram no alvo; o prato de guloseimas repousando na ilha atrás da Líder Ômega Cassandra, que lavava a louça.

"Você tem certeza de que isso é uma boa ideia?" Halima perguntou à amiga. "Podemos ter problemas com nossos pais".

"Não se dermos a eles nossos sorrisos e olhares de cachorrinho!" Nuria exclamou orgulhosamente. "E se fugirmos para a floresta depois. Além disso, a Srta. Cassandra faz os melhores brownies do mundo! Um pedaço e você não precisa se preocupar com aquele garoto que quebrou seu colar de abelha".

Halima resmungou baixinho. "Eu teria batido neles, mas Papai sempre diz para não bater nas pessoas sem motivo. Só bata se tentarem te machucar".

"...Mas você tinha um motivo". Nuria retrucou com um encolher de ombros.

"Sim, mas eu não queria me meter em encrenca". Abanando a cabeça com cachos saltitantes, a jovem Beta apontou para o prato. "Qual é o plano?"

"Vou distrair a Srta. Cassandra". A jovem Alfa explicou. "Você se aproxima por trás, pega o prato silenciosamente e corre pela sua vida. É simples!"

"Mas e o leite?" A outra menina perguntou. "Você não pode comer biscoitos e brownies sem leite. É como comer espaguete sem queijo!"

"Ah, sempre pensando em outras coisas que temos que fazer." Nuria gemeu, ponderando por alguns segundos. No final, ela jogou a cautela ao vento. "Esqueça o leite. Pegaremos outro dia. Temos uma missão a cumprir, Hali! A Operação Ladrão de Cookies está em pleno efeito!"

Halima deu a Nuria uma expressão de desconforto e incredulidade. "Sério? Você inventou esse nome agora, não é?"

"Sim. Agora, vamos!"

Seu plano sorrateiro começou. Nuria entrou mancando com sua baixa estatura e chamou a atenção da Líder Ômega Cassandra. Enquanto a filha do Alfa a distraía, Halima, descalça, entrou sorrateiramente. A ilha era muito alta para ela alcançar, então ela teve que usar a cadeira disponível perto dela. Felizmente, a filha da Beta não precisou movê-la. Com rapidez, ela subiu na cadeira, pegou o prato em silêncio, pulou e escapou da cozinha. Assim que Nuria viu que a missão foi um sucesso, ela encerrou rapidamente a conversa e saiu correndo da cozinha.

As meninas se encontraram no corredor, admirando seu trabalho. Nuria deu tapinhas nas costas de Halima, exibindo seu sorriso de um milhão de dólares. "Você viu? Nada além de trabalho rápido. A Srta. Cassandra não saberá o que a atingiu."

"O que vocês duas estão fazendo?"

Halima e Nuria congelaram ao som da voz. Virando-se lentamente, viram Neron de braços cruzados. Erguendo uma sobrancelha, ele apontou para o óbvio prato de guloseimas nas mãos de Halima. "O que é isso?"

"O que é o quê?" As duas meninas perguntaram em uníssono.

"Aquilo."

Empurrando o prato para trás delas, as crianças fingiram inocência. "Não sabemos do que você está falando!"

"Hmm." Rindo, o futuro Alfa de treze anos se apoiou na parede. "Sabe de uma coisa. Me dê um ou dois brownies e ficarei quieto sobre esse crime. Mamãe e papai nunca saberão que vocês estragaram o jantar."

"De jeito nenhum! Achado não é roubado!" Nuria exclamou, franzindo os lábios para o irmão mais velho. "Você quer um brownie?... Me dê um dólar e temos um acordo."

Halima riu enquanto assistia a expressão de desgosto de Neron. Claro, Nuria e ela nunca saíam com seus irmãos mais velhos por causa das diferenças de idade, mas era divertido tê-lo por perto às vezes. "Não vou pagar um dólar para minha irmãzinha por brownies quando posso pedir alguns de graça para a Cassandra!"

"Como quiser." Nuria deu de ombros. Num piscar de olhos, ela soltou o rabo de cavalo, tirou o elástico, mirou e atirou diretamente no nariz de Neron. Uma vez que ele se distraiu, as crianças de nove anos saíram correndo. Elas desviaram dos outros membros da matilha e de seus pais em sua ousada fuga para a floresta. Em meio a risadas, acabaram perto de seu lago. O lago que chamavam de seu lugar secreto de diversão. Pássaros coloridos se banhavam na água limpa, apenas para voar rapidamente longe das ondulações que as meninas faziam quando seus pés afundavam. Com o prato de guloseimas entre elas, elas comeram.

"Quanto tempo você acha que levará até termos nossos lobos, Nuri?" Halima perguntou curiosa, enquanto seus dedos ficavam pegajosos de chocolate.

"Não sei. Mamãe diz que vai demorar um pouco antes de podermos mudar." Ela explicou. "Fico imaginando como serão. Talvez o meu seja preto como o do papai ou cinza como o da mamãe."

"Hmm. O meu pode ser vermelho. O lobo da mamãe é lindo." Halima sorriu maravilhada, os olhos brilhando sob a luz do sol. "Nossos lobos serão melhores amigos, certo? Como nós?"

"Sim, serão!" Nuria empurrou brincalhona a amiga no ombro. "Hali, somos amigas para a vida toda. Nossos lobos também serão. Você é minha parceira! Estamos juntas!"

"...O que significa 'parceira para tudo'? No que estamos juntas?"

"Não sei. Ouvi o Nero dizer isso muitas vezes. Achei que parecia legal."

As meninas riram sob o calor de sua amizade e a euforia açucarada de suas guloseimas roubadas. Não demorou muito para Luna Essie e Beta Ashley encontrá-las e o prato vazio como evidência de sua travessura. Infelizmente para as melhores amigas, receberam punições duplas; dores de estômago e serem proibidas de sair.

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