Capítulo 3
Kaiden
Tudo me irritava enquanto eu estava deitado na minha cama. Os pássaros, o céu, as risadas das fêmeas não acasaladas disputando minha atenção lá embaixo. Todas em sua felicidade ignorante. Rakaam, meu lobo, estava inquieto. Duzentos anos sem ter uma companheira, duzentos anos amaldiçoados, sem ter a outra metade do nosso quebra-cabeça distorcido nos tornaram ambos insaciavelmente sedentos por sangue. /Uma meia mentira./ Retrucou Rakaam. Eu ignorei. Eu deveria encontrar minha companheira, como muitos outros com não mais que 18 anos. Anos de luta, de pura agressão, raiva e necessidade de liberar essa tensão em meu corpo e alma alimentavam minha fúria. Eu fazia o meu melhor para não descontar na minha alcateia, porém. /Uma verdade completa./ Ele rosnou aprovação.
A primeira afirmação era uma meia-verdade para ele, porque, independentemente de uma companheira... eu ainda seria feroz. Eu era um alfa, e um forte alfa. Mantive esse título com sangue, e com o meu derramado eu o perderia. Rosnei baixinho ao sair da cama e li os e-mails da alcateia no meu celular. Ainda pior do que um Lobo Solitário era um humano que matava lobos por esporte... mas eu questionaria a esposa do Caçador de Cabeças quando chegasse a Horizon.
O ar ao meu redor era uma aura invisível enquanto eu seguia para o meu chuveiro. Por que a deusa da lua me amaldiçoou a caminhar sozinho pela terra? Sou um monstro imortal sem uma companheira, sofrendo o destino da solidão eterna... O que fiz quando criança para ela me punir? Foi por causa do que fiz todos aqueles anos atrás? Toda a blasfêmia, rejeitando o pensamento de uma companheira? Eu sei que sou um saco de merda irado, mas isso significa que tenho que sofrer pra caramba, enquanto os outros ao meu redor estão felizes?
Duzentos anos é muito tempo para refletir sobre as próprias ações... Todos os dias, protejo esta alcateia com toda a minha força. Todas as noites, volto para uma cama vazia... Não há filhotes aqui... não há alegria ou palavras suaves para compartilhar com o único outro lobo com quem poderia fazer isso. Ser Alfa sem uma Luna era tortura... e me fez ponderar como isso era minha culpa, porque certamente era. Apenas não me lembrava exatamente do que tinha feito... Principalmente porque também realmente não me lembrava daquele dia em particular... Não me importei com isso por pelo menos cento e oitenta anos...
Refleti sobre cada briga que já tive desde que me tornei Alfa, uma ação continuava ressoando em minha mente. A única noite de paz. Matei na lua da colheita, a única noite em que os lobos tinham mais chances de encontrar suas companheiras. Lembro de dizer à minha alcateia 'foda-se a lua' e desobedeci a própria lei que a Deusa da Lua estabeleceu, mas depois permiti que Rakaam fizesse do seu jeito... E por isso, fui punido.
O conselho superior até se envolveu; eles sempre se envolvem. Era composto por lobas e lobos. Fui aconselhado inúmeras vezes a simplesmente casar com uma viúva formalmente acasalada, se quisesse uma Luna experiente, ou uma fêmea não acasalada, mas isso não seria a mesma coisa. Eu a marcaria e seria feliz, mas o que aconteceria com aquela que a deusa fez para mim, se ela me encontrar e eu já estiver com outra?
/Nunca./ Rakaam tremeu com um rosnado monstruoso, quase tomando conta para procurar a fêmea que nunca receberia. Preciso sair deste quarto. Preciso de ar fresco. Algo precisa morrer.
Vesti meu moletom sobre meu corpo sem camisa, colocando shorts para ficar decente lá embaixo. Não havia necessidade de cuecas. Eu já sabia que no final do dia estaria de shorts de carteiro, porque eu mudaria de forma e eventualmente estragaria este par. A última coisa que fiz foi pegar meu chicote no meu armário. Não é do tipo para diversão, é para manter prisioneiros na linha. Segui os velhos métodos de punição, tanto que desenvolvi um suporte especial para prendê-lo no meu cinto.
Sempre havia alguém que tinha que tentar escapar, tentar causar problemas, tentar esconder informações de mim. Era fácil conseguir isso da maioria deles, e eu sempre estava pronto. Hoje não seria diferente. Há 21 anos, houve um ataque que matou toda uma alcateia de lobos. Os sobreviventes determinaram que foram humanos, e, para minha sorte, podemos ter um dos responsáveis em uma cela hoje.
Fiz minha rotina habitual de me despir assim que saí na frente da casa da alcateia, e estava prestes a correr, mas o Beta Connor me parou.
"Alfa, houve mais relatos de Lobos Solitários na área." Ele disse, dando um gole em seu café preto, sem se importar que eu estava nu. Ninguém se importava; éramos metamorfos. Nossas roupas não mudam conosco.
"Se eles não se renderem, mate-os. Se não têm nada a esconder, não têm nada a temer." Rosnei, mudando de forma e correndo antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa.
Corri em alta velocidade como meu lobo pelo caminho bem conhecido até Horizon, o vento a meu favor. Eu tinha visto a previsão do tempo para uma tempestade esta noite; mas isso confirmava. A deusa nos sintonizou com a natureza. E com minha força, hoje vou dar uma lição em alguém.
Correndo pela floresta na alcateia sempre parecia trazer medo aos corações dos membros, embora não houvesse necessidade. Enquanto estivessem fazendo seus trabalhos e não causando problemas, eu não me importava. Eles eram livres para serem nauseantemente felizes, enquanto eu estava cheio de uma raiva silenciosa por tantos lobos perdidos.
Aquela humana e seus amigos foram responsáveis pela perda de 283 lobos, dois estavam na enfermaria da minha alcateia, mas naquela época não achei que sobreviveriam. Foram queimados vivos juntamente com o resto de sua pequena alcateia, embora alguns sobreviventes ainda estivessem vivos, cerca de 10 ou mais, incluindo as vítimas de queimaduras... Se houvesse mais, era possível, mas com minha alcateia sendo a mais forte das três na área, imaginei que seriam atraídos para este lugar.
Eles perderam seu Alfa e Luna, já que o Alfa Herbert foi esfolado. Foi em parte por isso que nos mantivemos afastados deles. Também foi por isso que os humanos eram detidos aqui, para que nunca pudessem escapar e contar onde estamos.
Havia um tratado tenso entre o mundo sobrenatural e os humanos. Apenas seus líderes e a Igreja sabiam de nós... E os caçadores. Essa ignorância tranquila era para o próprio bem deles, pois antes de 1607, havia guerra. Os caçadores eram vigilantes ilegais. Continuavam a matar lobos inocentes, e suas ações colocavam uma tensão em nossa trégua.
Uma vez na clareira antes da prisão, o sol deixou claro que o amanhecer havia acabado.
A luz dele quase me cegou, o que me desorientou completamente... hoje faria calor, mesmo sendo outono. Era assim no sul. Jentucky era um estado bonito com poucos humanos em comparação com os outros ao redor... e nossa alcateia estava no meio do nada, a três horas da cidade mais próxima. Isso era verdade para muitas alcateias. Não nos associamos com humanos, mas eles sempre parecem nos encontrar de qualquer maneira.
Embora na maioria das vezes isso não fosse um problema. A maioria dos humanos com quem os lobisomens se deparam são ou bêbados, campistas ou homens perdidos aleatórios que não podem ser permitidos a sair, porque contariam a outros a localização da alcateia. Este era um dos raros casos que eu precisava abordar pessoalmente...
Vi a prisão surgir à vista. Era a maior prisão sobrenatural deste lado do continente. Abrigava muitos, mas a cerca era baixa. Não havia necessidade de ser alta ou vigiada por armas. Rosnei com tanta força que os guardas saberiam que eu estava chegando, e com isso cheguei à entrada, mudei de forma e vesti minhas roupas de volta.
O ar estava denso com o cheiro de produtos de limpeza e medo. Fiz com que cada lobo em uma cela falasse enquanto esperava por informações sobre a humana. Cada um tinha uma história, e eu conseguia dizer se estavam mentindo. De todos eles, encontrei um lobo de baixo escalão e submisso para adicionar. Ele era apenas um garoto, sem lar, rejeitado por sua alcateia. Isso realmente me comoveu quando confirmamos. Seus pais eram Lobos Solitários que foram mortos na fronteira de outra alcateia, e ele fugiu de West Tennessaw para Jentucky sozinho.
"Alfa Kaiden," disse a voz submissa do meu guarda. "Confirmamos que a mulher na cela 201 pode saber do destino da Alcateia SnowMoon, sua carteira de motorista mostra que ela morava a apenas uma viagem de carro da fronteira deles."
"Dê-me o arquivo dela." Eu disse, recebendo a pasta marrom... Pensei que não permitiam que humanos morassem tão perto, apenas cerca de 20 milhas de distância, uma pequena viagem de carro realmente.
Caminhei em direção à cela dela. Estava recém-limpa, com lençóis novos, e tirei meu chicote do coldre no meu cinto.
"Fale" disse com minha voz de alfa. Qualquer lobo ao alcance da audição estaria se submetendo, mas a humana escolheu ser desrespeitosa.
Ela era uma mulher loira na casa dos 30 anos. Seus olhos castanhos profundos tinham um ódio por nós, mesmo que nós a tivéssemos tratado melhor do que ela merecia. Sua gente era responsável por tantas vidas perdidas, e ela falaria, ou morreria lentamente. Já era ruim o suficiente que meu lobo estivesse praticamente babando para cravar nossos dentes em sua garganta.
"Vá se foder." ela sibilou, sentada de frente para a parede, recusando-se a me reconhecer.
Inspirei profundamente e soltei um suspiro agudo, fechando os olhos. "Diga ao Beta Conner para cancelar minhas reuniões matinais."
/Chicoteie essa vadia./ rosnou Rakaam em minha mente, cheio de veneno. Eu obedeci sem hesitação. A cada chicotada, ela gritava apenas palavrões para mim. A chicoteei por 2 horas seguidas. A maioria dos humanos desmaia ou fala, mas ela era apenas uma bola de ódio.
"Eu queria ter estado lá quando mataram aqueles desgraçados." ela rosnou com rancor entre os suspiros.
"Bem, você terá um lugar na primeira fila para ver o que fazemos com Caçadores de Cabeças." eu disse tirando meu moletom.
Tirei minhas calças e deixei Rakaam tê-la como um lanche. Meu lobo não era misericordioso, mas eu nunca esperaria isso dele. Alguns dos sobreviventes viram o que fiz a ela por completo e esperava que isso lhes desse algum fechamento. Provavelmente não, mas eu podia esperar. Eu estava aqui todos os dias, então no máximo eles provavelmente pensaram que ataquei um prisioneiro aleatório.
Então, do nada, ouço os gritos mais fracos. Ignorei a princípio, não parecia que eu deveria investigar algo tão pequeno, mas achei que deveria apenas para garantir que a alcateia estivesse segura. Não havia patrulhas tão perto das pequenas casas suburbanas e da prisão, porque eu estava bem ali.
Então ouvi um uivo desconhecido. Saí da prisão e imediatamente mudei para meu lobo, meu corpo de 2 metros de altura se transformando em um monstro peludo e negro de destruição. Lamentei ter comido antes, agora estou mais feroz com fome, mas tinha espaço suficiente.
No pôr do sol, eu rugi minha confirmação do desafio ao visitante Lobo Solitário em potencial, pois ainda não conseguia distinguir nada, não havia cheiro. Era quase como se um Ômega tivesse mudado de forma e, com a audácia, em seu êxtase de seu novo poder, me desafiasse. A absoluta. Porra. Nervos de aço.
Eu me esforcei para me concentrar em rastrear esse desgraçado. O que é mais é que eles estavam andando pela trilha como se fossem donos do lugar. Ninguém teria notado um Ômega sem poder, quase sem cheiro, eles provavelmente estariam com seus amigos, ou talvez apenas com fones de ouvido, ignorando-os completamente.
Os Lobos Solitários de ontem devem ter enviado um batedor Ômega para se infiltrar de alguma forma....
Praticamente galopei e rugi meus rosnados e grunhidos mais mortais para mostrar a eles que sou o Alfa e serei respeitado! Esse Lobo Solitário ia morrer hoje! E eu iria pintar minhas fronteiras com o sangue dele. Todos que veem tremerão e saberão que sou aquele que governa estas terras. Diminuí meu galope para um trote; eu podia dizer que estava perto. [Onde está você, pequeno filhote?] eu cuspi, [Não vou te machucar....] rosnei para o ar. A audácia. Meus dentes estavam prontos, eu e meu lobo estávamos cheios de raiva e ódio fervente.
Vi a trilha por onde ele correu, e parei perto de um grande cedro. Comecei a sentir.... O cheiro de uma fêmea? Uma fêmea intoxicante.
Minha companheira....
Cheirei profundamente o cheiro do cedro, dos pinheiros, dos carvalhos. Fiquei perdido nele. [Onde você está?!] meu lobo gritou, mas eu não pretendia dar a ele o controle. Ansiávamos pelo toque dela, seu rosto, seu cheiro. Marquei o local com o cheiro mais forte em uma árvore para que, se precisasse, pudesse encontrá-lo. Retomei o controle, mas mal; seu cheiro era demais. Apenas um cheiro foi suficiente para me completar, me dando memórias que nunca tive, mas desejava ter. Filhotes, felicidade, amor e compaixão incondicional... ela era tudo o que eu precisava.
Entendi por que a deusa me fez esperar... Eu não a teria apreciado. Eu teria sido um pedaço de merda. Ela era perfeita então e agora, seu cheiro era como um êxtase. Eu precisava daquilo. Circulei a árvore como um idiota, como se alguém fosse subir em uma árvore.
E meu lobo se sobressaiu, ele assumiu o controle total novamente, meu corpo perdeu o controle com ele. [Você cheira deliciosamente, eu poderia simplesmente te devorar.] ele disse em um rosnado sinistro e profundo, lambendo nosso focinho. /Ela é absolutamente perfeita/, ele riu para mim, [mmmm] ele rosnou profundamente, [… Posso te provar.] ele ronronou. Eu também podia; ela tinha um leve aroma de limonada de cereja.
Trovoada e chuva forte me trouxeram de volta ao controle. Eu precisava encontrar minha Luna. Eu já tinha decidido que a queria, assim como Rakaam. Se eu não a quisesse, ela poderia estar aqui sozinha, eu fervia com a ideia de alguém levá-la e convencê-la a sair com eles. Meu lobo rosnou comigo, e corri na direção que achei que ela tinha ido, mas o cheiro ficava mais fraco.
Estava indo na direção errada! Gritei mentalmente com isso e me virei. A chuva estava enfraquecendo o cheiro, mas havia um pequeno odor metálico no cheiro da minha companheira que o mantinha forte o suficiente para rastrear na chuva. Percebi que ela estava tentando me despistar nos subúrbios da alcateia, mas eu nunca poderia me livrar do cheiro que agora residia em minha mente. Esperei 200 anos por este dia, e nada me impediria de chegar até ela. Soltei um uivo por minha companheira, para que ela soubesse que não lhe faria mal.
Ironicamente, eu vim pronto para pintar com o sangue dos meus inimigos, e agora estou seguindo o rastro de seu sangue fresco, preocupado com sua segurança.