




O efeito cascata
—Dez Anos Antes—
Caspian estava esperando do lado de fora quando Lucian chegou voando, materializando-se em sua forma natural enquanto descia. Uma suspeita, no entanto, o atormentava ao perceber que Lucian havia retornado sozinho.
— Cadê ela?! Onde está Visenya?! — Caspian interrogou, a voz carregada de preocupação.
Lucian ignorou a pergunta de Caspian, lançando-lhe um olhar fulminante enquanto passava por ele. Caspian agarrou o braço de Lucian, mas este se livrou com agressividade, empurrando Caspian contra a parede com tanta força que ela rachou com o impacto.
— Por que você não vai procurá-la? Tenho certeza de que ela está louca pra passar um tempo sozinha com você — Lucian retrucou com rancor, a voz cortante.
— Onde ela está, seu desgraçado?! — Caspian empurrou Lucian para longe e olhou na direção da Montanha Tarragon. Sem pensar duas vezes, ele se transformou em lobo e correu o mais rápido que pôde em busca dela.
Visenya descia a montanha com o maior cuidado possível. Estava escuro, um silêncio assustador pairava no ar, e ela ainda não tinha os sentidos de lobo para guiá-la. Nem mesmo conseguia se conectar mentalmente com alguém para pedir ajuda. Ela fazia o possível para afastar os pensamentos indesejados sobre os perigos que poderiam estar à espreita.
Ao dar mais um passo, ela perdeu o equilíbrio e escorregou em um trecho de cascalho solto. Rolou morro abaixo por alguns metros e acabou com um corte feio na perna. Limpou o sangue com a barra do vestido, preocupada com a possibilidade de haver vampiros por perto. Se sentissem o cheiro do sangue, ela estaria perdida, sem dúvida.
Estava escuro demais, e ela se encontrava tão alto na montanha que não fazia ideia de quanto ainda faltava para chegar ao pé. Sentia medo, frio, e já estava descendo havia quase uma hora. Encolheu-se no chão, as lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto uma sensação de desespero se instalava no fundo do estômago.
De repente, o som de passos a fez dar um salto, e ela rapidamente se escondeu no canto mais escuro que encontrou. Colocou a mão com firmeza sobre a boca para evitar que qualquer som escapasse. Tremia sem controle ao perceber que o animal parecia farejá-la. Quando ele se aproximou, tudo o que ela pôde fazer foi fechar os olhos e rezar por uma morte rápida.
— Visenya? — Uma voz chamou.
Os olhos de Visenya se abriram de repente, e ela viu Caspian agachado ao seu lado.
— Caspian?! — exclamou ela, envolvendo os braços com força ao redor do pescoço dele. — É você mesmo?!
— Shhh… tá tudo bem, Vee. Eu tô aqui — disse ele, tentando acalmá-la.
— Me desculpa, Cas. Eu devia ter te ouvido — soluçou ela. — Me desculpa…
— Tá tudo bem — respondeu ele suavemente, fazendo o possível para consolá-la.
Lucian estava sentado, pensativo, em seu covil, os acontecimentos das últimas horas se repetindo em um ciclo incessante em sua mente. O peso da culpa o esmagava, um fardo implacável por ter abandonado Visenya na montanha. O orgulho o impedira de voltar para buscá-la, um arrependimento que agora corroía sua consciência.
Ele não conseguia tirar da cabeça a imagem de Caspian surgindo como um cavaleiro de armadura reluzente, ele o herói e Lucian o vilão. Em sua frustração, Lucian atirou um copo contra a parede, observando-o explodir em pedaços.
De repente, Cheyenne invadiu o quarto, um sorriso convencido estampado no rosto. “Que demonstração impressionante, primo,” ela aplaudiu. “No começo, eu duvidei da sua sanidade ao oferecer carona nas costas para aquela cachorra. Mas quando descobri que você a levou até lá em cima só pra abandonar ela... Caramba, primo! Você se superou de verdade.”
Lucian fechou os olhos com força, lutando contra a amarga verdade de suas ações. “Sai daqui, Cheyenne.”
“Nossa, alguém tá de mau humor!” Cheyenne exclamou. “Eu só vim aqui pra te avisar que seu pai exige sua presença na Sala Comum agora mesmo. Os pais da vira-lata tão furiosos, então boa sorte com isso,” Cheyenne disse antes de sair, batendo a pesada porta de metal atrás dela.
Lucian percebeu que talvez, só talvez, ele tivesse estragado tudo... feio mesmo. Ele deixou a raiva dominar seu bom senso, e agora teria que enfrentar as consequências. Como Visenya poderia sequer querer chegar perto dele depois da palhaçada que ele fez? Talvez, ele devesse começar engolindo o orgulho e pedindo desculpas a ela. Pedir desculpas era algo enorme para um Senhor Dragão arrogante como Lucian Damaris.
Quando ele entrou na Sala Comum, no entanto, o frágil equilíbrio entre razão e irracionalidade se turvou mais uma vez ao ver Visenya aninhada nos braços de Caspian. Seus punhos se fecharam ao lado do corpo enquanto ele absorvia cada detalhe: a cabeça dela repousando contra o peito de Caspian, enquanto ele acariciava suavemente os cabelos dela.
O ciúme que Lucian sentia por Visenya crescia a cada milissegundo, e ele não suportava a ideia de qualquer homem sequer encostar um dedo nela. No entanto, quando ela levantou a cabeça e lançou um olhar cortante para Lucian, seu ego frágil sofreu mais um golpe. O vestido dela estava sujo e rasgado na barra, os cabelos levemente desgrenhados, e os olhos vermelhos e inchados, um claro sinal de que ela havia chorado.
“Como você ousa deixar minha filha naquela montanha!” Rei Ezra rugiu, com fúria nos olhos.
“Ezra, eu disse que ia resolver isso!” Imperador Caden interveio. “Lucian, o que você tem a dizer em sua defesa?”
“Eu precisava ensinar uma lição a ela,” Lucian respondeu.
“Uma lição?! Ela poderia ter sido atacada por sabe-se lá o quê lá em cima! Ela não tem um lobo, e você a deixou lá vulnerável!” Sarai esbravejou.
“Não tinha nada que pudesse atacá-la! Vampiros sabem que não devem caçar em terras de Dragões, e animais selvagens não chegam nem a cem milhas de distância de nós!” Lucian exclamou.
“Lucian, é melhor você ter uma explicação muito boa pra justificar por que deixou ela lá,” o Imperador alertou, seu tom carregado de autoridade.
Lucian lançou um olhar furioso na direção de Visenya, seus olhos ardendo de desagrado. "Ela me desrespeitou."
Visenya ficou completamente chocada, sua surpresa evidente na voz. "Eu te desrespeitei?!" exclamou ela, suas palavras carregadas de incredulidade.
"O que aconteceu, Visenya?" A expressão preocupada de Sarai lançou um olhar ansioso para a filha. "Por que seu vestido está rasgado e sujo? Ele te machucou?"
"Não, eu tropecei e caí", respondeu Visenya.
"Não minta para mim, Visenya", disse Sarai, enquanto começava a cheirar Visenya da cabeça aos pés, focando especialmente na área íntima dela.
Visenya instintivamente se afastou da inspeção invasiva de Sarai. "Ele não me violou, se é isso que você tá insinuando! A gente só brigou porque ele estava sendo um completo idiota!"
Lucian fez uma careta ao ouvir o comentário de Visenya, e ela sustentou o olhar dele com igual desafio.
"As crianças estavam só sendo crianças. Sua filha está bem, e isso é algo que eles vão ter que resolver sozinhos", concluiu o Imperador Caden.
"Você vai mesmo deixar ele se safar como se isso fosse só uma brincadeira infantil inocente?!" rei Ezra esbravejou. "Minha filha está traumatizada, e ela poderia ter se machucado gravemente!"
"Se meu filho disse que sua filha o desrespeitou, então eu vou ter que ficar do lado dele. Nós somos os governantes supremos aqui, e, como futura Rainha Licantropa, seria bom para sua filha aprender a ter respeito pelo futuro Imperador", explicou o Imperador Caden, seu tom firme.
"Ele não é meu Imperador! Eu já vou estar morta há muito tempo quando chegar a vez dele de governar, graças à Deusa!" retrucou Visenya, irritada.
"Um exemplo perfeito da insolência da sua filha bem aí, dá pra entender por que Lucian a deixou", comentou o Imperador.
"Como você ousa!" gritou Ezra, seu rosto ficando vermelho de raiva. "Não é à toa que seu filho anda por aí como se fosse algum tipo de deus. Ele puxou isso de você!"
"É melhor você tomar muito cuidado com o jeito que fala comigo, Ezra", advertiu Caden.
"Eu não tenho medo de você! Vocês, dragões, são todos iguais, abusando do poder que os Deuses deram a vocês, esperando que o resto de nós seja subserviente!" exclamou Ezra, furioso.
"Ezra, vamos embora", implorou Sarai.
"Os Deuses nos deram supremacia por um motivo! Vocês estavam se matando e vivendo como completos bárbaros antes de chegarmos! Nós trouxemos ordem pras suas vidas, vocês deveriam ser gratos!" vangloriou-se o Imperador Caden, com arrogância.
"Nós, bárbaros?! É por isso que seus humanos vivem em gaiolas?! É por isso que sua própria companheira se matou, porque preferiu morrer a passar mais um dia ligada a você?!" disparou o rei Ezra.
A sala mergulhou em um silêncio sinistro, a tensão densa no ar. O olhar do Imperador fixou-se no Rei Licantropo, seus olhos cheios de uma intensidade gélida, como se estivesse planejando mil formas de acabar com a vida dele.
"Eu declaro, a partir deste dia, que todas as relações entre Dragões e Licantropos estão encerradas. Você está por sua conta agora, Ezra! Não venha choramingar para mim quando tiver um problema com vampiros, porque isso será um fardo seu para carregar! Ao amanhecer, você e seus guardas devem estar fora das minhas terras, ou eu mesmo vou reduzir todos vocês a cinzas!"
"Não se preocupe, já planejávamos nunca mais voltar aqui," declarou Ezra, guiando sua família em direção à saída.
Do lado de fora, os guardas esperavam enquanto todos embarcaram na carruagem, um por um. Antes de subir, Visenya olhou para trás, para o castelo, e cruzou olhares com Lucian. Ambos trocaram olhares condenatórios, cada um culpando o outro pela ruptura entre seus reinos.
Lucian permaneceu impassível, confiante de que o Rei Licantropo logo perceberia seu erro e viria rastejando para pedir ajuda. Quanto a Visenya, ele só precisaria fazer uma visita a ela após a próxima lua cheia. Ele tinha certeza de que, quando ela descobrisse quem eram um para o outro, ela se renderia como uma cachorrinha apaixonada. E se ela se tornasse rebelde novamente, então seria uma torre guardada por dragões para ela.
———
—Dois Meses Antes—
Visenya acordou de repente quando um jato de água gelada a encharcou. Lucian pairava sobre ela, seus olhos vazios e sombrios. Depois de colocar uma coleira nela, ele a confinou em uma cela desolada. O cansaço pesava sobre ela devido à longa e árdua jornada e ao rio de lágrimas que havia derramado, fazendo-a rapidamente cair em um sono profundo no chão frio e implacável.
"Levante-se," ele ordenou.
Visenya se pôs de pé, o corpo encharcado e tremendo, enquanto Lucian prosseguia para amarrar seus pulsos. Ele a conduziu para fora da cela, puxando-a pela corrente curta presa à coleira. Enquanto ela acompanhasse o ritmo de Lucian, poderia evitar os dolorosos choques dos espinhos afiados que vinham com cada puxão.
Ao sair, Visenya percebeu que a escuridão havia caído. A iluminação fraca do castelo e as paredes pintadas de preto criavam uma atmosfera de noite eterna dentro de seus limites.
Lucian parou abruptamente, seu olhar penetrante enquanto se virava para encará-la. "Escute bem o que vou dizer. Cada ação sua a partir de agora terá consequências graves para aqueles que você ama e pelos quais se importa. Não vou tolerar nem um pingo de desobediência de sua parte. Seja uma boa escrava, e seu povo talvez consiga sobreviver."
As sobrancelhas de Visenya se franziram em confusão. "Não entendo. Você me deu sua palavra de que eles não seriam machucados!"
Lucian apertou a corrente, puxando-a com força para mais perto dele. "Isso depende inteiramente de você."
Sem mais obstáculos, Lucian assumiu sua forma de dragão e envolveu Visenya com sua cauda. Com uma explosão repentina de velocidade, ele alçou voo para o céu, fazendo Visenya soltar um grito agudo de terror ao ser sacudida pela força da decolagem.