




Capítulo 1 - O escravo
“E o que acontece se... o que você é se as pessoas que deveriam te amar podem te deixar como se você fosse nada?” - Elizabeth Scott
Halima
Gritos de incentivo e palavras de encorajamento ecoavam do pátio, reverberando pelo ar campestre como sirenes.
Meus olhos xeretaram a bagunça lá fora pela janela da cozinha, quase fechados por causa do sol batendo forte. A janela tinha uma vista completa do pátio verdejante, permitindo-me assistir ao espetáculo como se estivesse na primeira fila. Membros da alcateia de todas as idades se reuniram ao redor de um garoto loiro e pubescente passando por sua primeira transformação. Sua mãe o confortava com a cabeça dele em seu colo, enquanto seu pai o orientava durante a dor. O pequeno Jordan não fez nada para diminuir o clima alegre, mas alimentou o fluxo de apoio para ele. O amor e o cuidado que emanavam dos membros da alcateia eram palpáveis, sobrecarregando meus sentidos a ponto de eu sentir uma sensação estranha ao meu redor.
O amor deles pelo Jordan me engasgava, trazendo à tona a dor de saber que eu nunca ia ter aquilo.
As primeiras transformações eram um evento de celebração para a Lua de Zircão. Marcava a passagem sagrada de filhote de lobo para lobo completo, funcionando de maneira semelhante à puberdade. Durante esse tempo, os membros da alcateia se reuniam ao redor da criança em transformação com amor e compaixão, passando seus bons desejos enquanto também se lembravam de como foi dramática e dolorosa sua primeira transformação. Isso abrigava a criança e fortalecia seu vínculo com a alcateia. Seus pais serviam como guias e os membros da alcateia como seu apoio inabalável. Era, honestamente, o momento que cada filhote de lobo aguardava ansiosamente—sabendo que eram queridos por sua comunidade.
O barulho dos ossinhos novos estalando encheu meus ouvidos. Quase estremeci com seu volume agudo. Vi o garoto brotar pelos negros de sua pele pálida e seu rosto se transformar no focinho de um lobo. Assim como a transformação começou, terminou. Cada membro veio parabenizar o garoto por sua entrada oficial na Lobicidade com um tapinha na cabeça ou uma carícia em seus pelos negros. Jordan soltou um uivo de pura alegria, e os outros membros uivaram junto com ele, o volume sacudindo os alicerces da casa da alcateia.
Poderia ter sido eu? Se eu não tivesse sido condenada a uma vida de dor e servidão, poderia ter tido uma celebração assim? Poderia ter sentido o amor e a admiração da alcateia e dos meus pais? Eu virei loba sozinha naquela cela imunda e fedida, com meus doze anos. Não tive guia, conforto ou apoio. Não tive ninguém para me incentivar durante a dor. Não ousei uivar, pois os guardas me teriam espancado até o silêncio.
“Você se esquece, eles não nos consideram parte desta alcateia.” Minha loba falou através de nosso elo mental. Ela deve ter sentido minha tristeza, como sempre fazia. “Mas isso não apaga o fato de não termos recebido o apoio e a celebração que merecíamos. Dói.”
“Tanto faz,” respondi com tristeza, guardando os últimos pratos. Eu carregava a marca da Lua de Zircão na minha omoplata direita, um lobo uivando para uma lua crescente, mas seria um dia amargo no purgatório antes que eu fosse considerada um membro. “Não adianta lamentar por algo que nunca vai acontecer, Artemis.”
Peguei meu balde e o enchi com sabão e água morna, começando a esfregar o chão da cozinha com minha escova de náilon. Meus joelhos magrelos tavam vermelhos e cheios de bolhas de tanto ralar, e meus dedos tavam enrugados que nem uva passas. No entanto, descobri que quanto mais rápido perdessem a sensibilidade, mais fácil era trabalhar, e eu contava com isso.
Artemis, minha bela loba branca, era minha única amiga e confidente. Amizades eram impossíveis de se conseguir, quanto mais alguém para ter uma conversa casual. Cinco anos atrás, fiquei horrorizada ao ver que me transformei em uma loba branca. A história dos lobisomens considera lobos brancos a forma mais rara de um lobo. Havia uma chance em um milhão de alguém se transformar em branco. E ainda assim, eu era a escolhida. O ser mais desprezível da terra era especial. Eu pensei que era especial.
Mas o Alfa Jonathan fez questão de me lembrar que não havia nada de especial em mim. Eu era inútil e repugnante. Segundo ele, ser uma loba branca não apagava e não apagaria meus pecados passados. Ele bateu tanto em Artemis quanto em mim, solidificando meus pensamentos sombrios de que eu estaria melhor morta. Eu não conseguia andar ou ajoelhar por dias. Sua brutalidade era algo que eu sempre temeria, pois ele era o poderoso Alfa. Eu tremia violentamente ao pensar nele se erguendo sobre mim com os punhos levantados.
Quando os membros da alcateia entraram na casa, eu já havia terminado de limpar os pisos da cozinha há muito tempo. Passando despercebida, fui trabalhar na infinidade de banheiros. Meu corpo doía, mas a única motivação que eu tinha era, quanto mais rápido eu terminasse, mais rápido poderia ficar sozinha. Eu não estava com humor para encontrar nenhum membro da alcateia hoje. Mas o problema sempre mostrava sua cara feia para alguém como eu.
Eu estava esfregando os corredores, imersa em meus pensamentos, quando fui empurrada para frente. Sem nada para me segurar, colidi com o chão impecável, de joelhos. Bolhas antigas estouraram e começaram a escorrer enquanto eu gemia silenciosamente de dor.
"Eu sabia que tinha sentido um cheiro rançoso." A voz vil ecoou no ar. Virei-me para ver Raina, minha irmã mais velha, com Odessa ao seu lado esquerdo. Raina, dois anos mais velha, me superava em altura com seus um metro e setenta e cinco. Sua pele marrom-castanha parecia absorver os raios do sol por dias. Seus longos cachos pretos balançavam a cada movimento, e a regata azul que usava revelava seus braços musculosos. Seus olhos castanhos profundos e levemente virados para cima revelavam as intenções sombrias que ela tinha, involuntariamente me causando arrepios.
Odessa era outra beleza, com seu cabelo castanho rivalizando com a seda. Ela era a amante do nosso futuro Alfa e destinada a ser a próxima Luna. Sua tez revelava sua beleza grega: pele de tom oliva, olhos hipnotizantes em formato de amêndoa e lábios em forma de arco de cupido que faziam qualquer homem se ajoelhar. Ela nunca escondia seu ódio por mim, sempre me punindo sempre que podia.
'Você pertence de joelhos', ela costumava me dizer.
Raina e Odessa eram melhores amigas de infância, assim como Nuria e eu éramos. Os sorrisos zombeteiros e os acenos de cabeça entre elas me disseram o que viria a seguir. Eu queria correr, mas não podia. Como poderia? As duas me perseguiriam e me arrastariam de volta, chutando e gritando. Elas eram, de longe, mais fortes do que eu e poderiam me despedaçar se quisessem. Meus olhos suplicavam para que Raina me deixasse em paz.
Em um movimento rápido, Raina pegou a água do balde, circulou ao meu redor e despejou tudo sobre a minha cabeça. Fechei os olhos e deixei a água ensaboada me encharcar, molhando meu vestido esfarrapado. Como de costume, não emiti nenhum som. Não chorei. Não gemi. Apenas baixei os olhos para o chão e esperei pela próxima parte da tortura.
Qual era aquela citação dos humanos? A mais bela poderia esconder o maior mal?
"A água não ajudou em nada a diminuir o cheiro." Raina zombou atrás de mim, sua voz gotejando desgosto. "Ela cheira a cachorro molhado. Nesse ritmo, a casa inteira da matilha vai perder o almoço. Sei que eu estou prestes a perder."
"Tenho uma ideia." Ouvi Odessa responder, o mal claro em sua voz. Uma mão se estendeu e agarrou meu cabelo cacheado, seco e sem vida por muitos dias sem uma lavagem decente. Ela me arrastou pelo chão, incapaz de escapar das garras da morena que fez de sua missão de vida me causar o pior inferno. Minhas lutas fracas não fizeram nada para deter sua missão ou suas risadas.
Eles me arrastaram para um banheiro vazio que eu tinha acabado de limpar e me jogaram no chão. Ouvi o chiado de uma torneira se abrindo à minha frente enquanto jatos rápidos de água começavam a encher a banheira. O vapor rapidamente encheu o ambiente. Raina colocou o pé nas minhas costas, ordenando que eu ficasse imóvel.
Eu tremia de medo do que estava por vir. Como eu não estaria apavorada? Meus braços estavam tão doloridos de todo o trabalho que nem conseguiam empurrar o pé dela.
"Já está cheio? O fedor está me fazendo lacrimejar." Raina zombou.
"Quase, Rain! Me passa os sabonetes." Ouvi o som das garrafas sendo espremidas e da água chacoalhando. "Nossa, essa água tá pegando fogo!"
"Perfeito! Hora do seu banho, vadia!" Elas me forçaram a ficar de pé descalça e então, sem aviso, me jogaram na banheira escaldante. Meus gritos reverberaram pelas paredes do banheiro, abafando as risadas demoníacas. As duas me seguraram na água fervente o máximo que puderam, jogando insultos sobre o quão suja eu estava e como eu deveria estar agradecida por estar sendo limpa. Eu lutei, desesperada para escapar daquela prisão escaldante. A água quente lentamente, mas certamente, entrou nos meus pulmões, me queimando de dentro para fora.
Será que hoje é o dia que eu finalmente morro?
"O que vocês estão fazendo?" Uma terceira voz, mais grossa, entrou no banheiro, e assim, a diversão de Raina e Odessa se dissipou. Suas mãos me soltaram, permitindo que eu me arrastasse para fora da banheira, tossindo a água quente dos meus pulmões. Reconheci a voz como sendo do meu pai, Beta Steven Lane.
"Steven, oi! Você está ótimo hoje!" Odessa elogiou com um sorriso no rosto.
"Vocês não têm nada melhor para fazer do que incomodar a escrava?" Meu pai perguntou.
Não me lembro da última vez que ele se referiu a mim como sua filha. Meu coração parecia uma pedra no peito. Não deveria mais me incomodar depois de todo esse tempo, mas ainda incomodava.
"Nós só estávamos limpando, pai." A voz de Raina estava desprovida do desgosto anterior, agora cheia de uma doçura repulsiva. ‘Isso’. Eu era apenas uma coisa para elas. "Estava fedendo o corredor!"
Ouvi meu pai suspirar. "Rain. Isso pode se limpar e limpar a bagunça no corredor. Odessa, Neron pediu por você."
"Oh! Bem, essa é minha deixa para sair." Odessa deu um abraço de lado na minha irmã. "Temos planos para a cerimônia de passagem dele para alfa que precisamos discutir. Me encontre na garagem mais tarde para irmos às compras!"
“Não vamos usar meu carro desta vez! O Val ainda não nos perdoou por termos batido no dele!” Raina gritou enquanto seguia sua amiga em meio a uma crise de risos. Eu senti a presença do meu pai pairar por um momento a mais, incapaz de me olhar nos olhos. Escorreguei no chão molhado. Eu esperava—não, rezava para que meu pai me desse algumas palavras de conforto. Eu não estava pedindo muito! Só queria saber se uma pequena parte dele ainda se importava comigo... ainda me amava...
Mas, ‘nojento’ e uma porta batendo foi tudo o que eu recebi.
A dor disparou através do meu corpo enfraquecido enquanto meus olhos queimavam com lágrimas não derramadas. Eu não precisava olhar para minha pele para saber que o marrom se tornou vermelho com a queimadura. Se eu fosse humana, certamente teria morrido. Mas só tenho a Artemis para agradecer por me ajudar a curar. Não era muito, considerando que ambas estávamos fracas, mas ela ajudou a diminuir a dor para que eu pudesse me levantar.
“Halima…” Artemis choramingou em nossa cabeça.
“Artemis, por favor. Não diga nada.” Respondi, derrotada, “Talvez fosse melhor se eu tivesse morrido. Morrer é melhor que essa vida.”
“Você não pode desistir ainda, Hal. Precisamos viver, pois nosso par está lá fora. Eles são nossa única chance de felicidade.” Ela latiu de volta.
Artemis estava certa. Tinha que haver alguém lá fora que quisesse uma lobisomem quebrada e machucada como sua, certo? Olhei para o espelho acima da pia de pedra-sabão pela primeira vez em muito tempo e as comportas se abriram. Um soluço pesado escapou de mim enquanto eu lentamente cobria meu rosto com minhas mãos trêmulas. Meu cabelo cacheado, torto pelos cortes forçados e cachos enfraquecidos, grudava na minha pele, agora marcada de vermelho com hematomas coloridos de cabeça aos pés. Minhas bochechas estavam encovadas, as olheiras pesadas, e meus lábios estavam rachados. Minha única peça de roupa, um vestido cinza feio e sem mangas, grudava na minha pele como uma segunda pele. Alguém deve me querer, ou qual seria o sentido de tudo isso? Eu preciso continuar aguentando por eles. Quanto mais eu olhava no espelho, mais nojo eu sentia.
A garota no reflexo era nojenta. Eu era nojenta.
Quem eu estava enganando? Quem iria querer essa coisa feia no espelho? Caí de joelhos, sufocando em meus soluços angustiantes por um bom minuto. A dor e o abandono da minha família inundaram meu corpo, fazendo-me chorar ainda mais. Eu estava sozinha, numa casa cheia de estranhos que desejavam meu tormento. Por que eu não podia simplesmente morrer?
Deusa da Lua, por que me sujeitar a esse destino horrível? Você achou que eu merecia tal tratamento? Responda-me!
“Não chegue perto disso, querida! É uma abominação e eu não quero que você se machuque!”
“É como um monstro, mamãe?”
“Sim, é. Ele matou nossa Luna e o Anjo. Você quer ficar perto disso?”
“Não, mamãe…”
Eu nunca entendi como os pais podiam incutir ódio em seus filhos. Eu não machucaria a garotinha. Lá fora, sob os raios fortes do sol, eu estava esfregando as roupas dos membros da matilha com uma tábua de lavar. Tinha máquina de lavar funcionando no porão, mas pra que usar se a matilha podia mandar a escrava esfregar as roupas no braço? Eu odiava lavar roupas, mas também era o único momento em que eu podia ficar sentada ao sol.
Eu podia sentir Artemis coçando para correr, mas eu reprimia esse desejo. A última vez que corri foi quando eu tinha quatorze anos, tentando minha primeira e única fuga. Não só fui arrastada de volta pelas patrulhas da fronteira, mas o Alfa fez de mim um exemplo ao me espancar na frente de toda a matilha. Eu teria morrido naquela época, mas meu pai o impediu.
Não foi por amor, no entanto. Foi pelo desejo de continuar a me usar como escrava da matilha. Hoje, eu tinha dezessete anos. Por mais que eu quisesse fugir, eu não suportaria outra surra como aquela. Artemis ficou sem reagir por uma semana, e eu quase perdi a cabeça.
Prendendo as roupas molhadas no varal, eu me certificava de que todas as manchas saíssem de cada peça. Mesmo uma mancha pequena poderia me causar muitos problemas. Meus ouvidos de repente se aguçaram aos sons de risadas e conversas abafadas. Virei-me para o lado e notei Raina, Odessa e outros dois membros da matilha entrando em um carro para ir às compras para a cerimônia do alfa amanhã à noite. Apertando os olhos, eu vislumbrei Neron, o futuro Alfa.
Deusa, ele estava lindo, mais agora do que quando éramos crianças.
Comparado à minha estatura de um metro e sessenta e cinco, ele se erguia pelo menos mais um pé acima de mim. Seu longo cabelo preto estava preso em um rabo de cavalo baixo, me dando a visão perfeita de seu queixo esculpido, exibindo um sorriso. Ele usava uma camisa preta apertada que delineava cada curva e sulco de seu peito e braços, exemplificando sua pele dourada. Eu me atrevi a olhar para os jeans de grife azuis que ele estava vestindo, delineando suas pernas musculosas. Seus olhos azuis eram paralelos às profundezas dos oceanos. Nunca ousaria olhar diretamente em seus olhos. Eu nem deveria estar olhando agora.
Seu braço musculoso envolveu a pequena cintura de Odessa, moldando-se perfeitamente em sua mão. O que eu estava fazendo? Eles compartilharam um beijo e isso me trouxe de volta à realidade de que ele nunca olharia para mim daquele jeito. Ele me odiava tanto quanto seu pai. Artemis gemeu dentro de mim, ficando inquieta com a visão carinhosa. Eu sabia que ela estava ansiosa para encontrar nosso companheiro para que pudéssemos ser amadas assim também, mas temia que esse dia nunca chegasse. Depois de alguns segundos, voltei ao trabalho, ignorando o ronco do motor do carro à distância.
“ESCRAVA!”
O poderoso rugido do Alpha Jonathan ecoou pelo campo, fazendo-me saltar de puro medo. Minha mente correu para encontrar os erros que eu poderia ter cometido durante o dia e não achou nada.
O pavor tomou conta dos meus sentidos, preparando-me para uma surra iminente. Larguei minha tábua de lavar e corri para a casa da alcateia. Um membro da alcateia me derrubou com o pé e riu de mim pelo caminho, mas permaneci focada e segui o cheiro de cardamomo e canela de Jonathan. Se o Alpha exigia algo, eu devia responder prontamente. Se ele me chamasse duas vezes... eu não queria pensar nas consequências.
Neron era a imagem cuspida de seu pai, mas o Alpha Jonathan tinha cabelo ruivo comparado ao preto de seu filho. O preto vinha da Luna Celeste. Tão rápido quanto minhas pernas podiam me levar, encontrei-o perto das portas do enorme salão de assembleia, impacientemente batendo o pé.
“Nunca me deixa esperando de novo. Quando eu chamar, você tem que aparecer aqui na hora! Sacou?”
“S-sim, Alpha.” Eu gaguejei, abaixando a cabeça em submissão. Artemis gemeu novamente, desta vez de medo. Ela tinha tanto medo do nosso alpha quanto eu.
“Você deve limpar todo este salão de assembleia. Quero cada azulejo, cadeira e escada impecáveis. Você está ciente da cerimônia da Passagem do Alpha amanhã à noite, não está?”
“Sim, Alpha.”
“Bom. Não espero nada menos para meu filho. Você trabalhará no evento para garantir que os utensílios e pratos estejam limpos. A Omega Líder Cassandra lhe dará ordens, e espero que você as siga à risca. Quanto ao salão de assembleia, eu a punirei se qualquer canto estiver sujo, entendeu?”
Eu assenti, mantendo meus olhos focados no chão, esperando escapar de seus olhares vingativos. Ele suspirou de frustração, virou nos calcanhares e saiu do salão de assembleia. Eu suspirei, soltando um fôlego que nem sabia que estava prendendo enquanto observava o enorme salão. Seu interior branco e dourado era grande o suficiente para acomodar todos os 300 membros da alcateia e mais. Levantando-me, sabia com certeza que levaria a noite inteira para limpar esse mini-palácio.
“Pelo menos seríamos deixadas em paz.” Artemis ronronou em nossa cabeça.
"Não dá azar, Art," respondi.
Depois de terminar a lavanderia, usei o resto da minha energia varrendo, esfregando e polindo o refeitório de cima a baixo pelo resto da tarde e até tarde da noite. Os produtos de limpeza queimavam minhas narinas e ardiam meus olhos, mas eu continuei. Meu estômago roncava em agonia de subsistência, mas eu não podia fazer nada para fornecer o que ele precisava. Eu dava sorte se pegava algo além umas migalhas e sobras que ninguém queria. Não tinha uma refeição decente há oito anos. Lobisomens podiam ficar longos períodos sem comida e água, e eu já estava no quarto dia sem comer. Alguns dias, eu ficava tão desesperado por comida que vasculhava o lixo em busca de algo para comer. Um Omega percebeu meu comportamento e fez questão de tirar o lixo toda noite para que eu não ficasse tentado. Ganhei o adorável apelido de Guaxinim por causa disso.
A casa da alcateia ficava silenciosa, sinalizando que os membros estavam se recolhendo para dormir. Sorri para mim mesmo, sabendo que a paz estava a caminho. A noite era quando eu estava livre dos abusos. Eu podia pensar e falar com Artemis sem interrupções. Como hoje à noite, havia dias em que eu não dormia. Mesmo se eu pudesse, ter uma noite inteira de sono era uma raridade. Assim que o sol nascia, eu estava trabalhando, e todos faziam questão disso.
Enquanto esfregava o canto mais distante do palco, ouvi as portas do salão se abrirem. Prendendo a respiração, continuei a trabalhar, ignorando o recém-chegado. Eu sabia quem era pelo cheiro de incenso. Houve um barulho de um prato de vidro contra o chão. Instintivamente, me encolhi enquanto ele deslizava na minha direção. O visitante se virou e saiu, fechando as portas atrás de si. Virei-me para ver um prato cheio de restos de carne e macarrão.
Meu estômago rugiu ao ver a comida. Peguei o prato e devorei a comida. Já tinha perdido a temperatura há muito tempo, mas algo era melhor do que nada. Olhei de volta para a porta e me lembrei do único membro da alcateia que tinha alguma decência de ser educado comigo.
Futuro Gamma Kwame Dubois. De todos, ele se certificava de que eu recebia algo para comer, em vez de me deixar passar fome. Quem precisava de um escravo selvagem à solta? Mas anos de abuso me tornaram cauteloso. Por mais que eu quisesse acreditar que Kwame era gentil comigo por bondade, eu me recusava a acreditar nisso. Ele me dava comida de vez em quando, mas isso não me enganava. Era tudo um ato para me manter como um escravo trabalhador. Eu tinha certeza de que ele podia ver 'culpado' escrito em todo o meu rosto sempre que olhava para mim. Assim como todos os outros.
Como eu poderia esperar que ele fosse diferente?