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Companheiro

Quando Ava rosnou para o homem que avançava, ela não sabia qual dos dois estava mais surpreso. Esse monstro ambulante provavelmente estava chocado que uma mulher ousasse mostrar os dentes para ele. Ava estava apenas chocada por ter dentes afiados.

Ao inspecionar mais de perto, seus dentes não haviam se projetado, mas suas gengivas doíam de uma maneira que não doíam há muito tempo. Ela foi subitamente tomada por um impulso primal de se proteger de uma forma que não sentia desde a noite em que Layla morreu. Seu peito tremia novamente, e Ava teria sido derrubada se já não estivesse encolhida no chão. O tremor, a consciência hipersensível e a ansiedade que ela vinha sentindo... isso não era repentino, ela vinha sentindo Mia despertar a noite toda. Mas, por que agora?

Botas grossas pararam na frente de Ava e então ela ficou cara a cara com o enorme e irado homem que ela acabara de desafiar publicamente.

“Tá se sentindo corajosa, vadia?” Ele rosnou de volta na cara dela. Mia poderia estar presente, mas Ava não parecia ter mais acesso a ela do que tinha na masmorra. Continuar a se opor a esse psicopata só a levaria à morte. “Fale,” ele ordenou.

“N-não.”

“Não, o quê?”

“Não, senhor,” Ava murmurou, olhos baixos.

Parecendo satisfeito com sua rápida submissão, o homem mostrou os dentes em um sorriso sádico e voltou a perseguir a garçonete que choramingava.

“Viu,” ele zombou. “Sua amiga entendeu. Negar a mim e aos meus amigos não foi muito hospitaleiro da sua parte, foi?” Ele pegou um copo de uma mesa próxima e o encheu com vinho tinto escuro. Agachando-se na frente da mulher, ele pressionou o copo contra seus lábios trêmulos. “Vamos voltar a nos divertir, certo? Beba.”

“Certo, chega, Lance!”

“Cara, você está assustando as garotas!”

Ava não tinha certeza do que havia mudado para esses idiotas, mas aparentemente o show não era mais engraçado. Vozes ao redor da sala começaram a se manifestar em defesa da garota que chorava no chão.

“Eu não estou fazendo nada, só oferecendo uma bebida para a garota!” Ele gritou para a multidão cada vez mais desinteressada. “O quê? Estamos todos bebendo, você é nossa anfitriã, é rude se você não tomar uma também.” Ele avançou, aproximando-se novamente com seu rosto gordo e feio, “Você não quer que a Senhorita Bella saiba que você está sendo rude, quer? Você já está sendo uma péssima servidora!”

“N-não, por f-favor...,” ela começou a chorar novamente com mais intensidade.

A energia pulsava no peito de Ava, dizendo-lhe que essa era sua oportunidade de sair dessa confusão. A maioria dos convidados parecia estar do lado da garota, então era hora de Ava sair enquanto o idiota e seus amigos cúmplices estavam ocupados.

Ocupados aterrorizando uma garota enquanto você foge, Ava reprimiu a voz incômoda em sua mente que lhe dizia o quanto ela era covarde. Ela já sabia, mas só começara a perceber o quanto já havia perdido, e não estava interessada em arriscar mais de si mesma por uma luta que nem era dela para começar.

Cuidando para não atrair mais atenção indesejada, Ava se moveu com passos rápidos e silenciosos em direção à porta. A cada passo, Mia se agitava dentro dela.

A besta anteriormente ausente estava fazendo sua presença ser totalmente conhecida, praticamente se contorcendo e arranhando as amarras invisíveis que a mantinham presa sob a pele de Ava. Ela tinha certeza de que, se a Loba pudesse, ela irromperia, forçando uma rara transformação, mas para fazer exatamente o quê, Ava não conseguia determinar.

No momento, o puro instinto a empurrava para frente, mas os muitos sinais vindos de Mia estavam confusos e conflitantes; lutar, proteger, correr, correr, CORRER!

Como se houvesse um demônio em seu encalço, Ava obedeceu ao comando silencioso e correu para a maçaneta da porta. A sensação de calor florescendo na nuca lhe dizia que havia sido vista, mas não importava – em questão de segundos ela estaria a salvo. Ela avisaria à segurança que a festa no 803 havia saído do controle, mas, no que dizia respeito a Ava, seu trabalho ali estava feito–

“Pare.”

O homem não levantou a voz para dar a ordem, mas sua voz profunda e rouca soou alta e clara mesmo assim. O cristal cortou a mão de Ava que segurava com força a maçaneta ornamentada, mas ela congelou conforme instruído. Claro que sim.

É isso que você faz quando seu Alfa dá uma ordem.

“Vire-se.”

Mia parecia murchar dentro do peito de Ava, tentando se fazer o menor possível. Era exatamente o que Ava queria fazer, o que ela teria feito no lugar de Mia, mas ambas sabiam que já era tarde demais. A presa havia sido avistada e o predador estava em posição para atacar.

Apesar da algazarra geral do ambiente, um a um os outros convidados da festa começaram a perceber a energia perigosa que tomava conta da sala. Inesperadamente, o mundo real havia invadido o meio de sua bacanal, estragando sua diversão depravada. Com uma expressão de dor, Ava apertou ainda mais a maçaneta, se preparando para fugir – sair da sala, sair do clube, ela não se importava. Ela precisava estar longe dele e de todos os sentimentos feios que ele ressuscitava dentro dela.

“Eu não vou repetir.” Seu tom já severo assumiu uma borda afiada como uma navalha.

Engolindo sua apreensão, Ava fez o que lhe foi dito. Ela manteve os olhos fixos no chão à sua frente enquanto se virava, o punho ainda agarrado à porta como uma tábua de salvação.

“Olhe para mim, Ava.” Ele falou diretamente com ela, a lascívia que tomava conta do resto do evento desaparecendo, até que restassem apenas os dois naquele momento carregado.

Ava levantou o queixo, incerta sobre qual deveria ser seu próximo movimento. Ela não queria passar por essa interação, mas se fosse forçada a isso, não podia ignorar aquela parte abatida de si mesma que queria se rebelar contra o destino e recuperar um pouco do controle que esse homem havia roubado dela.

O que mais ele pode fazer comigo? Eu não fiz nada de errado três anos atrás e não fiz nada de errado agora.

Mia choramingou e Ava pensou na sua mão apertada na maçaneta e na garçonete sendo assediada do outro lado da sala. Olhe no que ele te transformou, Ava, ela rangeu os dentes. Essa não é você.

Naquele instante, Ava decidiu que, não importava o que acontecesse a seguir, ela havia terminado de se acovardar. Ela havia perdido o controle sobre tudo, todos os ideais que já teve sob os escombros que sua vida se tornara. A única coisa que ela ainda podia recuperar era seu respeito próprio. Ela podia estar com medo e incerta, sempre estaria quebrada, mas não deixaria esse filho da mãe vê-la derramar mais uma lágrima por ele.

Cerrando o maxilar, Ava encontrou os olhos de Xavier, cumprindo sua ordem, mas enviando um sinal claro de que não estava intimidada. Pela primeira vez em três anos, eles se encararam. O garoto com quem ela passou incontáveis horas crescendo havia desaparecido. O homem em seu lugar era maior, mais duro. Seus ombros já eram largos antes, mas agora estavam preenchidos, definidos por camadas de músculos magros. De sua posição casualmente espalhada, Ava podia ver que ele finalmente havia crescido em seus longos membros, passando de um jovem esguio para uma máquina bem afinada, o homem espelhando o lobo dentro dele.

Seus olhos cor de avelã brilhavam com emoções reprimidas. Sempre o líder firme, Xavier sempre soube como fazer um show quando lhe convinha e se controlar quando a situação exigia. Ele tinha uma habilidade de ferro para controlar suas emoções desde criança, mas seus olhos raramente mentiam. Não para ela, não para alguém que o conhecia tão bem, apesar do tempo separados. Ela viu a hostilidade em sua expressão, sabia que sua opinião sobre ela não havia mudado, mas havia mais ali, tingindo aqueles olhos cor de mel com cores que ela não conseguia nomear. Ela tinha certeza de que ele via o mesmo refletido nos dela.

“Então, é disso que você gosta, hein?” Um comentário desdenhoso de um borrão sem rosto na multidão. Xavier não reconheceu e nem ela. Em vez disso, Xavier se desenrolou de sua posição sentada, levantando-se à sua altura total, alguns centímetros mais alto do que ela lembrava.

“Não me esqueceu, esqueceu, Ava?” Sua voz rouca era leve, brincalhona de uma maneira dolorosamente, inquietantemente familiar. Uma mecha de cabelo preto como breu caiu descuidadamente em seu rosto, e ele a deixou lá, tudo parte da fachada que estava montando – uma besta contida em seu melhor comportamento.

“Alfa.” Ela inclinou a cabeça em um leve gesto de reconhecimento, relutante em jogar seu jogo. Ela sabia que ele captava cada pequena rebeldia dela, mas ele não demonstrou isso em seu rosto. Se é que havia algo, qualquer sentimento que ela havia percebido em seus olhos antes estava completamente desaparecido agora.

“Como você escapou, Ava?” O tom afiado em sua voz voltou. Ele não estava feliz com esse reencontro clandestino. Ótimo. Nem ela.

Ele avançou lentamente, mãos nos bolsos, postura relaxada, olhos duros e deliberadamente inexpressivos. À medida que se aproximava, os pelos de Mia se eriçaram, mas não com os avisos que a atormentaram o dia todo. Cinzas de madeira e violetas. A fragrância de repente saturou o ar entre eles, seus almíscares naturais individuais se misturando para criar um novo aroma. Um cheiro de acasalamento.

Xavier parou a poucos passos dela. Suas narinas se dilataram e, assim como naquela noite, ele captou o cheiro dela. Mas desta vez não era apenas o cheiro dela, era o deles. O controle cuidadoso sobre seu comportamento escorregou quando Xavier mostrou os dentes e rosnou. Suas mãos saíram dos bolsos e se fecharam em garras ao lado do corpo, as veias salientes em seu pescoço evidenciando sua batalha para manter o Lobo contido, longe de sua companheira.

Eu, Ava pensou, tremendo ao perceber. Eu sou a companheira de Xavier.

“Saia da porra da porta, Ava.” Xavier rosnou; olhos ardentes fixos onde a mão dela ainda estava pronta para escapar.

A revelação que dobrava a realidade de que ela e o homem à sua frente eram companheiros veio com uma clareza abrupta para Ava. Em primeiro lugar, estava o fato de que agora ela estava em uma posição muito mais precária do que estava momentos antes. Machos recém-acasalados não deviam ser desafiados.

Agora, o corpo de Xavier estava sendo inundado com hormônios que ele não tinha controle, seu ser primal e corpo humano lutando através de uma alteração sobrenatural em seu próprio DNA. Um macho era perigoso nesse estado e um Alfa era ainda mais. Era extremamente raro, mas companheiros nem sempre saíam ilesos das fases iniciais de ligação.

Ava tinha certeza de que o fato de Xavier já odiá-la não ajudaria.

Sem tirar os olhos do macho ofegante, Ava lentamente retirou a mão da porta. Assim que seu braço alcançou o lado do corpo, a postura agressiva de Xavier diminuiu, mas não muito.

O ar entre eles parecia ferver, a sala ao redor deles parecia ficar cada vez mais quente enquanto se observavam. Ava viu o suor começar a brotar na testa corada de Xavier e percebeu que a sala estava realmente esquentando. As temperaturas corporais dela e de Xavier começaram a subir em reação à proximidade.

Em uma descoberta mais angustiante, o corpo de Ava estava começando a esquentar de outras maneiras. Ela sentiu seu pulso acelerar e uma dor pulsante estava se formando na parte inferior de seu ventre. Ela se sacudiu internamente, lembrando-se de que estava apenas reagindo a Xavier em um nível biológico e que nada do que estava acontecendo resultaria em algo no final do dia.

De repente, a atmosfera mudou. Como se um interruptor tivesse sido acionado, Xavier passou de lançar olhares furiosos para Ava a examiná-la, seus olhos âmbar lentamente subindo e descendo pelo corpo dela. Ava se mexeu nos pés, sentindo-se encurralada pela centésima vez naquela noite.

Quando ele começou a avançar em sua direção, ela não pôde evitar recuar, pressionando as costas contra a porta.

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