




Prólogo
“Assassina…”
“Mentirosa…”
“Traidora!”
Cada palavra vil cuspida em Ava doía como o corte de uma lâmina, penetrando fundo e fatiando-a por dentro. Não eram estranhos lançando insultos profanos e olhando para ela com tanto ódio intenso em seus olhos brilhantes; eram as pessoas que a viram crescer, que a ensinaram o que significava ser uma Loba.
Agora, eles mostravam suas presas para ela com raiva, a sombra de suas Lobas interiores ameaçando emergir à superfície, para vir despedaçar Ava. Eles tinham sido seu povo uma vez, mas esta noite estava claro que eram seus inimigos.
“Queime, sua traidora maldita!”
Uma pedra voou da escuridão e atingiu Ava na testa. Ava chiou em um grito de dor e caiu de joelhos.
“De joelhos, onde você pertence, cadela renegada!” A multidão irrompeu em uma rodada de aplausos ruidosos ao ver a garota derrubada.
Os guardas segurando a corrente de suas algemas continuaram, forçando Ava a se levantar ou correr o risco de ser arrastada pela lama. Determinada a manter sua dignidade apesar de seu crescente senso de pânico, Ava piscou para afastar o filete quente de sangue de seu olho e rapidamente se levantou.
Ela era uma Beta ascendente da Alcateia da Lua Vermelha, quer eles gostassem ou não. Ela se recusava a mostrar tal fraqueza diante de seus subordinados.
Ava conteve um suspiro ofegante.
Ela sentiu o peso opressivo de seu olhar pousar sobre ela, mais uma vez.
Xavier. Alfa. Melhor amigo. Potencial amante. Agora, potencial executor.
Ele significava o mundo para Ava durante toda a sua vida. Antes de se tornar um macho poderoso, antes de herdar o título de Alfa da Alcateia da Lua Vermelha, ele era Xavi. Ele era dela. Junto com Sophia e Samantha, ele era seu companheiro e confidente mais próximo.
Agora, tudo havia mudado. Tudo.
O guarda de Ava finalmente parou no meio de um clareira familiar. Um pequeno riacho corria por ali e, junto com a abertura no dossel da floresta, o local era um lugar pacífico para observar as estrelas.
Ela e suas amigas vinham aqui com frequência. E embora não tivessem visitado a clareira por um tempo, os cheiros de Samantha e Sophia impregnavam o local, apenas superados pelo cheiro avassalador de seu sangue. Não havia corpos à vista, mas ela sabia que ali era onde elas tinham morrido.
O medo crescendo em seu peito aumentou quando ela sentiu outro cheiro no vento. Inexplicavelmente, ela sentiu seu próprio musgo violeta se misturar com o delas. Fraco o suficiente para distinguir de sua presença atual na área, mas forte o suficiente para sugerir que ela tinha estado na clareira recentemente. Ava começou a suar. Se ela podia sentir seu próprio cheiro ali, os outros Lobos também podiam.
Agora, a linha de árvores estava lotada de representantes de sua comunidade, vindo testemunhar o julgamento e punição de uma suposta assassina. De pé no centro da clareira estavam duas figuras cujas sombras cortavam silhuetas imponentes contra a noite.
O primeiro era Xavier. Ao lado dele, alto e orgulhoso, estava seu pai, Augusto, que não transmitia absolutamente nada apesar de ter acabado de perder uma filha.
“Deixe-a queimar!”
“Faça a maldita prostituta renegada pagar!”
Os insultos continuaram enquanto Ava era trazida a uma parada diante dos Alfas antigo e atual. Ava observou os machos atentamente, procurando ansiosamente por qualquer sinal que pudesse indicar suas intenções.
Augusto começou a dar um passo à frente, mas um rosnado suave de Xavier o fez pausar. A troca foi quase imperceptível, mas Ava ainda captou o pequeno aceno que Augusto deu a Xavier, cedendo as rédeas no primeiro ato real de Xavier como Alfa.
Avançando, Xavier levantou a mão em direção à multidão que estava praticamente vibrando com energia furiosa. “Paz, Lobos! Até o final da noite, eu prometo que a justiça será feita.”
Ava engoliu em seco enquanto os Lobos ao redor aplaudiam e se acalmavam, prontos para o derramamento de sangue começar. Xavier assentiu, satisfeito que a Alcateia tivesse respondido imediatamente ao seu comando. “Então, que o tribunal comece.”
Ele se aproximou de onde Ava estava acorrentada. Ela queria que ele dissesse que não acreditava nas mentiras, que a conhecia melhor do que ela mesma - assim como ela o conhecia. Ele não fez isso. Em vez disso, ele a observou, desde o pijama amarrotado que ela estava usando quando foi arrastada sob custódia, até o ferimento fresco e sangrando em sua testa. De perto, ele deixou Ava ver a incerteza e o arrependimento escritos por todo o seu belo rosto.
Atrás dele, Augusto limpou a garganta, baixo e agudo - uma repreensão clara, lembrando Xavier de quem ele era e pelo que estavam ali. A advertência funcionou, pois a expressão de Xavier se fechou, levando seu amigo embora e deixando apenas o líder austero em seu lugar.
“Ajoelhe-se.”
“Xavier– “Ava começou a protestar.
“Ajoelhe-se.” Sua voz ficou dura.
“Xavier, por favor! Você sabe que eu não tive nada a ver com S– “
“Sua lealdade a esta Alcateia já está em questão. Pense bem se você também quer desafiar abertamente seu líder.” Ava ouviu o pedido disfarçado em suas palavras, para não tornar as coisas mais difíceis para si mesma.
Engolindo em seco, Ava baixou a cabeça em sinal de submissão e se ajoelhou diante de Xavier. Ele deu outro aceno satisfeito e baixou a voz, “Você terá sua chance de falar.”
“Como todos sabemos,” Xavier encarou-a, mas dirigiu-se à multidão. “Estamos aqui juntos lamentando a perda de dois de nossos. Ava Davis, você está sob suspeita de fazer negociações traiçoeiras e abrir um abismo dentro da Alcateia da Lua Vermelha que nunca poderá ser preenchido. O que você tem a dizer?”
“Eu sou inocente!” Ela olhou ao redor para a multidão antes de fixar seu olhar suplicante de volta em Xavier, “Vocês todos me conhecem – Xavier, você me conhece. Sophia e Samantha eram como irmãs para mim, não há como eu machucá-las.”
A mandíbula de Xavier se contraiu com a palavra ‘irmã’ e Ava sabia que ele estava pensando em Sophia.
Mas ele se recompôs rapidamente, “Anotado.” Virando-se para um ponto nas árvores, ele chamou, “Victor, foi você quem trouxe essas acusações contra Ava. Nos diga por quê.”
“Alfa!” Victor avançou furiosamente para se juntar a eles no centro da clareira. O Omega franzino tinha sido o braço direito de Augusto por anos e era o pai de Sam. Ele tremia de raiva ao considerá-la, satisfação vingativa enchendo seus olhos ao ver sua forma acorrentada e subjugada. “É uma honra ajudar a trazer a esta traidora imunda a retribuição que ela merece.”
Murmúrios de concordância se espalharam pela multidão enquanto Victor se virava para se dirigir a eles, “Esta...fera assassinou os nossos.”
A cabeça de Ava começou a balançar em negação mesmo enquanto ele continuava a falar. “Eu não fiz isso– “
“O futuro de nossa Alcateia e ela traiu a confiança deles. Ela traiu nossa confiança.” Ele cuspiu, nunca olhando nos olhos dela enquanto pronunciava sua sentença de morte.
“Victor, eu sei que você está sofrendo- “Ava suplicou.
“Porque ela era minha filha!” Victor girou em direção a ela, berrando.
Seu grito ecoou pela noite, sua dor afiada como uma faca. Ele deu algumas respirações para se recompor antes de se virar para encarar a Alcateia novamente. Certo ou errado, ele tinha ressoado com eles. Membros, tanto homens quanto mulheres, estavam chorando abertamente em sua raiva, sentindo a ferida aberta pelas mortes de Sam e Sophia em nossa comunidade.
“Sua prova, Omega.” Xavier exigiu calmamente.
Este julgamento era uma piada, a maioria dos presentes aqui já a havia julgado e a considerado culpada em suas mentes. Mesmo assim, ela não poderia ser punida sem evidências adequadas.
“Todos nós a sentimos no vento quando chegamos,” ele começou, recebendo acenos furiosos das massas. Com o coração desanimado, Ava viu as narinas de Xavier se dilatarem enquanto ele, também, dava um aceno solene. “Além dessa verdade reveladora, o celular da minha filha!”
Qualquer esperança que ela sentisse morreu quando Victor tirou um celular do bolso do casaco. A capa estampada de leopardo com joias parecia deslumbrantemente fora de lugar neste campo sombrio.
Ele abriu a conversa de texto deles e começou a ler em voz alta. “’Sam, você me fez parecer um idiota. Precisamos conversar.’ Enviado do número de telefone da acusada ontem à tarde. Então, à meia-noite e meia de ontem à noite, minha filha respondeu, ‘Estou aqui. Onde você está?’” Sua revelação foi recebida com um pesado silêncio.
“Isso não é prova!” Ava gritou, lágrimas frustradas finalmente escapando de suas defesas, os últimos vestígios de sua fachada despedaçados pela acusação descarada feita contra ela.
Tal evidência nunca seria aceita em um tribunal humano, mas este não era o mundo humano. Aqui, a Lei da Alcateia reinava, e a Alcateia funcionava com emoção, instinto.
A maré da opinião pública havia se virado contra ela e isso era suficiente. “Que motivo eu teria para fazer isso?”
“Ela tinha o que você não podia ter!” A implicação de Victor era clara.
Era uma afirmação audaciosa que ele fez, e pintava um quadro tórrido para o júri. Rumores sobre o relacionamento em desenvolvimento de Samantha com Xavier aparentemente estavam circulando. Infelizmente, Ava não os tinha ouvido antes de fazer sua confissão a ele.
Ela arriscou um olhar para Xavier, mas seus olhos estavam firmemente fixos em Victor. Suas sobrancelhas estavam franzidas, e Ava sabia que ele também estava pensando naquela noite.
Duas noites atrás, ela tinha desabafado com ele, esperando que ele pudesse vislumbrar o futuro que ela via para eles. Então, sua rejeição gentil a tinha arrasado, mesmo que ela se recusasse a deixá-lo ver. Agora, era motivo para homicídio.
Ela tinha sido tão ousada, tão confiante em si mesma e confortável com seu relacionamento com Xavier. Filha do segundo em comando da Alcateia, ela não foi criada para ser tímida, na verdade era conhecida por ser a mais atrevida de seu grupo. Não teria sido surpresa para ninguém descobrir que ela havia feito uma proposta ao seu Alfa, não como seria se Samantha tivesse feito isso. Dada a diferença entre os cargos de Ava e Samantha, Xavier escolher Samantha em vez dela seria um choque para a hierarquia de nossa Alcateia.
Para muitos, pareceria um insulto ao posto e honra de Ava. A retaliação dela poderia ser aceita, até esperada, mas assassinato…
“Seu orgulho patético foi ferido, e minha filha morreu por isso,” Victor continuou. “Além disso, nossa amada princesa foi pega no fogo cruzado!”
A menção de Sophia provocou uma forte reação na multidão, exatamente como ele sabia que aconteceria. Sophia, de fato, tinha sido amada. Ela era calor e leveza, a amiga mais gentil e protetora mais feroz. Victor disse isso, fazendo a Alcateia explodir em uivos de lamento, rapidamente substituídos por pedidos por sua cabeça.
“Traidora! Assassina!”
Uma coceira intensa irrompeu sob a superfície da pele de Ava. Mia, sua Loba, ameaçando se libertar para proteger Ava dos outros Lobos, mas presa pelas algemas que prendiam seus pulsos.
“Xavier, por favor, você sabe que nada disso é verdade.” Ela se suplicou ainda mais a ele, cabeça baixa, pescoço exposto.
Xavier olhou para a multidão e começou a falar quando seu pai se aproximou dele pela primeira vez desde o início do julgamento. Os gritos da multidão mascaravam as palavras que condenariam Ava.
“Pense muito, Xavier,” A voz do homem mais velho era severa, mas calma, com o sutil carisma de um mestre manipulador. “Olhe para o seu povo e a dor que essa garota causou.”
“A evidência era circunstancial, no máximo, pai.” Xavier disse, embora parecesse inseguro de si mesmo, especialmente sob o escrutínio de seu pai.
“O bem da Alcateia vem em primeiro lugar, Xavier. Sempre.” Ele acenou sutilmente para a multidão enfurecida, excitada pelos gritos raivosos de Victor por retaliação. “Esse caos não pode ser permitido a se espalhar dentro de nossas fileiras. Precisa acabar aqui.”
Sua voz continha um pouco demais de seu comando anterior e Xavier se enrijeceu com a percepção de uma invasão em seu controle. Augusto recuou um passo e sorriu, “Mas, é claro, a decisão é sua...Alfa.”
Xavier ficou um momento contemplando as palavras sussurradas de seu pai e a multidão cada vez mais hostil pedindo a cabeça de Ava. A evidência não era à prova de falhas, mas estava lá. Era suficiente.
Ele se virou para Ava, “As mensagens, seu cheiro...É demais, Ava. É muito claro. A Alcateia falou!”
“Não!” Ela gritou enquanto os insultos se transformavam em aplausos.
Mãos a arrastaram brutalmente para se levantar.
“Dada a evidência que reunimos e a desonra que você trouxe a esta Alcateia,” a voz de Xavier ecoou pelo campo como um trovão. “Como Alfa da Alcateia da Lua Vermelha, eu a sentencio, Ava Davis, filha do Beta, à prisão perpétua.”
Ava ficou em silêncio. Prisão perpétua. O resto de sua vida seria passado em uma masmorra glorificada.
Numb, ela se virou para olhar seus pais em uma última tentativa de salvação. Ela não sabia o que esperava.
Ninguém iria contra a decisão do Alfa. Afinal, o primeiro compromisso de um Beta era com o Alfa.
Xavier seguiu seu olhar, nivelando seus pais trêmulos com um olhar impiedoso. “Vocês se opõem ao meu julgamento e à vontade de sua Alcateia?”
Um silêncio tenso caiu rapidamente, todos esperando com a respiração suspensa para ouvir a resposta do Beta, incluindo Ava. Sob o escrutínio da Alcateia, os ombros de seu pai se endireitaram enquanto os de sua mãe caíram, um pouco. Ava soube então o que eles diriam.
“Não nos opomos, Alfa.” Seu pai proclamou.
Não havia como conter a tristeza e o pânico de Ava. Soluços pesados irromperam de seu peito, todo vestígio de orgulho completamente desaparecido. Ela estava condenada afinal.
Enquanto os guardas de Ava a arrastavam para fora da clareira passando por Xavier, ele proferiu um último prego em seu caixão.
“Deveria ter sido você.”